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Plano de saúde com até 5 vidas também deveria ser controlado pela ANS

Januario Montone analisa as propostas do projeto de lei que tramita na Câmara e que pretende alterar a fiscalização do mercado de planos coletivos

Redação: Scriptum Até o final deste mês o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), relator do projeto de lei e de todos os apensados que propõem alterações na Lei dos Planos de Saúde, apresentará à Câmara dos Deputados o substitutivo que prevê a regulação, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), dos planos coletivos. Atualmente apenas os planos individuais são controlados pela agência e têm, entre outras obrigações, os reajustes anuais controlados pela agência. O debate sobre o tema se intensificou desde meados do mês passado, quando a ANS anunciou o limite de 9,65% de reajuste para os planos individuais, mais que o dobro da inflação do período. O projeto que vem sendo elaborado pelo deputado Duarte Jr. melhora a condição atual dos beneficiários, mas não considera questões importantes, segundo apontou Januario Montone, consultor na área de saúde, na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (20). Montone, que foi presidente da ANS e da Funasa, diretor da Anvisa e secretário municipal de Saúde de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab, baseou sua análise em três propostas principais do projeto: os reajustes anuais, a rescisão unilateral e a regulação dos provedores de saúde, que são os hospitais clínicas e laboratórios. Reajuste De acordo com o projeto do deputado maranhense, as operadoras deverão calcular o reajuste anual não mais por cada contrato, como é feito hoje, mas reunindo todos os usuários de planos coletivos da carteira. O texto prevê que uma forma de cálculo será criada para tornar mais transparentes os critérios que estabelecem o aumento. Além disto, a proposta é de que o percentual máximo de reajuste nos contratos coletivos seja definido, como ocorre no caso dos planos individuais, pela ANS. Montone destaca uma séria distorção na definição do que é um contrato coletivo. “A ANS deveria coibir os planos do tipo “falso coletivo”, contratos com menos de cinco vidas, que na verdade, são familiares, que normalmente reúnem, pai, mãe e filhos; coletivos são os de grandes empresas”. Ele aponta que este “falso coletivo”  foi uma ferramenta criada pelo mercado para driblar a legislação, que protege os planos individuais e familiares. “Planos com até cinco vidas devem seguir as mesmas regras de reajuste dos individuais e familiares, devem ter seu limite máximo de reajuste arbitrado pela ANS”, afirma. Ele defende, ainda, que a operadora demonstre à agência a necessidade do reajuste dos contratos, individuais, familiares e “falsos coletivos”, em vez de aplicá-lo automaticamente. “Os verdadeiros contratos coletivos empresariais devem continuar sendo livremente negociados entre a operadora e a empresa que contratou”, diz. Rescisão O projeto de lei prevê a proibição da rescisão unilateral de contratos coletivos pelas operadoras, o que é permitido e praticado hoje, especialmente nos casos em que o beneficiário passa a significar um custo acima da média para a operadora. Mais: define que o cancelamento por inadimplência seja quando se contabiliza a falta de pagamento por 90 dias consecutivos – hoje a interrupção pela operadora pode ser feita com 60 dias de atraso, consecutivos ou não, em um prazo de um ano. Montone defende que o rompimento unilateral dos contratos coletivos com até cinco vidas deve ser proibido, como nos planos individuais. “Para os contratos entre seis e 30 vidas,  a rescisão teria que ser comunicada com 60 dias de antecedência, além de permitir a utilização da regra da portabilidade da carência, o que não é possível hoje”. Os planos coletivos empresariais e por adesão devem manter as regras atuais. Regulação dos provedores O projeto do deputado maranhense introduz o inovador controle da ANS sobre os prestadores de serviços. “Hoje a agência controla quem contrata e paga, que são as operadoras, mas não controla quem vende, quem entrega,  que são os prestadores”, enfatiza Montone. “Sou amplamente favorável a que a agência tenha poderes regulatórios sobre hospitais, clínicas, laboratórios e até médicos”. Ele entende que o maior alvo desta regulação devem ser os hospitais e a rede de Serviço de Apoio Diagnóstico Terapêutico, em especial as empresas que produzem exames de imagem. “Hoje, entre 80% e 90% dos custos das operadoras se referem à prestação de serviços e a ANS não tem visibilidade da composição desses custos, apenas informações não auditadas fornecidas pelas próprias operadoras, que controla apenas o quanto pagam”, afirma. Para o consultor, “a simples padronização do plano de contas dos hospitais, como foi feito com as operadoras, já permitiria maior visibilidade dos custos reais do setor”. Ele lembra, porém, dois aspectos importantes ligados a uma decisão como esta: à ANS teriam de ser dadas condições para exercer a regulação e a fiscalização, e a lei que criou a agência teria de ser alterada, para ampliar seus poderes. Os 270 projetos de lei apensados ao PL 7.419/2006 são a prova das dificuldades para o debate nessa área, com interesses tão legítimos quanto díspares. Segundo Montone, o norte para a sustentabilidade do setor é “que o ecossistema da Saúde Suplementar tenha seu foco na saúde dos usuários e não na doença”.

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Sobre junho de 2013

Rafael Auad escreve que as manifestações de dez anos atrás mostraram que a política distante do povo não fazia e continua não fazendo nenhum sentido

Rafael Auad, especialista em gestão pública Edição: Scriptum Junho de 2013 é o tema da vez. Linhas e mais linhas de textos analíticos nos jornais, vídeos de reportagens da época rememoradas, com muita gente nas ruas, manifestações e confusão, conversas acadêmicas com todo tipo de recorte e enquadramento político ou ideológico é o que vemos neste junho de 2023. E faz, claro, muito sentido, já que a mídia e também a arena pública são fortemente pautadas por efemérides, quanto mais uma série de movimentos vivenciados no começo da década passada que tanto trouxeram de novidade e moldaram o Brasil atual. Recordo de muitas coisas daqueles dias. Mas na essência lembro como nós, militando em diferentes centros acadêmicos e outros espaços do movimento estudantil, nos envolvemos muito - nos reuníamos e debatíamos, formulávamos todo tipo de teoria e avaliação para tentar compreender o que o País vivia. Digo “nós” em referência a um grupo de colegas com os quais tinha diálogo, mesmo que sem muita afinidade política. E nós, mesmo sem a exata compreensão do que estava em andamento, tínhamos o entendimento de que aquele mês de junho de 2013 teria impacto duradouro na vida política do País. O que eu pontuo aqui, em uma visão ligeira, creio que esteja muito bem mencionado nas diferentes análises em circulação sobre os dez anos de junho de 2013. E acrescento que, de um ponto de vista pessoal, aquele período teve para mim um bom papel de formação política. Debatendo e participando daqueles protestos, aprendi um tanto mais a fazer política e comecei a me atentar à crença de uma solução ideológica de centro. O equilíbrio na solução dos problemas da sociedade, a liberdade econômica como norte e a busca por uma sociedade mais justa e desenvolvida começou a florir como caminho. E nesse 2023, me convenço de estar no lugar certo, no PSD, de centro, presidido pelo Gilberto Kassab. À época eu era presidente do Grêmio da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, instituição em que me graduei em engenharia e onde comecei meus passos na política, e tenho uma memória viva dos diálogos e reuniões, seguidos da presença que tínhamos nas ruas. Sabíamos que era um momento muito particular e histórico. O que começou como um questionamento aos reajustes de tarifas de transporte público enveredou pelo caminho de a sociedade brasileira largamente interpelar todo o sistema político, sobre a qualidade de serviços públicos e também muito questionar sobre representação, pontuando a distância entre a sociedade e os detentores de cargos públicos. Manifestações foram crescendo em volume de participantes e reivindicações. E dominaram o debate público. E até hoje aquele mês de junho pauta bastante o debate... Por vezes, os protestos foram desvirtuados pela violência e vandalismo, mas não acredito que isso tenha sido fator que deslegitimasse a presença das pessoas nas ruas – eu acredito, muito verdadeiramente, que a manifestação e o debate são da essência da democracia, e quem queria se fazer ouvir de forma legítima, sem recorrer à violência, estava fazendo o que era correto. A rua é ambiente “físico” por excelência da discussão política, e naqueles dias ficou claro que a sociedade estava insatisfeita. Os efeitos de junho de 2013 se desdobraram nos anos seguintes – em processos eleitorais, no impeachment, ascensão de novas pautas, uma grande discussão sobre corrupção política e uma nova conformação dos espectros político-ideológicos e seu grau de aceitação pela população (quanto a isso, basta lembrar que vimos a emergência de uma direita que conquistou a eleição presidencial e deslocou, claro, o eixo de poder/preferência política do brasileiro). Portanto, o que junho de 2013 mostrou? Acho que mostrou que política distante do povo não fazia nenhum sentido. Fazer política sem ouvir a sociedade não funcionava mais. E se não funcionava em 2013, o que dirá dez anos depois... Também quero destacar que a arena pública era outra, e muito mais impactada pela “rua física” do que é hoje. Em 2013, o Instagram tinha apenas três anos de existência e não era relevante no País. O Tik-tok não existia (foi criado em 2016). E as redes sociais que preponderavam eram o Facebook e o Twitter (criados em 2004 e 2006, respectivamente). Hoje temos muita política sendo feita pelas redes sociais. Muita discussão e possibilidade de “chegar junto” de detentores de mandatos públicos ou de lideranças políticas por meio desses canais. Também temos nesses dias um debate muito relevante e necessário sobre as redes sociais e as big techssobre fake news e seus impactos sociais. E nos últimos meses ganham terreno no debate sobre comunicação os impactos da inteligência artificial. E cabe a pergunta: o que teremos dentro de mais dez anos, se pensamos em inteligência artificial? Isto seria tema para outra reflexão... Mas traçadas essas linhas, humildemente convido a todos que participem efetivamente do debate público, que se envolvam nas discussões sobre políticas públicas, sobre representação, sobre combate à corrupção, meio ambiente, desenvolvimento urbano, educação, habitação... Enfim, uma série de temas, que são assunto de todos. E em especial os jovens. Que “tomem as ruas” da discussão da atualidade, que se não são mais apenas as ruas “físicas”, também as redes sociais e os seus diferentes espaços de debate.

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Política tributária é camisa de força que amarra o Brasil

O Brasil precisa se libertar urgentemente dessa camisa de força para retomar o desenvolvimento com melhor distribuição de renda, escreve Samuel Hanan

Samuel Hananengenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum O cidadão brasileiro trabalha 153 dias do ano apenas para pagar tributos. A carga é pesada. Um trabalhador com remuneração mensal de dois salários-mínimos devolve todo mês aos governos federal, estadual e municipal, na forma de tributos, no mínimo R$ 386,82. Ou seja, 28,27% dos rendimentos desse trabalhador vão, compulsoriamente, para os cofres públicos. É muita coisa e compromete sobremaneira o orçamento dos que ganham pouco. Brasileiros com menor renda se sacrificam muito para adquirir os produtos da cesta básica, encarecidos sobretudo pela carga de tributos incidente sobre eles. O imposto sobre a carne, por exemplo, é de 29%. Sobre o açúcar, de 30,60%. Do preço do papel higiênico, 32,55% são impostos. Nos serviços públicos, a incidência de impostos é igualmente pesada: 48,28% sobre a conta de energia, 24,02% sobre a conta de água e 26,39% sobre juros bancários (um contrassenso, pois quanto mais altos os juros, maior a arrecadação tributária do governo). Isso acontece porque o Brasil adota um sistema tributário regressivo, no qual cerca de 44% de tudo o que é arrecadado pelos três entes federativos (União, Estados e Municípios) advêm dos impostos incidentes sobre o consumo. Tão grave quanto é o fato de que outros 23% da receita dos impostos são obtidos com a tributação sobre a renda. Nos países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Canadá e Itália ocorre justamente o contrário: a tributação sobre a renda é sempre maior que a sobre o consumo. Além disso, o trabalhador brasileiro sofre com a defasagem na correção da tabela do Imposto de Renda e das aposentadorias e pensões pagas pelo INSS. O justo e o correto seria o governo corrigir tais tabelas anualmente, com base na inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Ao não adotar essa medida, o governo está, na prática, tributando inflação porque as faixas salariais corrigidas pelos índices inflacionários acabam superando a renda limite para a isenção do IR. E, sabidamente, tal correção não pode ser entendida como renda, uma vez que se trata de mera reposição inflacionária. Eis uma questão duplamente reprovável: os governos não foram capazes de controlar a inflação e o povo é obrigado a pagar por tal incompetência. Esses números são suficientes para demonstrar a urgência de o País realizar a reforma tributária. O governo reconhece que essa reforma é fundamental para o Brasil e divulga que ela viabilizará o crescimento da economia em, no mínimo, 12% a mais. Planeja-se a adoção do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) e a substituição de quatro tributos por um novo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), conforme duas Propostas de Emenda Constitucional que tramitam no Congresso. Não há tempo a perder. Já se vão quase seis meses do novo governo e, em julho, o Congresso Nacional entrará em recesso. Se quiser de fato avançar na reforma, o governo terá de acelerar porque 2024 será ano de eleições municipais, o que rotineiramente prejudica o andamento dos projetos mais importantes no Parlamento. Fortalecer a economia é essencial para o País voltar a crescer. O Brasil, que já foi a 8ª economia do mundo, hoje ocupa apenas a 12ª posição nesse ranking. A questão maior, entretanto, é que para isso o País precisa repensar o seu sistema de tributação com olhos mais atentos ao consumidor, notadamente os quase 53 milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que encontram enormes dificuldades para adquirir os produtos da cesta básica. É preciso ainda uma completa revisão na concessão dos benefícios fiscais, que correspondem a 4,30% do PIB – algo em torno de R$ 453 bilhões/ano da União e mais R$ 50 bilhões/ano dos Estados (0,50% do PIB) – e são mantidos apesar de descumprirem, em larga medida, a Constituição Federal de 1988 e Leis Complementares. A irresponsabilidade na concessão de benefícios fiscais sem regressividade ao longo do tempo e sem nenhum mecanismo de avaliação prática e o sistema tributário em sua concepção atual são os maiores contributos para a manutenção e agravamento das desigualdades sociais (e também das desigualdades regionais). Brasileiros com menor renda são os mais prejudicados, assim como aqueles que vivem nas regiões Norte e Nordeste, uma vez que 63% do total dos gastos tributários beneficiam as duas  regiões mais ricas e desenvolvidas do País (Sudeste e Sul). O Brasil precisa se libertar urgentemente dessa camisa de força para retomar o desenvolvimento com melhor distribuição de renda, corrigindo, com isso, antigas e graves distorções que sacrificam a maior parcela da população. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Geisel e a abertura lenta, gradual e segura

Historiador Antonio Paim traça o perfil do general e presidente que iniciou o processo de entrega do poder à sociedade civil

       Antonio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático   O general Ernesto Geisel chefiou o quarto governo militar, exercendo a Presidência da República de 1974 a 1979. Empossado, logo nos primeiros pronunciamentos comprometeu-se com a abertura política e indicou a forma pela qual a conduziria. Assumia o compromisso com “distensão lenta, gradual e segura”. Muitos a consideraram demasiado lenta na medida em que indicou outro militar para sucedê-lo (João Figueiredo, que governaria de março de 1979 a março de 1985). Mas este já se achava desprovido da prerrogativa de recorrer a atos de exceção, em especial a cassação de mandatos e a privação da possibilidade de recurso ao Judiciário pelas vítimas do arbítrio, restaurado que fora o “habeas-corpus”. Além disto, nesse último governo militar foram reintroduzidas as eleições diretas para governador e extinto o bipartidarismo. Ernesto Geisel encontrou dificuldades de monta notadamente no propósito de esmagar a chamada linha dura, isto é, os militares em postos de comando que se opunham abertamente ao projeto e, ostensivamente, davam continuidade à repressão instaurada sob o governo anterior (general Emílio Garrastazu Médici). Enfrentou corajosamente as manifestações de desrespeito às suas ordens e afastou os seus partidários dos postos-chaves de comando. Por outro lado, atuou contraditoriamente no caminho da distensão. Ernesto Geisel pertence a uma primeira geração brasileira de ascendência alemã. Seu pai veio para o Brasil em 1890, fixando residência no Rio Grande do Sul, onde constituiu família na própria colônia germânica. Dois de seus filhos (Ernesto e Orlando) seguiram a carreira militar, tendo ambos chegado ao generalato. Como general, Orlando Geisel ocuparia posições destacadas na tropa, entre elas o Comando do III Exército e, sob os governos militares, o Ministério da Guerra (de 1969 a 1974). Com a posse do irmão, passou à reserva”. Com a ascensão dos militares ao poder, Ernesto Geisel adquiriria crescente ascendência nos meios políticos na medida em que despontava como a personalidade capaz de retomar os ideais democráticos que estiveram na base do movimento de março de 1964. A par disto, o caminho seguido desde fins de 1968, quando o Exército apareceu cada vez mais como o responsável pela repressão brutal a qualquer forma de oposição – justificando a acusação de que vivíamos sob ditadura militar –, setores cada vez mais amplos do oficialato deram-se conta dos riscos que ameaçavam a sobrevivência da instituição. A oposição da cúpula do Exército à distensão perseguida por Geisel expunha à Nação a profundidade da divisão que grassava em seu meio, o que talvez tenha contribuído para inclinar, nos quartéis, a balança em favor do novo mandatário. O grande teste seriam as eleições parlamentares a serem realizadas em novembro. Os candidatos passaram a dispor de liberdade de propaganda desconhecida desde o Ato Institucional nº 5, de fins de 1968. Além disto, pela primeira vez a televisão era parte do processo. Esse quadro beneficiou claramente o partido de oposição – o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) –, que ampliou a base de que dispunha tanto no Senado como na Câmara. No Senado, a bancada oposicionista passou de sete para vinte cadeiras. Na Câmara, a diferença entre o partido oficial, a ARENA, e o MDB, que era superior a cem, reduziu-se a trinta (199 deputados arenistas contra 165 emedebistas). No pronunciamento oficial de fim de ano, Geisel fez questão de deixar claro que não guardava ressentimentos pelos resultados eleitorais. No início de 1975, suspendeu a censura prévia a que vinha sendo submetido o jornal O Estado de S. Paulo. A linha dura iria valer-se da situação para tentar convencer a opinião de que voltava á tona a ameaça comunista. Os órgãos de repressão, comandados diretamente pelo Exército, desencadearam sucessivos golpes contra órgãos apresentados ruidosamente como pertencentes ao PCB. A repressão atingiu também as redações de jornais. Produziram-se centenas de prisões. A 26 de outubro daquele ano (1975) o Comandante do II Exército, sediado em São Paulo, distribuiu nota à imprensa afirmando ter cometido suicídio numa das dependências do Exército, em que se achava preso, o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura. As dependências em apreço eram ocupadas por órgão da repressão que se tornaria famoso, o DOI-CODI, que coordenava a repressão efetivada pelos diversos aparelhos da polícia política. Tornou-se patente que fora vítima de tortura. O fato deu motivo à realização de missa em São Paulo a que compareceram milhares de pessoas, tornando-se uma primeira manifestação política de envergadura contra o governo, depois dos acontecimentos de 1968. No início de 1976 o fato se repetiu, vitimando desta vez a um operário. Geisel desencadeou pessoalmente uma ação fulminante contra a linha dura, que dava mostras de ter em suas mãos o II Exército, tornando público o grau de divisão que grassava nessa Arma. Deslocou-se para São Paulo e começou por demitir o Comandante da unidade, substituindo a grande maioria dos que detinham diretamente o comando da tropa. Apesar dessa demonstração de força, iria dar-se conta de que a batalha seria muito árdua, vendo-se forçado a fazer diversas concessões a essa facção do Exército, sempre que possível dando demonstrações de sua disposição de persistir na distensão. Entre as concessões aos órgãos de segurança podem ser mencionadas a virtual supressão da propaganda eleitoral na televisão nas eleições municipais realizadas em novembro de 1976, bem como a cassação de três deputados federais, acusados de pertencerem ao PCB. Contudo, em maio daquele ano, tendo falecido no Uruguai o ex-presidente João Goulart, autorizou o traslado do corpo para o Brasil e os órgãos da repressão foram impedidos de interferir no enterro, que aconteceu na cidade gaúcha de São Borja, na presença de mais de trinta mil pessoas. Em agosto, em face da morte de Juscelino Kubitschek num acidente automobilístico, fato que desencadearia forte emoção no país, Geisel decretou luto oficial por três dias. O enfrentamento decisivo de Geisel com a linha dura teve lugar em 1977, quando começaram as articulações para a sua substituição. Davam-se com tanta antecedência devido ao fato de que em novembro de 1978 teriam lugar eleições para a renovação do Parlamento e das assembleias estaduais (a indicação do presidente dava-se de forma indireta num colégio eleitoral onde a decisão cabia à representação parlamentar, tanto federal como estadual). O ministro da Guerra, general Sílvio Frota, era ostensivamente candidato e dava sucessivas demonstrações de independência em relação ao presidente. Geisel dispôs-se a correr o risco de demiti-lo, manobrando no sentido de impedir que tivesse lugar reunião do Alto Comando. Tal se deu em outubro daquele ano. O general Frota foi afastado e os seus partidários, no Alto Comando, viram-se privados da possibilidade de qualquer manifestação. Em dezembro, deu a conhecer o nome que indicaria para substituí-lo, general João Figueiredo. Para assegurar essa indicação, afastou das funções que exerciam, notadamente junto à presidência, todos os generais que discordavam da escolha; obteve a sua promoção a general de quatro estrelas, “furando a fila”, como se diz. E, com vistas a tranquilizar a Nação quanto ao seu firme compromisso com a distensão, promoveu reforma constitucional, revogando o AI-5. Apesar das dificuldades encontradas no plano econômico, Geisel praticamente coroou a Revolução Industrial. Em seu governo, a potência instalada de energia elétrica cresceu 65%; as reservas conhecidas de petróleo aumentaram 44%, e a capacidade nacional de refino, 73%. Ao afastar-se da presidência, tendo completado 70 anos, Ernesto Geisel assumiu a presidência de empresa privada do setor petroquímico. Deste modo, permaneceu ativo durante muitos anos. No processo de abertura de 1985, ajudou a vencer as resistências no Exército à candidatura de Tancredo Neves, em substituição ao general João Figueiredo. O acordo compreendia a entrega do poder a um civil, mas não se previa que fosse oriundo da oposição. Assim, o pronunciamento de Geisel contribuiu para desanuviar o ambiente. Faleceu em 1996, aos 88 anos de idade.

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