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Brasil demorou a criar o BC por resistência de bancos e governos

Banco Central, que acaba de completar 60 anos, foi iniciativa do primeiro presidente da ditadura, o marechal Humberto Castello Branco

Ricardo Westin

Edição Scriptum com Agência Senado

 

Em 1964, logo após o golpe militar, o Congresso Nacional foi palco de discursos catastrofistas sobre o futuro do Banco do Brasil.

Documentos históricos do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que alguns parlamentares entenderam que um projeto de lei que era patrocinado pelo governo e estava na pauta de votação desidrataria ou até mesmo destruiria o maior banco do País.

O deputado Fernando Gama (PTB-PR), ex-funcionário do Banco do Brasil, alertou:

— O que pretende [o projeto]? Pretende transferir para um órgão criado pela lei todas as atribuições que o Banco do Brasil vem tendo há quase um século e meio. O banco terá que ceder [ao novo órgão] seus funcionários, que conhecem efetivamente os problemas interioranos deste País, [comprometendo] o atendimento financeiro que vem dando por intermédio de suas 520 agências.

O deputado Henrique Turner (PDC-SP), que também havia trabalhado no banco, concordou:

— A mensagem ou o substitutivo que o governo acaba de enviar a esta Casa retira do Banco do Brasil a competência da execução da política monetária. Isso é uma espada sobre a cabeça do funcionalismo daquele estabelecimento e sobre a sobrevivência da própria instituição. Nesse sentido são as inúmeras manifestações que tenho recebido de várias agências do Banco do Brasil em São Paulo.

O projeto de lei em questão determinava a criação do Banco Central. Para que a nova instituição surgisse, o governo teria que retirar do Banco do Brasil algumas de suas atribuições.

Apesar do futuro sombrio descrito nos discursos, o projeto foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados a toque de caixa e a lei foi assinada pelo presidente da República, o marechal Humberto Castello Branco, em 31 de dezembro de 1964.

A lei de criação do Banco Central (Lei 4.595) completou, portanto, 60 anos.

  [caption id="attachment_39277" align="aligncenter" width="720"] Anúncio antigo do Banco do Brasil: instituição teve atribuições de banco central[/caption]

Trata-se de uma instituição essencial, pois protege a saúde econômica do País. O Banco Central controla a quantidade de moeda em circulação e o crédito geral disponível no mercado, conforme cada conjuntura, de modo a manter a inflação estável e previsível, impedir ataques especulativos, evitar depressões econômicas e estimular o crescimento sustentado.

Com esses mesmos objetivos, o órgão busca cumprir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, utilizando a taxa básica de juros como seu principal instrumento. Essa, no entanto, é uma incumbência mais recente, adotada em 1999.

Além do poder aquisitivo interno da moeda brasileira, o Banco Central defende o seu valor internacional. É ele que tem a guarda das reservas do Brasil em moeda estrangeira.

Outra missão é regular e fiscalizar os bancos comerciais, de modo a garantir a solidez do sistema bancário e a segurança dos clientes.

— O Banco Central, acima de tudo, não é banco. Tem apenas essa designação, mas nenhuma das operações bancárias o Banco Central pratica em essência — resumiu na época o deputado Raymundo Padilha (UDN-RJ).

  [caption id="attachment_39278" align="aligncenter" width="560"]  Construção do edifício-sede do Banco Central, em Brasília, que ficou pronto em 1981[/caption]  

Embora tenha 60 anos de existência, o Banco Central é uma instituição relativamente nova. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a organizar esse tipo de instituição.

Nos debates de 1964, quando ainda era aliado da ditadura militar, o deputado Ulysses Guimarães (PSD-SP) apoiou o projeto do governo e afirmou:

— Mesmo nações que recentemente adquiriram sua independência já trataram de criar seus bancos centrais, como Gana, Malásia, Tunísia, Sudão, Nigéria, Marrocos e Guiné. Em 1938, somente Brasil, Venezuela e Irlanda não possuíam banco central. Hodiernamente [atualmente], restou o Brasil, de vez que os outros dois já colocaram a serviço do crédito e da moeda o imprescindível mecanismo regulador.

O governo brasileiro sabia da importância dos bancos centrais pelo menos desde 1917, quando o então presidente do Banco do Brasil defendeu publicamente que o País passasse a contar com um banco estatal de emissão de moeda — poderia cumprir esse papel uma nova instituição ou o próprio Banco do Brasil.

Logo depois, em 1920, a Conferência Internacional de Finanças de Bruxelas recomendou aos países que criassem bancos centrais para acelerar a recuperação econômica do mundo pós-Primeira Guerra Mundial.

De 1918 em diante, diferentes projetos de criação do Banco Central foram discutidos no Congresso. Nenhum prosperou até 1964.

O atraso de quase 50 anos pode ser atribuído justamente à resistência do Banco do Brasil, que em 1920 deixou de ser um mero banco comercial (ainda que estatal) e passou a gradativamente acumular diferentes funções de banco central.

O economista Marcelo Lourenço Filho, autor de uma dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) que trata da história do pensamento econômico brasileiro sobre o Banco Central, afirma:

— O Banco do Brasil conseguiu assumir aos poucos o protagonismo dentro da economia brasileira. O surgimento do Banco Central tiraria muito do seu prestígio e o transformaria numa peça menor da engrenagem econômica do País. Isso era algo que o Banco do Brasil não queria.

O lobby do Banco do Brasil foi forte nos debates parlamentares de 1964. Uma das ideias levantadas foi a de que o banco fosse hipertrofiado e assumisse todas as funções que caberiam à nova instituição, eliminando a necessidade de criação do Banco Central.

O deputado Franco Montoro (PDC-SP) manifestou a posição oficial do Partido Democrata Cristão, favorável a essa ideia:

— Existem pelo mundo numerosos bancos centrais que, além das atividades monetárias que lhes são próprias, praticam operações bancárias comuns sem que se tenha notícia de perturbações no seu funcionamento. É que eles, como acontece com o Banco Central da Austrália, separam as duas atividades em dois departamentos distintos. Não nos custará fazer o mesmo, criando no Banco do Brasil, como se tem sugerido, uma diretoria monetária e uma diretoria bancária.

Outra ideia ventilada para proteger o prestígio do Banco do Brasil foi simplesmente retirar-lhe todo o caráter comercial e metamorfoseá-lo em banco central. O senador Mem de Sá (PL-RS) avaliou que essa seria uma péssima solução:

— A alternativa de liquidar as operações de banco comercial, rural e industrial do Banco do Brasil para transformá-lo em banco central seria inconveniente aos interesses nacionais, visto que privaria o governo de um organismo aparelhado para exercer importante ação direta de suplementação da rede bancária privada, na distribuição seletiva de crédito às atividades econômicas.

Os parlamentares favoráveis à criação do Banco Central, por sua vez, garantiram que, quando a nova instituição fosse fundada, não haveria o menor risco de o Banco do Brasil perder prestígio, definhar e muito menos fechar.

O deputado Pedro Aleixo (UDN-MG) disse:

— Quanto aos que temem o esvaziamento do Banco do Brasil, não é possível deixar de reconhecer a legitimidade do seu temor. Nada deve ser feito que ponha em risco sua estrutura financeira e sua capacidade de continuar prestando serviços à comunidade. Entre esses serviços, uma grande parte jamais poderia ser transferida para outras instituições públicas ou privadas. Nada disso, porém, justificaria que, por excesso de cuidado ou insuficiência de imaginação, mantivéssemos um estado de coisas que comprovadamente tem sido responsável por parte do desequilíbrio financeiro aqui e alhures.

O colega Ulysses Guimarães acrescentou:

— O Banco do Brasil, muito ao revés, será tonificado na sua situação genuína, congênita e específica de banco, tendo praticamente o monopólio dos depósitos. Para discordar da opinião que foi manifestada desta tribuna, de que isso iria trazer como consequência o fechamento de agências, eu digo que o governo não nos dá essa notícia. Não se iria encaminhar no sentido da ruína do Banco do Brasil.

Impaciente, o deputado Abel Rafael (PSD-MG) foi mais incisivo:

— Trazer à discussão o nome do Banco do Brasil, as transformações que ele vai sofrer, para torpedear a criação do Banco Central é um crime contra o Brasil. O Banco do Brasil não pode ser um tabu contra o progresso financeiro do País. O Banco do Brasil tem realizado muito, mas nós aqui não temos sistema financeiro, sistema bancário. Nós temos bancos, diretores de bancos, gerentes de bancos. Sistema financeiro, nós não temos.

O economista Marcelo Lourenço Filho explica que, além do Banco do Brasil, houve outros atores que ajudaram a retardar a criação do Banco Central em quase 50 anos:

— Primeiro, os diferentes governos, que compensavam os seus déficits orçamentários emitindo moeda livremente. No fundo, não lhes interessava um Banco Central que separasse o financiamento do Estado das questões de política monetária. Depois, os empresários, sobretudo os industriais, que se beneficiavam do ambiente de expansão do crédito liderado pelo Banco do Brasil.

De acordo com ele, os bancos privados também se opuseram à novidade:

— Diversas casas bancárias se aproveitavam da liberalidade institucional decorrente da ausência de um banco central. Muitas delas certamente não existiriam se a instituição estivesse em funcionamento, impondo regras mínimas para o setor bancário.

Os documentos históricos do Arquivo do Senado reforçam essa explicação. A respeito da resistência dos bancos, o deputado Abel Rafael discursou em 1964:

— Uma grande indústria nesta nação é fundar um banco. Quem quiser ficar rico muito depressa, faça uma pequena sociedade, junte 50 milhões e funde um banquinho. Em três tempos, encampa outro, encampa mais outro e acaba como o senhor Magalhães Pinto [então dono do Banco Nacional e governador de Minas Gerais]. Os homens que estão influindo nas discussões desta Casa são banqueiros. Quando se levanta um projeto para discipliná-los, aí muitas forças se erguem. Os grandes tubarões não querem que o Banco Central saia.

Quanto à má vontade dos próprios governos federais em relação à criação do Banco Central, o senador Mem de Sá afirmou:

— É preciso livrar o Brasil da política inconsciente e irresponsável que o tem desgraçado na economia. Não há quem negue que o arbítrio e a discricionariedade do presidente da República, exercidos através do ministro da Fazenda e do presidente do Banco do Brasil, ambos de sua confiança pessoal e demissíveis a seu nuto [desejo], levaram nossa política monetária e creditícia à situação anárquica, se não caótica, que penosamente agora tentamos superar.

De acordo com o deputado Ulysses Guimarães, era mais cômodo para o governo “fabricar recursos clandestina e descomedidamente” do que recorrer aos “meios naturais de obtenção de recursos”, como os empréstimos e o aumento de impostos.

Nas palavras do deputado Raymundo Padilha, a liberdade que o presidente da República tinha para ordenar a emissão de moeda para cobrir as contas públicas o tornava um “ditador potencial”.

Em 1947, o senador Andrade Ramos (PSD-DF) disse que as emissões sem freios eram responsáveis diretas pela “contínua alta dos preços”, pela “desconfiança no degradado valor da moeda” e pela “queda das cotações dos títulos da dívida pública”.

A criação do Banco Central não foi recomendada apenas pela Conferência Internacional de Finanças de Bruxelas, de 1920. Pouco tempo depois, o Brasil recebeu duas expedições financeiras inglesas, uma em 1923 e 1924 (a Missão Montagu) e outra em 1931 (a Missão Niemeyer), que também bateram nessa tecla.

O interesse dos ingleses era que a economia brasileira se tornasse sólida o suficiente para que o governo conseguisse obter novos empréstimos em Londres e tivesse capacidade para honrá-los.

Em 1937, o governo Getúlio Vargas submeteu à Câmara dos Deputados um projeto de criação do Banco Central, mas ele foi logo engavetado por causa do autogolpe que instaurou a ditadura do Estado Novo (1937-1945) e fechou o Congresso.

Dez anos depois, na condição de senador, Vargas (PSD-RS) explicou aos colegas parlamentares por que não criara o Banco Central no período do Estado Novo:

— Durante anos, meu governo também pensou no Banco Central. E esteve quase pronto esse Banco Central. Não o criou única e exclusivamente porque com a guerra [Segunda Guerra Mundial] próxima e conhecendo as consequências inevitáveis dessa situação, não poderia responder pelo equilíbrio orçamentário. E um Banco Central só funciona bem quando o Orçamento [federal] está equilibrado. Fora daí, passa a ser um organismo mais nocivo e contraproducente do que eficiente e benéfico.

O que Vargas fez no governo foi adotar uma postura gradualista. Em 1945, ele criou a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), subordinada ao Ministério da Fazenda, que tinha como objetivo “exercer o controle do mercado monetário e preparar a organização do Banco Central”.

O economista Thiago Gambi, professor de história econômica na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), avalia:

— Não se pode dizer que o Brasil simplesmente ignorou as recomendações de se criar um banco central. O que o País fez foi montar um arranjo institucional próprio, que, por um tempo, conseguiu dar resposta aos seus problemas e suprir as funções que caberiam a um banco central. Essa é outra razão que explica a criação tardia do nosso Banco Central.

Às vésperas de o Banco Central ser criado, as atribuições que no futuro seriam suas eram repartidas entre a Sumoc, o Banco do Brasil, a Carteira de Redesconto, a Carteira de Câmbio e a Caixa de Mobilização Bancária. O protagonismo, de qualquer forma, era do Banco do Brasil.

Para muitos parlamentares, essa fragmentação era um problema.

— Na política financeira do Brasil, manda a Sumoc, manda o Banco do Brasil, manda o Ministério da Fazenda, manda o Ministério do Planejamento, todo mundo manda, e não há planejamento algum, porque não há organização financeira — criticou o deputado Abel Rafael.

— Em matéria de crédito e de moeda, não existe uma orientação, porque há vários órgãos simultaneamente falando, opinando, decidindo e, pior do que isso, conflitando nas suas opiniões. É uma Babel. Daí a dificuldade que sentimos nesta Casa, pois, quando queremos situar a responsabilidade em determinado órgão, ela se dilui, torna-se aguada — concordou o deputado Ulysses Guimarães.

  [caption id="attachment_39279" align="aligncenter" width="763"] Criação do Banco Central foi ideia compartilhada entre o esquerdista João Goulart e o direitista Castello Branco[/caption]  

Assim que assumiu o poder, em 1961, o presidente João Goulart lançou como bandeira de governo as Reformas de Base. Entre elas, estava a reforma bancária, que previa a criação de um banco central. Segundo ele, o controle exercido sobre os bancos pela futura instituição garantiria a democratização do crédito.

Goulart enviou o anteprojeto de reforma bancária ao Congresso em março de 1963, mas o texto não teve tempo para ser aprovado. Exatamente um ano depois, veio o golpe de Estado, e as Reformas de Base foram sumariamente engavetadas.

Apesar de discordar de Goulart em quase todas as questões de Estado, a ditadura militar também enxergava a necessidade de um banco central e, ainda em 1964, remeteu um anteprojeto semelhante ao Congresso.

O general Castello Branco encampou a ideia por causa de seu ministro da Fazenda, o economista Octavio Gouvêa de Bulhões, que fora diretor da Sumoc e era um defensor histórico da criação do Banco Central.

O Congresso, que não havia levado à votação final nenhum dos projetos de lei apresentados nos anos anteriores, foi forçado a aprovar sem demora a proposta da ditadura. O Ato Institucional nº 1 (AI-1) dizia que, se um projeto do governo não fosse votado em 30 dias na Câmara e outros 30 dias no Senado, o texto seria automaticamente aprovado.

O projeto do Banco Central chegou ao Senado no fim de outubro de 1964 e, após discussões, pareceres e aprovações apressuradas, foi aprovado no fim de novembro.

[caption id="attachment_39280" align="aligncenter" width="860"] A arquitetura do prédio do Banco Central é inspirada na Cruz de Cristo gravada em uma moeda da época da Colônia[/caption]

A nova instituição começou a funcionar em março de 1965. Mas não com plenos poderes. Ela nasceu com o Banco do Brasil lhe fazendo sombra.

O Banco Central só passou a deter 100% das funções que lhe deveriam caber duas décadas mais tarde, em 1986, quando o governo enfim retirou do Banco do Brasil a chamada conta-movimento, seu último instrumento de poder monetário.

O edifício-sede do Banco Central, em Brasília, foi inaugurado em 1981. A sua icônica arquitetura foi inspirada na Cruz de Cristo gravada no dobrão de 1725, uma moeda dos tempos coloniais.

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Desafio interno do Brasil é maior que o das relações comerciais com Trump

Em palestra no Espaço Democrático, economista Felipe Salto cita o baixo crescimento como um problema estrutural que precisa ser enfrentado

[caption id="attachment_39265" align="aligncenter" width="560"] O economista Felipe Salto: "Temos que nos mobilizar em torno de um grande tema, e este tema é o do desenvolvimento econômico, do crescimento"[/caption]     Redação Scriptum A reviravolta que o governo dos Estados Unidos promete empreender nas relações comerciais com seus parceiros pode ser um grave problema para o Brasil, mas há questões mais graves com as quais o País deve se preocupar olhando para a conjuntura doméstica. Em palestra nesta terça-feira (28), na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD –, o economista Felipe Salto, ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e atualmente economista-chefe da Warren Investimentos, apontou alguns dos gargalos que o Brasil terá de enfrentar. Um dos principais é discutir o crescimento econômico para o País neste novo cenário. “Temos que nos mobilizar em torno de um grande tema, e este tema é o do desenvolvimento econômico, do crescimento”, disse ele. “Parece que virou pecado discutir isto, só podemos debater se a inflação vai ficar 0,5 ponto percentual acima do centro da meta, essas minúcias”. Para Salto, o baixo crescimento brasileiro é sistêmico e está intimamente relacionado ao desajuste fiscal crônico do País – desde 2014, apontou ele, a dívida pública vem crescendo. “Precisamos de um novo plano fiscal”, disse. O economista Roberto Macedo, que levantou nessa reunião o tema do baixo crescimento, defendeu que o Brasil aumente o percentual de investimentos públicos, essencial para que possa crescer. “Não temos fôlego para taxas maiores que os 3% deste ano sem investimentos”, disse, lembrando que na década de 1970 o governo chegou a investir 10% do PIB em infraestrutura e hoje está em apenas 2%. “O pior é que o efeito da gastança da PEC da Transição, lá de 2022, 2023, se esgotou”, apontou, fazendo o alerta para o que considera um grande risco: “Lula não tem responsabilidade fiscal, é populista e só pensa em se eleger, e o grande risco é inventar outra PEC da transição, pensando na eleição do ano que vem; além disto temos o Congresso extrativista”. Com crescimento econômico, defendeu ele, tudo melhora: cresce a arrecadação, o emprego, a renda, a demanda. “Seria uma boa ideia criar uma meta de crescimento, assim como temos meta de inflação; poderíamos começar com 4% ao ano e ir subindo”, disse. Salto concordou com Macedo: “Precisamos que o setor público invista para valer, que tenha uma burocracia capaz de fazer projetos relevantes, que tenha sistema de monitoramento e avaliação desses projetos”. E acrescentou um ponto importante à discussão: o Plano Plurianual (PPA), ferramenta de planejamento orçamentário que estabelece diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal. “Ninguém debate o PPA, os parlamentares estão preocupados com os R$ 50 bilhões de emendas”, disse Salto. “Precisamos fazer uma reforma orçamentária que vincule o orçamento ao PPA e então as emendas não poderão mais ser soltas como hoje, serão vinculadas a projetos estruturantes como uma grande ferrovia em construção, não uma academia ao ar livre no meio do nada”. Outro ponto de atenção destacado por Salto é como a política e a pré-campanha eleitoral vão impactar os desafios que o governo terá na área fiscal. “O Congresso volta com duas lideranças novas que se alinharão ao governo, mas reforçarão a tese de um Congresso que continuará tendo maior participação no orçamento público”, acredita. “Em abril de 2026 o quadro eleitoral estará mais bem definido, mas até lá a gestão será medíocre, não dá para fazer as grandes transformações que deveriam ter sido feitas no primeiro ano de governo, quando optou-se por uma expansão irresponsável, com o aumento do teto de gastos em R$ 145 bilhões, uma licença para gastar”. Para ele, “os problemas estruturais continuam os mesmos e as instituições do Estado que têm a ver com o desenvolvimento e o financiamento do desenvolvimento econômico, como o BNDES, voltam a namorar com as estratégias preocupantes que foram praticadas no governo Dilma (Rousseff) e no segundo governo de Lula”. Falando especificamente sobre a nova ordem da política comercial que os Estados Unidos tentarão impor aos seus parceiros, Salto enfatizou que falta ao Brasil uma formulação de política econômica. “O governo está reativo ao que acontece; é um debate raso e estamos à mercê de uma política extremamente incerta que será implementada pelo Trump”. Participaram da palestra de Felipe Salto, com comentários e perguntas, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, o coordenador nacional de Relações Institucionais do Espaço Democrático, Vilmar Rocha, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, os gestores públicos Januario Montone e Mário Pardini, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino.

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Regulamentação pode evitar disputa judicial sobre mototáxi

Em palestra no Espaço Democrático, José Police Neto diz que o Judiciário não é gestor público, não constrói soluções

[caption id="attachment_39238" align="aligncenter" width="560"] O subsecretário Police Neto: é necessário adotar um modelo de permissão que seja compatível com os riscos que o serviço oferece nas grandes cidades.[/caption]    

Redação Scriptum

 

A queda de braço judicial entre a Prefeitura de São Paulo e o aplicativo 99, que colocou em operação na cidade um sistema de transporte individual por motos, o 99Moto, poderia ter sido evitada por meio de uma solução simples: a regulamentação do serviço. “O Judiciário, não é gestor público, não constrói soluções, apenas arbitra se pode ou não pode”, diz o subsecretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado de São Paulo, José Police Neto, que tratou do tema nesta terça-feira (21), durante a reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD. A Prefeitura proibiu por decreto a operação do transporte individual por motos, mas a 99 argumenta que lei federal 13.640, de 26 de março de 2018, permite transporte remunerado privado individual de passageiros.

Police, que foi vereador em São Paulo por cinco mandatos, presidente da Câmara Municipal no biênio 2011/12 e secretário municipal de Participação e Parceria (2006), tem a mobilidade urbana como uma de suas especialidades. Ele destacou que o transporte individual por motos já existe informalmente em São Paulo, sem a regulação do poder público, em Paraisópolis e Heliópolis, duas das maiores favelas do Brasil, com população estimada em 120 mil habitantes. “E funciona bem, é adequado onde não tem transporte coletivo, onde há dificuldade de acesso rápido em distâncias que são curtas”, diz ele. “Se você demora meia-hora andando do ponto de desembarque do ônibus até em casa, e a moto cobra R$ 4 para te levar em quatro minutos, esse é um transporte extremamente adequado se for exigido dele a segurança necessária”. O desafio, segundo Police Neto, é regular: “Serve para todos os lugares? Não, mas é possível encontrar um equilíbrio, onde isso é possível; em uma área adensada, de ruas estreitas, não passa ônibus, a moto é a solução, vai trafegar a 20 quilômetros por hora, mas em uma avenida, disputando espaço com carros e ônibus, não é possível”.

Para ele, é necessário adotar um modelo de permissão que seja compatível com os riscos que o serviço oferece nas grandes cidades. “Se a legislação federal permite, a forma de resolver é impor regras para uma cidade que tem escala e distinção das outras”, defende. “Uma regulamentação que atende ao Brasil inteiro pode não se aplicar a São Paulo por suas características, então é preciso impor um grau de exigência”.

Ele chamou a atenção para a dinâmica da economia, apontando que existe demanda para o serviço e condições para que seja disponibilizado – motos e pilotos. “Se a atividade econômica é geradora de risco, tem que ser geradora de reparação e para isso já existem os seguros”, diz. “Se a maior preocupação é oferecer garantias, é preciso estabelecer quais são as garantias mínimas, que podem inclusive desestimular a atividade econômica”.

O médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge destacou o impacto dos acidentes com motocicletas para o sistema público de saúde. “São as campeãs de morte no trânsito”, disse, lembrando que no ano passado 414 pessoas morreram em acidentes com motos. “No Instituto de Ortopedia de São Paulo há andares inteiros com os que se acidentaram; depois eles ficarão pendurados no INSS, com a sociedade pagando e a família sofrendo, serão deficientes para o resto da vida”.

  [caption id="attachment_39239" align="aligncenter" width="560"] Reunião semanal de colaboradores do Espaço Democrático[/caption]  

As primeiras horas de Trump   

As primeiras ordens executivas de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos também foram analisadas na reunião desta terça-feira.

Januario Montone, consultor na área de saúde, comentou o impacto da decisão do presidente norte-americano de deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS). Lembrou que Trump já havia formalizado a saída da organização no último ano de governo do seu primeiro mandato, mas Joe Biden voltou atrás quando assumiu. “Marca a posição do governo dele, de ataque ao multilateralismo, e terá um efeito grave”, acredita Montone. A OMS, disse ele, tem presença forte e necessária nas regiões mais pobres, de confrontos e de desastres naturais, e também na vigilância epidemiológica e sanitária. “A questão financeira pode até ser contornada a médio prazo, mas o buraco epidemiológico que será criado no mundo ao ter os Estados Unidos fora das discussões mundiais, da definição de parâmetros, de alertas epidemiológicos e acordos internacionais é muito ruim”.

Eduardo Jorge considera o isolacionismo americano em todas as áreas bastante perigoso. “Em vez de decretar a emergência climática, decretou a emergência energética e com isso vai derrubar todas as barreiras de legislação ambiental para explorar os combustíveis fósseis”, disse. “Foram suspensas as metas para a transição para veículos mais limpos, que vinham sendo perseguidas por Biden, e derrubadas as legislações de proteção de áreas antárticas e costeiras”. Por fim, o mais emblemático dos gestos de Trump foi deixar mais uma vez o Acordo de Paris. “Agora são quatro países que estão fora: Estados Unidos, Iêmen, Irã e Líbia”.

O economista Luiz Alberto Machado apontou que o Brasil não é o parceiro preferencial dos Estados Unidos na América Latina. “Aqui, quem está buscando esta condição é Javier Millei”. As tarifas, segundo ele, vão subir e o Brasil poderá ser um dos países prejudicados. “Ele vai baixar impostos e terá de compensar isto de alguma maneira, arrecadando”.

Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, os gestores públicos Januario Montone e Mário Pardini, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino.

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Simples completa 18 anos de vida sob ameaças

Reforma do sistema de impostos sobre consumo pode acabar com os atrativos do regime adotado por 23,4 milhões de empresas

  [caption id="attachment_39211" align="aligncenter" width="560"] Guilherme Afif: "As consequências da inviabilização do Simples são graves"[/caption]     Edição Scriptum com Diário do Comércio O Simples, regime tributário mais usado pelas empresas brasileiras, está completando 18 anos de sucesso em um momento que seu futuro está sob ameaça. Reportagem publicada pelo Diário do Comércio mostra como a reforma dos impostos sobre o consumo pode retirar atrativos do Simples, o que pode colocar em risco a sobrevivência dos pequenos negócios, segundo especialistas. O secretário de Projetos Estratégicos de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, liderança do PSD e idealizador do regime tributário, lembra que ele foi criado para simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária dos pequenos empresários e se tornou um sucesso: tem cerca 23,4 milhões de empresas optantes. Segundo ele, “as consequências da inviabilização do Simples são graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação”. Leia a íntegra da reportagem do Diário do Comércio. “Simples Nacional atinge a maioridade sob ameaça Reforma dos impostos sobre o consumo retira atrativos do regime tributário e põe em risco a sobrevivência dos pequenos negócios, segundo especialistas A legislação que melhorou o ambiente de negócios das micro e pequenas empresas no Brasil acaba de completar 18 anos. A Lei Complementar 123, publicada em 14 de dezembro de 2006, criou o regime simplificado de tributação conhecido como Simples Nacional. O secretário de Projetos Estratégicos de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, idealizador do regime tributário, lembra que o Simples foi criado com dois grandes objetivos em benefício dos pequenos negócios: simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária. O êxito dessa política pública pode ser medida pelos números: hoje são cerca 23,4 milhões de empresas optantes, incluindo os MEIs (microempreendedores individuais), que somam 16,4 milhões de pequenos negócios. “O Simples é uma conquista construída em décadas de lutas que trouxe para a formalidade milhões de empreendedores”, lembra Afif.  Ameaça O regime tributário mais usado pelas empresas brasileiras para o recolhimento de impostos, no entanto, atinge a maioridade em um momento em que se coloca em xeque o seu futuro. O motivo? A regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo, referendada pelo Congresso Nacional no final do ano passado com a aprovação do PLP 68/2024. A criação dos novos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e a adoção da não cumulatividade plena – possibilidade de compensar o imposto devido com o montante cobrado sobre todas as operações nas compras de bens e serviços - devem “esvaziar” o regime tributário. “As consequências da inviabilização do Simples são graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação. A perda seria ainda maior pelo desestímulo ao empreendedorismo, importante alternativa para a criação de renda”, prevê Afif. Assim, o fim da possibilidade de geração de créditos tributários para manter a competitividade dos pequenos negócios é um dos principais desafios a serem enfrentados, embora a reforma tributária tenha dado a opção do recolhimento separado da CBS e IBS da alíquota única do Simples. Para o presidente do Sescon-SP, Antonio Carlos Santos, essa mudança desafia a lógica de praticidade e desoneração, que sempre foram a essência do regime tributário voltado aos pequenos negócios. “Isso vai exigir adaptações operacionais para que as empresas mantenham sua relevância no mercado. O cenário de regimes híbridos, com maior complexidade no cumprimento das obrigações fiscais e custos tributários mais elevados, pode tornar inviável a operação de muitos pequenos negócios”, prevê Santos. Para mitigar os efeitos da reforma tributária, o Sescon-SP vai trabalhar junto ao Congresso Nacional e as entidades da contabilidade e do empreendedorismo na implementação de ajustes na LC 123, como a correção dos limites de faturamento e extinção da obrigatoriedade do sublimite de faturamento anual, fixado em R$ 3,6 milhões. “É preciso proteger a sobrevivência e o crescimento dos pequenos negócios”, afirma. Na avaliação do gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Carlito Merss, a manutenção do regime do Simples Nacional foi uma conquista estratégica na regulamentação da reforma tributária. “Por outro lado, é fundamental que as micro e pequenas empresas continuem competitivas. Estamos atentos ao possível aumento de custo de insumos e mercadorias com a nova CBS, que terá alíquota maior do que as atuais”, diz. Outro ponto de atenção diz respeito à alíquota zero para os impostos que incidem sobre os produtos da cesta básica nacional de alimentos. “É necessário que as MPE também possam “descontar” impostos pagos pelos produtos ao longo da sua cadeia de produção, mesmo que seja por mecanismos de cashback”, defende. Propostas No Congresso, são várias as propostas para aperfeiçoar a legislação do Simples Nacional, mas sem grandes avanços na tramitação. De acordo com o vice-presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas, deputado Jorge Goetten (Republicanos-SC), uma das prioridades da Frente é assegurar que a reforma tributária não comprometa o funcionamento e a competitividade do segmento. “Infelizmente, os projetos que favorecem grandes empresas costumam avançar mais rapidamente devido ao forte lobby, enquanto pautas essenciais para os pequenos negócios enfrentam lentidão. Está na hora de sairmos do discurso e darmos o devido valor às pautas dos pequenos”, defende Goetten, que afirma ter solicitado ao favorito para o ocupar a presidência da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), “olhar especial ao setor”. Dentre os projetos fundamentais para atualizar a LC 123, Goetten destaca o Simples Trabalhista, que moderniza as regras e elimina travas para aumentar a produtividade, o aumento do limite de faturamento do MEI (PLP 108) e o pacote do Pequeno e Microempreendedor (PLP 125/2023), que inclui medidas concretas como a redução de multas trabalhistas, diminuição de impostos e maior equilíbrio financeiro para os pequenos negócios. História A inclusão do artigo 179 na Constituição de 1988, que prevê tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas, por insistência do então deputado Constituinte Guilherme Afif Domingos, foi o embrião da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. O dispositivo foi regulamentado em 1995, com a criação do Simples Federal, que simplificou o recolhimento de tributos devidos à União. A unificação do tratamento diferenciado envolvendo Estados e municípios aconteceu em 2006, com a aprovação da Lei Complementar 123, após intensos debates no Congresso Nacional. Desde 1996, a legislação tem sido aperfeiçoada para acompanhar as mudanças da economia e as novas demandas dos empreendedores. Uma das alterações mais importantes na história do empreendedorismo foi a universalização do Simples Nacional, que deu sinal verde para que outros os setores entrassem no sistema. Até então, o enquadramento se baseava no setor ao qual a empresa desenvolvia suas atividades. Com a mudança, o critério passou a ser o porte do negócio, o que permitiu o ingresso de profissionais liberais organizados em empresas, como contadores e advogados. Hoje, praticamente todas as atividades econômicas podem optar pelo Simples Nacional, tendo como critério único o teto de faturamento anual de R$ 4,8 milhões. A criação da figura jurídica conhecida como microempreendedor individual, em 2008, resultado de uma grande mobilização comandada por Afif, foi outro marco da legislação. Porta de entrada para milhares de microempreendedores que atuavam na economia informal, a figura jurídica do MEI estabelece como critério de adesão receita bruta anual de até R$ 81 mil. Segundo dados mais recentes da Receita Federal, são quase 15 milhões de MEIs ativos no Brasil.”     

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