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Conversas de ½ minuto ‒ Cantadores

Acadêmico José Paulo Cavalcanti Filho escreve sobre os grandes poetas populares do Nordeste brasileiro

José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

Mais conversas em livro que estou escrevendo. Como estamos em época de São João, período de festa no Nordeste, hoje só com nossos cantadores.

CÂMARA CASCUDO, escritor. No terraço de sua casa, na rua Junqueira Aires (bairro da Ribeira, Natal), próxima da Praça das Mães, dois cantadores esperavam para se apresentar. Foi quando um deles viu besouro cascudo pousar nos ombros do mestre e pegou na viola.

 – Estou vendo dois cascudos

Um do outro é diferente

Um não tem raciocínio

O outro é inteligente

No mato cascudo é bicho

Na praça Cascudo é gente.

GERALDO AMÂNCIO PEREIRA, cantador (de Cedro, Ceará). Pediram que cantasse as glórias da ciência e ele:

‒ O mundo se encontra bastante avançado

A ciência alcança progresso sem soma

Na grande pesquisa que fez no genoma

Todo corpo humano já foi mapeado.

No mapeamento foi tudo contado

Oitenta mil genes se pode contar

A ciência faz chover e molhar

Faz clone de ovelha

Faz cópia completa

Duvido a ciência fazer um poeta

Cantando galopes na beira do mar.

IVANILDO VILANOVA, cantador (de Caruaru, Pernambuco). Com muita honra, para mim, sou padrinho de uma de suas duas filhas, Indira Essênia. É dele essa Cantiga de Conselho:

‒ Você pode no muque arrebentar

Seja a porta da frente, ou da dispensa

Mas apenas pedindo com licença

Ela pode se abrir, você passar.

Me perdoe diga sempre quando errar

Não é feio ninguém ser educado

Nem humilde, gentil, ou delicado

O contrário é que é constrangedor

Por favor diga sempre por favor

E obrigado por dar muito obrigado.

JOÃO PARAIBANO (João Pereira da Luz), cantador (do Sítio Pinica-Pau em Princesa Isabel, Paraíba). Fazia cantoria com Rogério Menezes (de Imaculada, Paraíba, embora tenha desde menino vivido em Caruaru), quando um cidadão botou dinheiro na bandeja e pediu que falassem mal das esposas, um do outro. Com as próprias presentes! João não se fez de rogado e acabou sextilha dizendo:

‒ Não sei como tu aguentas

Uma mulher brava e feia.

Rogério respondeu:

‒ A minha mulher é feia

Porém digna e singela

Sua mulher é bonita

Entre todas a mais bela

Por isso que muitos ursos

Estão pulando a janela.

E João completou:

‒ A minha mulher é bela

Estando vestida ou nua

Mais parece uma sereia

Quando desfila na rua

Melhor ser corno da minha

Do que marido da tua.

JOSÉ CARDOSO, cantador (de Encanto, Rio Grande do Norte). O amigo Sebastião Dias, cantador e prefeito de Tabira (Pernambuco), acabou uma décima dizendo que não iria perder tempo cantando com poeta analfabeto, “Afinal sou um Doutor”. E Zé Cardoso respondeu:

‒ Aprendi a cantar sem professor,

Com a graça de Deus eu sou completo

Você vem me chamar de analfabeto

Exibindo diploma de Doutor.

No congresso que eu for competidor

Vou ganhar de você por 10 a 0

Bastião, eu vou ser muito sincero

Se eu deixar de cantar não sou feliz

Ser poeta eu sou porque Deus quis

Ser doutor eu não sou porque não quero.

LOURIVAL BATISTA (Louro do Pajeú), cantador (de São José do Egito, Pernambuco). Numa cantoria deram mote, mulher, e ele cantou assim:

 ‒ Um cientista profundo

Me perguntou certa vez

Se eu conhecia os três

Desmantelos desse mundo.

Eu respondi num segundo

Doido, mulher e ladrão

E dou-lhe a explicação:

Doido não tem paciência,

Ladrão não tem consciência,

Mulher não tem coração.

LIVEIRA DE PANELAS, o Pavarotti dos Cantadores, assim é conhecido (de Panelas, Pernambuco). No Bar Savoy, onde Carlos Pena Filho escreveu seu famoso poema Chope:

– Por isso no bar Savoy

O refrão é sempre assim:

São trinta copos de chope,

São trinta homens sentados,

Trezentos desejos presos,

Trinta mil sonhos frustrados.

Cantoria com Otacílio Batista, irmão de Dimas e Lourival. Ali, fui testemunha de uma cena inacreditável. E, na hora, lhe mandei esse bilhete:

 – Meu amigo Oliveira

Pare, sinta, escute e veja

Otacílio pegou 20

Quero que Deus me proteja

Mas nunca vi cantador

Roubar a própria bandeja

Pois no calor da peleja

Como quem bebe aguardente

Comeu o teu queijo frio

Bebeu o teu café quente

E o que era teu e dele

Ficou foi dele somente.

Saudade é tema recorrente nas cantorias. Seguem, aqui, três belos exemplos de sextilhas. A primeira de Severino Pinto (de Monteiro, Paraíba):

‒ Essa palavra saudade

Conheço desde criança

Saudade de amor ausente

Não é saudade, é lembrança

Saudade só é saudade

Quando morre a esperança.

E as duas restantes de Antônio Pereira (de Livramento, Paraíba), conhecido como O Poeta da Saudade.

‒ Saudade é um parafuso

Que quando na rosca cai

Só entra se for torcendo

Porque batendo não vai

Depois que enferruja dentro

Nem distorcendo não sai.

‒ Quem quiser plantar saudade

Primeiro escalde a semente

Plante num lugar bem seco

Onde o sol bata mais quente

Que se plantar no molhado

Quando nascer mata a gente.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Lições de viagem: contrastes maranhenses

Luiz Alberto Machado relata as diferenças socioeconômicas entre cidades como São Luís, Alcântara e os Lençóis Maranhenses

Luiz Alberto Machadoeconomista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

Acabo de concluir uma viagem de dez dias ao Maranhão, sete dos quais passados nas deslumbrantes paisagens dos Lençóis Maranhenses.

Foi minha quinta visita ao Estado, que se caracteriza, entre outras razões, por acentuados contrastes. Foi também a primeira exclusivamente a turismo, já que nas vezes anteriores estive no Maranhão a trabalho por um, dois, três ou, no máximo, quatro dias.

Minha primeira ida ao Maranhão ocorreu no início da década de 1980. Na ocasião, fui ministrar cursos para lideranças sindicais em São Luís e em Codó. Embora tenha ficado pouco tempo no Estado, recordo-me que minha impressão não foi positiva. O Centro Histórico, onde ficava o hotel em que me hospedei, ostentava graves problemas de deterioração, de tal forma que o interior por trás de algumas belas fachadas com azulejos em estado de conservação satisfatório era desolador, não passando de ruína ou acelerado processo de abandono, em que predominavam a pobreza e a sujeira. Se a impressão da capital não foi favorável, a de Codó, cidade localizada a 290 quilômetros de distância da capital, foi ainda pior.

Além dessas impressões, dois fatores ficaram gravados em minha memória. O primeiro diz respeito à pobreza reinante no Estado, que não raras vezes chegava à miséria absoluta, superior a tudo que eu já havia visto em meus quase trinta anos de vida, nos quais já conhecera quase todas as capitais e algumas cidades do interior de diversos Estados brasileiros do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste (não havia conhecido até então os Estados do Norte do País). O segundo foi que nas duas noites em que dormi em Codó, choveu muito, ocasionando a queda de uma ponte na estrada de lá para São Luís. Como não era possível voltar a São Luís para pegar o voo para São Paulo, o jeito foi ir para Teresina. Achei que não haveria problema, uma vez que o voo de São Luís para São Paulo fazia escala na capital piauiense. Para minha surpresa, o funcionário da companhia aérea – não tenho certeza se Vasp ou Transbrasil – não queria me deixar embarcar de jeito nenhum. Expliquei a situação a ele, informando que seria impossível voltar a São Luís por conta da queda da ponte, mas ele se manteve irredutível. Já com o avião pousado, expliquei o problema a um funcionário mais graduado, que ligou para a Polícia Rodoviária e, obtendo a confirmação da queda da ponte, autorizou meu embarque.

Nas três vezes seguintes, cheguei num dia, ministrei palestra na mesma noite e retornei no dia seguinte. Pude perceber apenas que a deterioração do Centro Histórico permanecia a mesma e que a gentileza das pessoas locais, em especial dos dirigentes do Conselho Regional de Economia, propiciava momentos agradabilíssimos.

Nesta minha última experiência em terras maranhenses, permaneci por sete dias nos Lençóis Maranhenses e os restantes em São Luís e em Alcântara.

Com mais tempo, pude conhecer melhor algumas peculiaridades que fazem do Maranhão um Estado com extraordinários contrastes.

Nos primeiros dias desfrutei das paradisíacas paisagens dos Lençóis Maranhenses, pernoitando nas três mais conhecidas cidades da região: Barreirinhas, Atins e Santo Amaro. A exuberância da natureza, repleta de deslumbrantes dunas e lagoas, somada ao intenso turismo, dá à região uma condição especial, neutralizando ou disfarçando os problemas da infraestrutura local.

Em São Luís, a melhora concentra-se na região das praias, com modernos edifícios, hotéis, shopping centers e restaurantes de boa qualidade. No Centro Histórico, porém, a deterioração e a pobreza predominam, situação atenuada atualmente pelos enfeites e atividades das festas juninas, autodenominadas de "Maior São João do Mundo".

Alcântara, situada no continente, a cerca de 30 quilômetros de São Luís, percorridos em pouco mais de uma hora por barcos que partem do Cais da Praia Grande, foi uma das cidades mais ricas do Brasil entre os séculos XVII e XVIII, quando sua economia girava em torno do algodão, da cana-de-açúcar e do trabalho escravo. Depois da abolição da escravatura veio a decadência e os barões abandonaram a cidade. Nos dias de hoje, é uma cidade pitoresca, que vale a pena ser visitada para se ter uma noção de sua importância histórica, conhecer suas ruínas e casarões que marcaram a época da colonização do Brasil e parte do folclore local voltado às festas religiosas, com destaque para a festa do Divino. Quem permanecer por mais tempo pode visitar também as comunidades quilombolas e testemunhar a hospitalidade de seu povo.

A Base de Alcântara, centro de lançamento de foguetes reconhecido internacionalmente por sua localização geoestratégica, não é aberta à visitação.

Seguem-se alguns dados para ilustrar os contrastes do Maranhão.

Levantamento da FGV Social realizado em 2021 mostra que o Maranhão é o estado com maior percentual de pobres do País, abrangendo cerca de 29,62% da população brasileira, como pode ser visto na tabela.

Estados mais pobres do Brasil[1]

Lugar Estado Percentual
MA 57,00
AM 51,42
AL 50,36
PE 50,32
SE 48,17
BA 47,33
PB 47,18
PA 46,85
AP 46,80
10º RR 46,16
11º CE 45,89
12º PI 45,81%
13º AC 45.53%
14º RN 42,86%

Outro estudo, realizado pelo IBGE, também em 2021, utilizando o critério do Banco Mundial, que considera extremamente pobres as famílias que dispõem de menos de US$ 1,90 por dia, equivalente a uma renda per capita de R$ 168,00, aponta que das 50 cidades mais pobres do Brasil, três ficam na Bahia, duas no Pará, duas no Ceará, duas no Amazonas, uma em Minas Gerais e 40 no Maranhão, dez das quais em situação de extrema pobreza. No outro extremo, as três cidades mais ricas do Maranhão, por PIB, são São Luís, Imperatriz e Balsas.

Em contraste com a pobreza reinante em boa parte do Estado, levantamento recente da Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab) mostrou que o Maranhão cresceu no cenário da produção agrícola nacional. De acordo com este levantamento, o Estado está entre os dez maiores produtores do Brasil e é o segundo maior da região Nordeste (atrás apenas da Bahia).

Parte significativa dessa produção vem do Sul do Estado, que ano a ano bate novos recordes de produtividade. Para melhorar a produtividade, os agricultores investem em tecnologia do campo e melhoramento genético das variedades de soja e milho, sem se esquecer de treinar os trabalhadores sobre técnicas de plantio e segurança no trabalho. Grandes agricultores trocam os campos pelos auditórios durante o período de entressafra, para assistirem palestras nas quais conhecem novas tecnologias na aplicação de defensivos, tirando o melhor proveito das máquinas. Esses investimentos colocam o pólo agrícola de Balsas entre as principais regiões agrícolas produtoras de grãos do país, com destaque para a soja.

Com a importante contribuição do Maranhão, temos a fronteira agrícola que mais cresce em área plantada no Brasil, segundo o Ministério da Agricultura e da Pecuária. Conhecida como Matopiba, formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, a região se beneficia da combinação favorável de áreas planas, luminosidade, amplitude térmica e logística.

[1]Considerando pobre quem vive com até R$ 497,00 por mês (ou US$ 5,50 por dia)

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Plano de saúde com até 5 vidas também deveria ser controlado pela ANS

Januario Montone analisa as propostas do projeto de lei que tramita na Câmara e que pretende alterar a fiscalização do mercado de planos coletivos

Redação: Scriptum Até o final deste mês o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), relator do projeto de lei e de todos os apensados que propõem alterações na Lei dos Planos de Saúde, apresentará à Câmara dos Deputados o substitutivo que prevê a regulação, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), dos planos coletivos. Atualmente apenas os planos individuais são controlados pela agência e têm, entre outras obrigações, os reajustes anuais controlados pela agência. O debate sobre o tema se intensificou desde meados do mês passado, quando a ANS anunciou o limite de 9,65% de reajuste para os planos individuais, mais que o dobro da inflação do período. O projeto que vem sendo elaborado pelo deputado Duarte Jr. melhora a condição atual dos beneficiários, mas não considera questões importantes, segundo apontou Januario Montone, consultor na área de saúde, na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (20). Montone, que foi presidente da ANS e da Funasa, diretor da Anvisa e secretário municipal de Saúde de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab, baseou sua análise em três propostas principais do projeto: os reajustes anuais, a rescisão unilateral e a regulação dos provedores de saúde, que são os hospitais clínicas e laboratórios. Reajuste De acordo com o projeto do deputado maranhense, as operadoras deverão calcular o reajuste anual não mais por cada contrato, como é feito hoje, mas reunindo todos os usuários de planos coletivos da carteira. O texto prevê que uma forma de cálculo será criada para tornar mais transparentes os critérios que estabelecem o aumento. Além disto, a proposta é de que o percentual máximo de reajuste nos contratos coletivos seja definido, como ocorre no caso dos planos individuais, pela ANS. Montone destaca uma séria distorção na definição do que é um contrato coletivo. “A ANS deveria coibir os planos do tipo “falso coletivo”, contratos com menos de cinco vidas, que na verdade, são familiares, que normalmente reúnem, pai, mãe e filhos; coletivos são os de grandes empresas”. Ele aponta que este “falso coletivo”  foi uma ferramenta criada pelo mercado para driblar a legislação, que protege os planos individuais e familiares. “Planos com até cinco vidas devem seguir as mesmas regras de reajuste dos individuais e familiares, devem ter seu limite máximo de reajuste arbitrado pela ANS”, afirma. Ele defende, ainda, que a operadora demonstre à agência a necessidade do reajuste dos contratos, individuais, familiares e “falsos coletivos”, em vez de aplicá-lo automaticamente. “Os verdadeiros contratos coletivos empresariais devem continuar sendo livremente negociados entre a operadora e a empresa que contratou”, diz. Rescisão O projeto de lei prevê a proibição da rescisão unilateral de contratos coletivos pelas operadoras, o que é permitido e praticado hoje, especialmente nos casos em que o beneficiário passa a significar um custo acima da média para a operadora. Mais: define que o cancelamento por inadimplência seja quando se contabiliza a falta de pagamento por 90 dias consecutivos – hoje a interrupção pela operadora pode ser feita com 60 dias de atraso, consecutivos ou não, em um prazo de um ano. Montone defende que o rompimento unilateral dos contratos coletivos com até cinco vidas deve ser proibido, como nos planos individuais. “Para os contratos entre seis e 30 vidas,  a rescisão teria que ser comunicada com 60 dias de antecedência, além de permitir a utilização da regra da portabilidade da carência, o que não é possível hoje”. Os planos coletivos empresariais e por adesão devem manter as regras atuais. Regulação dos provedores O projeto do deputado maranhense introduz o inovador controle da ANS sobre os prestadores de serviços. “Hoje a agência controla quem contrata e paga, que são as operadoras, mas não controla quem vende, quem entrega,  que são os prestadores”, enfatiza Montone. “Sou amplamente favorável a que a agência tenha poderes regulatórios sobre hospitais, clínicas, laboratórios e até médicos”. Ele entende que o maior alvo desta regulação devem ser os hospitais e a rede de Serviço de Apoio Diagnóstico Terapêutico, em especial as empresas que produzem exames de imagem. “Hoje, entre 80% e 90% dos custos das operadoras se referem à prestação de serviços e a ANS não tem visibilidade da composição desses custos, apenas informações não auditadas fornecidas pelas próprias operadoras, que controla apenas o quanto pagam”, afirma. Para o consultor, “a simples padronização do plano de contas dos hospitais, como foi feito com as operadoras, já permitiria maior visibilidade dos custos reais do setor”. Ele lembra, porém, dois aspectos importantes ligados a uma decisão como esta: à ANS teriam de ser dadas condições para exercer a regulação e a fiscalização, e a lei que criou a agência teria de ser alterada, para ampliar seus poderes. Os 270 projetos de lei apensados ao PL 7.419/2006 são a prova das dificuldades para o debate nessa área, com interesses tão legítimos quanto díspares. Segundo Montone, o norte para a sustentabilidade do setor é “que o ecossistema da Saúde Suplementar tenha seu foco na saúde dos usuários e não na doença”.

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Sobre junho de 2013

Rafael Auad escreve que as manifestações de dez anos atrás mostraram que a política distante do povo não fazia e continua não fazendo nenhum sentido

Rafael Auad, especialista em gestão pública Edição: Scriptum Junho de 2013 é o tema da vez. Linhas e mais linhas de textos analíticos nos jornais, vídeos de reportagens da época rememoradas, com muita gente nas ruas, manifestações e confusão, conversas acadêmicas com todo tipo de recorte e enquadramento político ou ideológico é o que vemos neste junho de 2023. E faz, claro, muito sentido, já que a mídia e também a arena pública são fortemente pautadas por efemérides, quanto mais uma série de movimentos vivenciados no começo da década passada que tanto trouxeram de novidade e moldaram o Brasil atual. Recordo de muitas coisas daqueles dias. Mas na essência lembro como nós, militando em diferentes centros acadêmicos e outros espaços do movimento estudantil, nos envolvemos muito - nos reuníamos e debatíamos, formulávamos todo tipo de teoria e avaliação para tentar compreender o que o País vivia. Digo “nós” em referência a um grupo de colegas com os quais tinha diálogo, mesmo que sem muita afinidade política. E nós, mesmo sem a exata compreensão do que estava em andamento, tínhamos o entendimento de que aquele mês de junho de 2013 teria impacto duradouro na vida política do País. O que eu pontuo aqui, em uma visão ligeira, creio que esteja muito bem mencionado nas diferentes análises em circulação sobre os dez anos de junho de 2013. E acrescento que, de um ponto de vista pessoal, aquele período teve para mim um bom papel de formação política. Debatendo e participando daqueles protestos, aprendi um tanto mais a fazer política e comecei a me atentar à crença de uma solução ideológica de centro. O equilíbrio na solução dos problemas da sociedade, a liberdade econômica como norte e a busca por uma sociedade mais justa e desenvolvida começou a florir como caminho. E nesse 2023, me convenço de estar no lugar certo, no PSD, de centro, presidido pelo Gilberto Kassab. À época eu era presidente do Grêmio da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, instituição em que me graduei em engenharia e onde comecei meus passos na política, e tenho uma memória viva dos diálogos e reuniões, seguidos da presença que tínhamos nas ruas. Sabíamos que era um momento muito particular e histórico. O que começou como um questionamento aos reajustes de tarifas de transporte público enveredou pelo caminho de a sociedade brasileira largamente interpelar todo o sistema político, sobre a qualidade de serviços públicos e também muito questionar sobre representação, pontuando a distância entre a sociedade e os detentores de cargos públicos. Manifestações foram crescendo em volume de participantes e reivindicações. E dominaram o debate público. E até hoje aquele mês de junho pauta bastante o debate... Por vezes, os protestos foram desvirtuados pela violência e vandalismo, mas não acredito que isso tenha sido fator que deslegitimasse a presença das pessoas nas ruas – eu acredito, muito verdadeiramente, que a manifestação e o debate são da essência da democracia, e quem queria se fazer ouvir de forma legítima, sem recorrer à violência, estava fazendo o que era correto. A rua é ambiente “físico” por excelência da discussão política, e naqueles dias ficou claro que a sociedade estava insatisfeita. Os efeitos de junho de 2013 se desdobraram nos anos seguintes – em processos eleitorais, no impeachment, ascensão de novas pautas, uma grande discussão sobre corrupção política e uma nova conformação dos espectros político-ideológicos e seu grau de aceitação pela população (quanto a isso, basta lembrar que vimos a emergência de uma direita que conquistou a eleição presidencial e deslocou, claro, o eixo de poder/preferência política do brasileiro). Portanto, o que junho de 2013 mostrou? Acho que mostrou que política distante do povo não fazia nenhum sentido. Fazer política sem ouvir a sociedade não funcionava mais. E se não funcionava em 2013, o que dirá dez anos depois... Também quero destacar que a arena pública era outra, e muito mais impactada pela “rua física” do que é hoje. Em 2013, o Instagram tinha apenas três anos de existência e não era relevante no País. O Tik-tok não existia (foi criado em 2016). E as redes sociais que preponderavam eram o Facebook e o Twitter (criados em 2004 e 2006, respectivamente). Hoje temos muita política sendo feita pelas redes sociais. Muita discussão e possibilidade de “chegar junto” de detentores de mandatos públicos ou de lideranças políticas por meio desses canais. Também temos nesses dias um debate muito relevante e necessário sobre as redes sociais e as big techssobre fake news e seus impactos sociais. E nos últimos meses ganham terreno no debate sobre comunicação os impactos da inteligência artificial. E cabe a pergunta: o que teremos dentro de mais dez anos, se pensamos em inteligência artificial? Isto seria tema para outra reflexão... Mas traçadas essas linhas, humildemente convido a todos que participem efetivamente do debate público, que se envolvam nas discussões sobre políticas públicas, sobre representação, sobre combate à corrupção, meio ambiente, desenvolvimento urbano, educação, habitação... Enfim, uma série de temas, que são assunto de todos. E em especial os jovens. Que “tomem as ruas” da discussão da atualidade, que se não são mais apenas as ruas “físicas”, também as redes sociais e os seus diferentes espaços de debate.

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