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Hiroshima, 80
José Paulo Cavalcanti Filho relembra detalhes da explosão da bomba atômica jogada sobre o Japão, no final da Segunda Guerra
José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Edição Scriptum
Robert Oppenheimer gostava de ver, durante horas, barcos passando sem pressa no rio Potomac (Virgínia Ocidental). Talvez porque lhe lembrassem todos nós, habitantes da terra, que como aquelas embarcações navegamos nas águas do tempo. Não só ele, como chefe; todos, no grupo do Projeto Manhattan, eram pessoas sensíveis.
Juntos, gostavam de ouvir música romântica, como a ópera em cinco atos Fausto, de Gounuod, a história de um homem triste que fez pacto com o Diabo. E de ver ballet como O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas, a partir de um poema de Goethe em que se retrata os perigos de usar tecnologias poderosas, que assistiram nas vésperas de explodir Hiroshima.
Uma das bombas por eles feitas, de Urânio 235, acabou batizada como Little Boy (rapazinho). A outra, de plutônio processado, era Fat Man (homem gordo). Igual à que foi antes detonada, com êxito, em Los Alamos, deserto de Alamogordo (Novo México). E o próprio nome do projeto, Manhattan, foi escolhido em homenagem à enorme população de Nova York. Tudo para lembrar que o objetivo daquelas pessoas delicadas, amantes de poesia, música e ballet, era desintegrar seres humanos. Como os milhões que habitavam a ilha.
Não por acaso o barulho da explosão, se viu no teste realizado, tinha o som quase perfeito de uma gargalhada humana. Em meio a elétrons e nêutrons se despedaçando, um estranho riso que vinha do coração da terra e subia na direção do céu, como se procurasse Deus, misturado a fogo, chumbo, fumaça, morte, desalento e lágrimas.
Era uma preparação. Uma premonição. Um aviso. Pouco antes do caos, em 10 de março, 343 bombardeiros atacaram Tóquio usando bombas de Napalm. No chão, ficaram 83 mil corpos. Logo depois, em 15 de março, o imperador Hiroito decidiu se render. Militares, à frente o major Hatanaka, se recusaram a aceitar essa vergonha, assim consideravam. E tentaram dar um Golpe de Estado que lhes permitissem resistir. Sem sucesso. A confusão era generalizada. Mas ninguém ali tinha qualquer dúvida sobre o futuro sombrio que aguardava seu povo.
Fins de julho de 1945. A guerra estava decidida. Alemães, já rendidos. Japoneses tentavam, desesperadamente, apenas pedindo que seu imperador Hiroito fosse poupado. Não sabiam então é que outra guerra, por dentro daquela, já tinha começado. Uma guerra fria.
Stalin se preparava para invadir o Japão, o que para ele seria glória. Sinal de seu poder. Só que também afronta, sabiam todos, ao império americano. Sem contar que chegara o tempo da vingança contra aqueles que destruíram Peal Harbor e mataram 12 mil em Okinawa.
Só na semana que precedeu Hiroshima, como aperitivo, foram 100 mil corpos no chão de Tóquio. Com uso apenas de bombas tradicionais. Sabor doce de vísceras e sangue a serviço da democracia, já prenunciando que o pior estava por vir.
Ao Japão voou, primeiro, a de Urânio. Com incertezas sobre se iria funcionar. Mas, desse errado, e sobrava outra, de plutônio, com tecnologia já testada.
Um avião B-29 da US Air Force foi adaptado para acomodar aquele gigante de aço atômico, com 15 toneladas. Em homenagem ao piloto que lançaria essa bomba, Paul Tibbets Jr., foi batizado como Enola Gay (Tibbets), nome de sua mãe. A pobre mulher não deve ter gostado, mais tarde, ao ver seu nome associado a tanta carnificina.
Nos Estados Unidos, e mesmo fora dele, muitas vozes pediam clemência. Queriam o fim da matança. Em vão.
Segunda, 6 de agosto. Ao sol nascente das 9h15, Enola Gay detonou sua bomba em Hiroshima. A explosão se deu 570 metros acima do solo, produzindo um cogumelo de fumaça com 18 quilômetros de altura. E a temperatura, na terra, chegou a 3000 graus.
Little Boy fez, num primeiro momento, 120 mil vítimas. No término do ano, por conta da radiação, seriam 140 mil corpos. Quase todas crianças, mulheres e velhos, que pais e maridos estavam nas frentes de batalha. A cidade foi escolhida por acaso, num sorteio entre quatro. Sem que houvesse, ali, um único objetivo militar.
Fim de tarde, relatório da Cruz Vermelha informava que naquele resto de tijolos, telhas e carnes já não havia nada mais a queimar.
Depois, o episódio inspirou filme da Nouvelle Vague (de 1959), Hiroshima, mon Amour, de Alain Renais. A história do romance implausível entre uma francesa (Emanuelle Riva) e um japonês (Eiji Okada), para Claude Chabrol “o mais belo filme que já vi”. Só que a arte, pura e comovente, nem sempre imita nossa vida.
Aproveito e lembro um 16 de março em que dona Maria Lia fazia 40 anos. Mandei, para ela, esse bilhete: “Minha mãe, não é por nada não mas a IDA começa aos 40”. Sem resposta. Mas, quando fez 80, seu motorista chegou bem cedinho com esse recado: “Meu filho, esperei 40 anos para lhe responder. A IDA pode ser que comece aos 40. Mas a VIDA começa, mesmo, é aos 80”. Como agora, nos 80 anos de Hiroshima, em que deveríamos celebrar não a devastação do passado, mas a vida futura de que falava com tanto gosto e alegria dona Maria Lia.
Voltemos às bombas atômicas, posto que sua história não parou aí. Além das duas inicialmente fabricadas (a primeira testada com êxito, e a segunda Little Boy) houve, depois, uma terceira e derradeira, de plutônio, igual àquela do teste. Era Fat Man.
Faltava decidir o que fazer com ela. Difícil entender, fosse lançada, posto não haver mais guerra. Qual a razão de continuar aquele horror? Só que tanto dinheiro não podia ser desperdiçado, cerca de 50 bilhões de dólares a valor de hoje. Era preciso dá-lhe um fim. A burocracia governamental pedia mais mortes.
Quinta, 9 de agosto. Às 11h02 da manhã, Fat Man destroçou mais 90 mil vidas em Nagasaki. Novamente, uma cidade sem qualquer alvo militar. Novamente, só crianças, mulheres e velhos. Novamente sem tristezas, lágrimas, culpas ou remorsos.
Oppenheimer, depois, se recusou a fazer uma bomba mais potente ainda. O macartismo considerou imperdoável ingratidão para com o país que o acolhera tão generosamente. Seu irmão e a mulher dele acabaram processados. Acusados de ser comunistas, foram proibidos de trabalhar para o governo ou de ensinar. A guerra fria começava a fazer vítimas, com menos sangue, embora também nos Estados Unidos.
Agora, comemoramos 80 anos desse holocausto. Preocupados que os velhos B-52 já foram substituídos por modernos B61-11. Maiores, capazes de transportar várias bombas. E muitos outros países já têm, agora, suas próprias.
Por falar nisso, o Tratado de Proibição de Testes Nucleares, firmado por todos os 193 países da ONU, já perdeu a Coreia, em 2003 (que tem a bomba); e agora, também, Índia e Paquistão (que também têm as suas), mais Israel e Sudão. Só para lembrar, o Irã ainda faz parte dele, embora não se submeta a inspeções. Sendo certo que um tratado como esse não garante nada.
A humanidade vê, com horror, esse futuro de incertezas planetárias. Enquanto cada um de nós ainda espera, com o coração, por ventos de esperanças. E sonha, secretamente, com barcos navegando nas águas da paz.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkA violência contra crianças e adolescentes
Sociólogo Tulio Kahn discute os mais recentes números do Anuário de Segurança Pública, sobre crimes sexuais contra vulneráveis.
Trump quer interferir na política interna brasileira, e isso é inadmissível
Para o cientista político Rogério Schmitt, não surpreende que os três poderes da República tenham se unido na defesa da soberania brasileira
Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Análises minimamente honestas sobre o conflito comercial entre os Estados Unidos e o Brasil, deflagrado pelo presidente Donald Trump, não podem fazer a abstração do seu evidente componente político-ideológico. Os dois países têm todo o direito de fixar soberanamente as tarifas de importação que julgarem ser mais adequadas em cada momento. E cabe à cúpula dos dois governos e aos respectivos corpos diplomáticos a tarefa de negociar acordos e de buscar concessões mútuas. Nada disso está sendo contestado por quem quer que seja. A rejeição generalizada ao tarifaço imposto pelo governo Trump tem a ver com outra coisa: a sua tentativa de interferir em questões internas da política brasileira. O governo Trump nitidamente tomou partido em algo que não lhe diz respeito, que é o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal. Todos os recentes atos comerciais hostis ao Brasil adotados pelo governo Trump foram justificados com base em argumentos tomados diretamente de empréstimo do campo bolsonarista mais radical. A lenga-lenga já é bem conhecida de todos. Bolsonaro estaria sendo perseguido injustamente. O ministro Alexandre de Morais seria um candidato a ditador. A democracia brasileira estaria em risco. Fora do campo político bolsonarista, ninguém no Brasil compra essas teses absurdas. As nítidas afinidades político-ideológicas entre Donald Trump e a família Bolsonaro também não surgiram da noite para o dia. Há cada vez mais evidências de uma concertação internacional para dinamitar as bases tradicionais dos regimes democráticos. Nas palavras do cientista político Carlos Pereira, o esquema "opera por meio da intimidação, do uso seletivo de sanções e da manipulação de instrumentos legais como ferramentas de guerra ideológica" (Estadão, 04/08/25). Não surpreende, portanto, que os três poderes da República tenham se unido na defesa da soberania brasileira, e no direito à autodeterminação do País. Estão certíssimos! Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkVilanizar a pejotização é ignorar o peso da carga tributária
O poder público cria e dita regras sem conhecer a fundo a realidade do funcionamento dos processos na prática, aponta Roberto Mateus Ordine
Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo
Edição Scriptum
Parece uma anedota: quase diariamente nos deparamos com mais notícias negativas em relação à economia e ao trabalho no Brasil, mas é a realidade estampada por todos os lados. Para os empresários, a cada medida, surge uma surpresa desagradável e muita insegurança; para os trabalhadores, a incerteza.
Insisto em dizer que as pautas debatidas no Congresso se interligam e, juntas, têm impactado negativamente a economia e o desenvolvimento do País. Como é o caso da pejotização, que agora foi suspensa, temporariamente, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, que alega que o tema está gerando um aumento de processos no STF.
Vejo a pejotização como uma oportunidade para o trabalhador brasileiro. Tem sido cada vez mais comum profissionais serem contratados por empresas, via regime PJ. E isso tem acontecido porque a carga tributária sob a folha de pagamento é absurdamente elevada.
Segundo estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os encargos trabalhistas, com apenas um funcionário, correspondem a até 183% do salário bruto do profissional. Agora, imagine uma empresa que tenha em sua folha de pagamentos, por exemplo, 30 funcionários CLT.
Os encargos sociais e obrigações trabalhistas são compostos por férias (fração de 11,11%), 13º salário (fração de 8,33%), FGTS (8%), INSS (20%), sem contar os contratos de trabalho que contêm adicional de insalubridade, noturno e de periculosidade, além dos custos relacionados a outros benefícios oferecidos pelas empresas.
Como advogado tributarista, questiono: como uma empresa de pequeno porte consegue competir, sustentar-se e sobreviver diante de encargos trabalhistas excessivos? É inconcebível!
É muito simples entender a lógica da pejotização. As pessoas precisam trabalhar, as empresas não têm caixa suficiente para arcar com esses encargos trabalhistas, embora necessitem da mão de obra. E qual é a solução? Pejotizar.
Muitos trabalhadores preferem atuar nessa modalidade de contratação, pois recebem seus proventos sem descontos e, com isso, podem até negociar valores de remuneração maiores com o contratante, uma vez que essas empresas não terão que arcar com o alto custo da folha de pagamentos. Sendo assim, a margem de ganho para o profissional é maior e as despesas da empresa menores.
Aqui, quero destacar outro ponto crucial da pejotização: o Simples Nacional. Com a Reforma Tributária e a possível exclusão do Simples Nacional, muitos desses profissionais serão prejudicados e terão que arcar com encargos maiores. O que pode acarretar o aumento do desemprego e a informalidade no Brasil. Afinal, sem o Simples Nacional, esses trabalhadores não conseguirão sustentar uma tributação equivalente a uma empresa com um faturamento maior.
Com isso, a grande conquista do Simples Nacional, uma oportunidade que o regime tributário do Microempreendedor Individual (MEI) trouxe para sociedade, pode extinguir-se. Reformas estruturais são urgentemente necessárias. O poder público simplesmente cria e dita regras sem sequer conhecer a fundo a realidade do funcionamento dos processos na prática.
A pejotização para os pequenos não existe por ser hipossuficiente, já para aqueles que têm uma renda maior, por ser hipersuficiente, diminui a informalidade, garantindo que as pessoas sigam trabalhando formalmente e gerando receita para si e para o crescimento econômico do Brasil.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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