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Taxonomy - Destacão
O alto preço do continuísmo irresponsável
E é necessário fazer uma reflexão sobre a responsabilidade de todos os brasileiros que elegeram democraticamente todos os governantes pelo voto popular, defende Samuel Hanan
Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Todos os presidentes do Brasil nas duas últimas décadas sabiam e sabem da necessidade de cortar despesas, reduzir a gastança do governo e o gigantismo da máquina pública para dispor de recursos destinados a investimentos inadiáveis, por exemplo, em educação em tempo integral, em melhoria da remuneração dos professores, em ampliação das coberturas do Sistema Único de Saúde (SUS) e em universalização dos serviços do saneamento básico, hoje uma das maiores vergonhas nacionais, com impacto direto na saúde pública e na qualidade de vida dos cidadãos. Tais medidas, entretanto, jamais foram implementadas. Essa necessidade, ainda que gritante, foi sempre sufocada pelos interesses eleitorais – especialmente a reeleição – visando à manutenção do poder, como se o País tivesse donatários em pleno século 21. Para isso, nenhuma preocupação em fazer o combate efetivo à corrupção e enorme boa vontade com a concessão de privilégios, generosidade com disponibilização de recursos públicos para parte da mídia e para os influenciadores sociais, com destaque para a área da cultura. A caixa de bondades foi mantida aberta. O preço dessa desastrosa opção, que perdura desde a aprovação do instituto da reeleição, em 1997, tem sido muito elevado, prejudicando a prestação de serviços essenciais com precariedades alarmantes, além do brutal empobrecimento da população brasileira. Não é necessário muito esforço para a comprovação dos desastres causados por essas políticas governamentais que privilegiam poucos em detrimento da grande massa carente, a plutocracia tomando o lugar da democracia. Um bom exemplo são os gastos primários. Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, os gastos primários alcançaram o montante equivalente a 14,7% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Tesouro Nacional, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na sequência, ao final dos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010) esses gastos foram expandidos e chegaram a 17% do PIB. Um aumento de 2,3 pontos percentuais, equivalentes hoje a R$ 269 bilhões/ano. A irresponsabilidade continuou durante os cinco anos e sete meses dos governos da presidente Dilma Roussef e, com isso, os gastos primários atingiram um recorde de 19,5% do PIB, ou seja, mais R$ 292 bilhões/ano, em valores atualizados. No período seguinte, nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, houve recuo de 19,5% para 18% do PIB nesses gastos. Mas voltou a subir no biênio 2023/2024, já no terceiro governo de Lula, atingindo o nível de 20% do PIB. Significa dizer que o aumento entre 2002 até hoje custou para o País 5,3 pontos percentuais do PIB, ou R$ 622 bilhões/ano em valores de hoje. É preciso falar também sobre os privilégios concedidos ao setor privado, por meio de renúncias fiscais – os chamados gastos tributários –, igualmente responsáveis por tornar o Brasil ainda mais desigual e injusto. Em 2001, os gastos tributários da União eram equivalentes a 1,47% do PIB, cerca de R$ 172 bilhões/ano). Em 2010, último ano do segundo mandato do presidente Lula, já era mais do que o dobro. Correspondia a 3,60% do PIB, ou aproximadamente R$ 420 bilhões/ano, em valores atualizados. A farra nos gastos públicos se repetiu com a concessão desses privilégios no último ano da presidente Dilma, quando já tinha atingido o nível de 4,33% do PIB, ou, em valores de hoje, R$ 506 bilhões/ano. O problema permanece em 2024, ano que deve fechar no absurdo índice de 5,50% do PIB. Merece destaque a versão preliminar dos estudos da FGV, de novembro. Amparada nos dados oficiais da Secretaria da Receita Federal e das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) dos Estados brasileiros, essa versão sinaliza que no ano as renúncias fiscais do governo geral atingirão patamar ainda maior, de 6,9% do PIB, o correspondente a R$ 807 bilhões/ano, ou seja, mais de 20% do total da carga tributária nacional. A dimensão da gravidade pode ser aferida por meio da comparação do excesso da gastança da máquina pública (12,8% do PIB) com a média dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de apenas 9,8 do PIB com a mesma despesa. Se somadas as despesas com o gigantismo do setor público, com os gastos tributários, e com a corrupção do setor público (2,5% do PIB, segundo estimativa das instituições), a conclusão é a de que todo esse desperdício que poderia ser evitado chega a 38% de toda a carga tributária nacional, já bastante pesada para as pessoas físicas e jurídicas. Não há defesa para essas priorizações equivocadas dos governos brasileiros pós-1997 quando se olha para os indicadores sociais e se constata sua degradação. Um exemplo é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medido a partir das condições de educação, renda e bem-estar da população. Nesse índice, o Brasil caiu da 77ª posição em 2002 para a 88ª ou 89ª colocação mundial em 2024. No coeficiente Gini, que mede a distribuição de renda nas nações, o País está estagnado, nas últimas décadas, entre as dez piores nações do planeta. Vergonhoso também é o desempenho brasileiro no Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade Brasileira (IRBES), estacionado na última posição entre os 30 países de maior expressão econômica e com maior carga tributária. Traduzindo: o Brasil cobra muitos impostos de seus cidadãos, porém devolve a eles muito pouco em qualidade de vida. Também não há nada a comemorar quando a questão é o combate à corrupção porque da 69ª posição mundial em 2002 caímos em 2024 para a 104ª colocação, de acordo com levantamento da Transparência Internacional. A educação é outro exemplo do fracasso administrativo das últimas décadas. Entre 56 países – os 38 membros da OCDE e mais 18 nações convidadas pela instituição –, o Brasil ficou na desonrosa 44ª posição em 2024. E, como se não bastasse, o cidadão brasileiro vive com medo: o País é recordista mundial em número absoluto de homicídios intencionais, índice que retrata bem a situação da segurança urbana. Durante décadas, o discurso do governo foi de que não se via a necessidade de corte de gastos, de que a pressão por essa medida era resultado da insensibilidade dos super ricos que não querem pagar impostos sobre seus ganhos, e outros argumentos do gênero. No início de dezembro, com atraso injustificável, o governo apresentou medidas para o corte de R$ 327 bilhões, nos próximos seis anos, sendo de R$ 70 bilhões no biênio 2025/2026. O mercado reagiu mal porque foi uma decisão tardia, mal explicada e insuficiente. Afinal, se tais medidas tivessem sido anunciadas há nove meses, em março, a taxa de juros Selic não estaria nos níveis de hoje. Com anúncio mais cedo, tampouco o País teria inflação superior a 4,7% ao ano, acima do teto da meta. Isso porque, em março de 2024, o Brasil tinha taxa Selic de 10,50% a.a. e a dívida pública do governo geral (União, Estados e Municípios) não ultrapassava R$ 8,3 trilhões. A demora provocou desconfiança e a escalada dos juros. Será um preço alto a ser pago pelo povo brasileiro por culpa da teimosia e da arrogância dos governantes. Para quem acredita que não haveria outra saída, basta lembrar que o governo poderia fazer cortes no excesso de gasto com o funcionalismo público, hoje consumindo R$ 351 bilhões por ano, ou 3% do PIB. Poderia ainda reduzir os gastos tributários, atualmente de R$ 646 bilhões/ano, que correspondem a 5,5% do PIB. Ou atacar a corrupção, responsável por desvio de 2,5% do PIB que, se reduzido a 1,5%, representaria cerca de R$ 175 bilhões. Somente com essas três frentes a economia seria de R$ 1,17 trilhão por ano. Cabe ao governo entender que melhor forma de governar e administrar é prEver e não prOver. Uma simples troca de vogal mudaria a ação do Estado brasileiro porque significaria a diferença entre planejar e buscar alternativa a uma UTI ou recorrer ao Corpo de Bombeiros. Medidas emergenciais nunca serão capazes de superar os resultados de bom planejamento. Gastança gera déficit, que por sua vez produz dívidas. E essas dívidas implicam em pagamentos adicionais de juros. Esse círculo vicioso vai sangrando o Tesouro, o que significa a redução dos recursos necessários no investimento em serviços essenciais. Os reflexos são inevitáveis: queda na qualidade de vida e empobrecimento da população, que parece condenada a pagar pelos equívocos dos governantes. O Brasil precisa de todos os cidadãos, independentemente de suas condições financeiras e de seu nível de escolaridade. E é necessário fazermos uma reflexão sobre a responsabilidade de todos os 212,6 milhões de brasileiros, que elegeram democraticamente todos os governantes pelo voto popular porque respondemos por nossas escolhas e decisões. Fica o ensinamento de que nas próximas eleições temos que votar com mais consciência e não apenas na base da simpatia ou das promessas do candidato. Afinal, como afirmava corretamente o pensador, orador e líder político norte-americano do século 19 Robert G. Ingersoll, “não há no mundo nem recompensa, nem castigo, o que há são consequências”. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkCriação de mercado de carbono é melhor arma contra o aquecimento global
Fascículo da série Diálogos no Espaço Democrático traz entrevista com o ex-CEO do Itaú-Unibanco, Candido Bracher
Redação Scriptum
A criação de um mercado de carbono é o melhor instrumento para combater aquele que será o maior problema da Humanidade nas próximas décadas: o aquecimento global. “Precisamos enfrentar o desafio de reduzir as emissões de carbono a zero para que a temperatura média não aumente, tornando a vida ao menos tolerável, especialmente em regiões tropicais como a nossa”, diz Candido Bracher, ex-CEO do Itaú-Unibanco que deixou o sistema financeiro em 2021 e hoje é um estudioso da causa da emergência climática. “A solução é fácil, colocar um preço para as emissões de carbono”, define.
Bracher é o personagem do caderno Mercado de carbono – O que é e como ajuda a combater o aquecimento do planeta, já disponível para download ou leitura on-line do site do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD. A publicação traz a íntegra da entrevista dada por ele ao programa Diálogos no Espaço Democrático, que pode ser assistida no canal de YouTube da fundação.
Entrevistado pelo ambientalista Eduardo Jorge e pelos jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino – âncora do programa de entrevistas –, Bracher define o aquecimento global como um dos poucos temas sobre os quais há consenso. “Todos concordam com a existência, as causas e a solução”, aponta. “Apesar disto, o progresso na direção da solução é lento, quase inexistente, tanto que as emissões continuam aumentando”.
Bracher defende que uma ferramenta já utilizada pelos países da União Europeia possa ser utilizada para o primeiro passo da criação de um mercado comum de carbono: o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism, ou Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono, em tradução livre), taxação aduaneira de carbono para produtos importados pela UE. “Uma empresa que produz aço na Bélgica, por exemplo, paga um imposto pelas emissões de carbono, mas uma siderúrgica chinesa exporta para a Europa sem pagar isso, uma concorrência desleal”, diz. “A Europa inventou um imposto que é cobrado na fronteira, de todos os produtos importados para o continente, que é pelo carbono contido na produção, como se esses produtos tivessem sido produzidos na Europa, sujeitos a regras europeias”. Ele defende que este modelo seja usado por Brasil, União Europeia, Austrália e Japão para constituir este mercado de carbono.
Card link Another linkSobrou para a Selic
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