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2024, um ano de frustração anunciada

Quem esperava algo muito diferente porque vive no Brasil real vê poucas perspectivas no horizonte, escreve Samuel Hanan

Samuel Hananex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum O povo brasileiro é otimista por natureza. Acredita que o amanhã será melhor do que hoje, mas quase nunca essa expectativa se concretiza, ora por decisões erradas dos governos, ora pela falta de competência dos governantes e não raramente pelo fato de o discurso se dar absolutamente dissociado da realidade. Agora, o País discute a regulamentação da reforma tributária enviada ao Congresso Nacional sem se dar conta de que em 2024 o Brasil vive um ano de frustração já anunciada pela análise dos indicadores oficiais. Os números não são nada encorajadores. A começar pela carga tributária bruta, fatalmente maior que a efetiva de 2023, quando alcançou 32,44% do Produto Interno Bruto (PIB). O setor público tem anunciado que almeja arrecadar, em 2024, R$ 4 trilhões (o correspondente a 34,44% do PIB 2024), dinheiro resultante dos impostos que pesam – e muito – no bolso dos cidadãos, sem nenhuma contrapartida de melhoria de serviços públicos. Se o governo vai arrecadar muito, também vai gastar em demasia e, pior, muito mal. Ignora a necessidade de priorizar investimentos. Os gastos primários da União serão pressionados pelos reajustes dos servidores públicos, dos cargos comissionados e pelo custo das eleições municipais de outubro. Esses gastos, somados, superaram 19,3% do PIB em 2023 (mais do que em 2022, quando foi de 18,0% do PIB) e provavelmente chegarão a 19,9% ou 20% do PIB deste ano. Outro fator negativo: o endividamento público deverá saltar de 74,34% para 77,9% do PIB em 2024. No ano passado, a dívida pública total do País fechou em R$ 8,1 trilhões (segundo dados do Banco Central). Para 2024, a previsão é de que a dívida do governo geral ultrapasse R$ 9 trilhões. Boa parte da receita nacional mais uma vez estará comprometida com o funcionalismo público (12,8% do PIB) e com o pagamento dos juros bancários incidentes sobre a dívida pública, correspondentes a mais de 8% do PIB. Ou seja, somados, consumirão mais de 20,8% do PIB, o correspondente a mais de 60% do total da receita tributária do País. É preciso salientar que o Déficit Público Nominal em 2023 chegou à incrível marca de R$ 967 bilhões no ano, mais de 2 vezes o déficit de 2022, que foi de R$ 480 bilhões, também de acordo com o Banco Central. Ainda no campo econômico, nada otimista é a previsão de crescimento da nação. Tudo indica que o PIB terá crescimento 30% inferior à taxa de 2,9% registrada em 2023, ficando provavelmente em torno de 2% ou pouco acima desse patamar e semelhante à média anual dos último 35 anos (1989 a 2023) pós-Constituição Federal de 1988 e 65% inferior à taxa de 6,05% verificada nos 25 anos anteriores à CF/88. Nesse aspecto, é um país ladeira abaixo. Os setores do agronegócio, mineração e petróleo/gás respondem por quase metade (de 45% a 47%) do PIB nacional, por 70% das exportações – somando R$ 242 bilhões –, e por mais de 205% do superávit da balança comercial brasileira. A expressividade desses três setores econômicos tem contribuído fortemente para a estabilidade do valor de compra da moeda nacional e por permitir às autoridades zelarem por um sistema financeiro eficiente e competitivo, além de fomentar o desenvolvimento socioconômico de regiões mais afastadas do sudeste brasileiro. Apesar disso, quando se analisa a geração de divisas constata-se que o país ainda apresenta déficit de transações correntes da ordem de US$ 23 bilhões/ano. O Brasil, portanto, continua sendo um país de produção e exportação de bens primários de baixo valor agregado. Por outro lado, soma US$ 263,9 bilhões por ano em importações, principalmente de produtos acabados de alto valor intrínseco, alguns deles produzidos com nossas matérias-primas. Com isso, fomenta o emprego lá fora, em detrimento dos postos de trabalho nacionais. Essa situação nasce da falta de investimentos e da má performance do sistema educacional brasileiro e, em consequência, da baixa competitividade, aliadas à alta e complexa tributação e à baixíssima poupança interna. Há gravíssimas distorções que precisam ser corrigidas. O Brasil investe anualmente 5,5% do PIB em educação, 3,7% do PIB em saúde e em saneamento apenas e tão somente 0,5% do PIB, totalizando nessas três áreas prioritárias 9,7% do PIB. Praticamente não sobra quase nada para infraestrutura, segurança pública, habitação/urbanismo e mobilidade urbana. Por outro lado, dispende cerca de R$ 1,45 trilhão com funcionalismo público, o que corresponde a 12,8% do PIB. A máquina administrativa, como se vê, consome mais de R$ 330 bilhões anuais a mais que os recursos de investimentos em todos esses setores indispensáveis à qualidade de vida dos cidadãos. Vale refletir que esse montante monstruoso de gastos com funcionalismo público não tem a melhor destinação porque não é empregado para a melhorar a remuneração de professores e de profissionais da saúde e da segurança pública. Vale a pena lembrar um pensamento do filósofo e economista francês Fréderic Bastiat (1801-1850): “Todos querem viver às custas do Estado, mas esquecem que o Estado vive às custas de todos”. Além disso, não existe qualquer sinalização de redução dos privilégios conferidos a uma casta do funcionalismo público. Pelo contrário, a tendência é de que o País continue sendo generoso na concessão desses benefícios, sempre pagos com dinheiro público. Bem ao contrário do que pregava o advogado e líder espiritual indiano Mahatma Gandhi (1869-1948): “Odeio privilégios e monopólios; eles destroem qualquer nação”. Da mesma forma, o país continuará escamoteando seus péssimos indicadores sociais por meio de narrativas pelas quais se busca convencer a população de que a culpa do problema é exclusiva de herança maldita deixada pelos governos anteriores. Muitas desculpas, raras soluções. Enquanto isso, o brasileiro sofre as consequências de o país ocupar apenas a 89ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), depois de ter caído duas posições em 2023. A queda é absurda pois em 2002, ao final do governo Fernando Henrique Cardoso, o país figurava na 77ª posição. No coeficiente Gini, que mede o nível de desigualdade socioeconômica dos países mensurando a distribuição de renda entre as populações, o Brasil ocupa uma das seis piores classificações do mundo, além estar estagnado há décadas na lanterna (30ª posição) no Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES). Não há razão para qualquer orgulho nacional em relação à educação com o Brasil ocupando a 66ª posição no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). E isso se repete em outros indicadores importantes: somos o 4º pior país do mundo em violência urbana, o 2º em acidentes fatais, estamos em 127º lugar no quesito liberdade econômica, em 87º em liberdade de expressão e em 92º em liberdade de imprensa. Tão vergonhoso quanto isso tudo é o país ficar apenas na 104ª colocação entre os países com maior efetividade no combate à corrupção, segundo a Transparência Internacional. É muito difícil acreditar em melhora dos indicadores sociais porque não se vê ações concretas nesse sentido. A estratificação social mostra que 60,2% da população brasileira têm renda mensal de até 1 salário-mínimo (R$ 1.412,00). Revela ainda que 31,8% da população vivem com renda entre 1 e 3 salários-mínimos e que 31% dos brasileiros continuarão sem nenhuma renda resultante de trabalho em 2024. Além disso, 36% dos jovens entre 17 e 24 anos nem trabalham nem estudam, integrando a chamada “geração nem-nem”, cujo futuro está seriamente comprometido. Em outro aspecto, apesar de a corrupção ser um dos maiores males do país, com efeitos já muito conhecidos, seu enfrentamento não é prioridade e sequer é discutido com a transparência que a questão merece. Basta ver que recentemente uma empresa norte-americana foi condenada a pagar multa de US$ 120 milhões e declarou perante à Justiça daquele país ter corrompido agentes públicos brasileiros para fechar contratos com a Petrobras, escândalo revelado pela Operação Lava-Jato. Mais um ano e o Congresso não se debruça sobre a necessidade de mudança legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública e para endurecer a Lei da Ficha Limpa, medidas que seriam fundamentais para o combate à corrupção e para resgatar a moralidade no trato da coisa pública. Por outro lado, é certo que em 2024 o Brasil registrará aumento nos gastos com publicidade e propaganda, destinados a alimentar ufanismos e narrativas. Nada compatível com o DNA do Brasil e dos brasileiros que, cada vez mais, assistem ao desperdício de recursos públicos. O Brasil arrecada, anualmente, cerca de 33,00% do PIB e gasta com funcionalismo público 12,8% do PIB, com aposentadorias e pensões 9,00% do PIB, com encargos da Dívida Pública outros 8% do PIB, somando 29,8% do PIB ou 90% da arrecadação total. Não sobra nada, não tem como dar certo. O País atravessa um ano eleitoral, no qual a retórica tentará mascarar a realidade, porque parece ser proibido falar de redução de gastos com funcionalismo público, de combate efetivo à corrupção, de redução dos favores fiscais (gastos tributários) e de privilégios, de imprescritibilidade de crime contra a administração pública, de restrição da judicialização da política e banalização de acesso direto ao STF e de tornar constitucional a prisão após condenação em 2ª instância, além da redução drástica do número de autoridades com foro por prerrogativa de função, todas palavras extintas do vocabulário da maioria dos nossos governantes. A realidade, entretanto, é bem diferente da retórica, como diz Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las”. Para a população sobra a frustração de quem esperava algo muito diferente porque vive no Brasil real, de necessidades básicas ainda não atendidas, de enormes desigualdades sociais e de pouca perspectiva no horizonte. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Pantanal poderá ter crise hídrica histórica em 2024, aponta estudo

Nos primeiros 4 meses do ano, quando deveria ocorrer o ápice das inundações, a média de área coberta por água foi menor do que a do período de seca do ano passado.

 

[caption id="attachment_38442" align="aligncenter" width="712"] Incêndio no Pantanal: período mais seco em quatro décadas ameaça o bioma[/caption] Texto Estação do Autor com Agência Brasil Edição Scriptum O devastador incêndio que destrói o Pantanal alerta para um cenário preocupante. O bioma está cada vez mais seco, o que o torna mais vulnerável, aumentando as ameaças à sua biodiversidade, aos seus recursos naturais e ao modo de vida da população pantaneira. O Pantanal enfrenta, desde 2019, o período mais seco das últimas quatro décadas e a tendência é que neste ano tenha a pior crise hídrica já observada no bioma, de acordo com um estudo inédito encomendado pelo WWF-Brasil e realizado pela empresa especializada ArcPlan, com financiamento do WWF-Japão. Os resultados apontam que, nos primeiros quatro meses do ano, quando deveria ocorrer o ápice das inundações, a média de área coberta por água foi menor do que a do período de seca do ano passado. Reportagem da Agência Brasil trata do estudo que revela que a sucessão de anos com poucas cheias e secas extremas poderá mudar permanentemente o ecossistema do Pantanal. As consequências serão drásticas para a riqueza e a abundância de espécies de fauna e flora, com grandes impactos também na economia local, que depende da navegabilidade dos rios e da diversidade de fauna. Segundo Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil e uma das autoras do estudo, o nível do Rio Paraguai nos cinco primeiros meses deste ano esteve, em média, 68% abaixo da média esperada para o período “O que nos preocupa é que, de agora em diante, o Pantanal tende a secar ainda mais até outubro. Nesse cenário, é preciso reforçar todos os alertas para a necessidade urgente de medidas de prevenção e adaptação à seca e para a possibilidade de grandes incêndios.” Além dos eventos climáticos que agravam a seca, a redução da disponibilidade de água no Pantanal tem relação com ações humanas que degradam o bioma, como a construção de barragens e estradas, o desmatamento e as queimadas, explica Helga. A nota técnica traz uma série de recomendações como mapear as ameaças que causam maiores impactos aos corpos hídricos do Pantanal, considerando principalmente a dinâmica na região de cabeceiras; fortalecer e ampliar políticas públicas para frear o desmatamento; restaurar áreas de Proteção Permanente (APPs) nas cabeceiras, a fim de melhorar a infiltração da água e diminuir a erosão do solo e o assoreamento dos rios, aumentando a qualidade e a quantidade de água tanto no planalto quanto na planície, e apoiar a valorização de comunidades, de proprietários e do setor produtivo que desenvolvem boas práticas e dão escala a ações produtivas sustentáveis.  

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Vida longa ao Real!

Imaginem se além dos problemas que enfrentamos, sobretudo no plano fiscal, tivéssemos instabilidade monetária, escreve Luiz Alberto Machado

Luiz Alberto Machadoeconomista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum No dia 1° de julho de 1994, numa foto histórica, Itamar Franco, presidente da República, e Rubens Ricupero, que havia sucedido Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, apresentavam ao Brasil as cédulas de reais após troca das notas de cruzeiros reais em agência da Caixa Econômica Federal do Palácio do Planalto, em Brasília. A introdução da nova moeda significava a etapa decisiva de consolidação do Plano Real, que havia sido anunciado em 27 de fevereiro de 1994, quando o ministro da Fazenda ainda era Fernando Henrique Cardoso, trazendo como grande novidade a Unidade Real de Valor (URV), dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário. Esta etapa se estendeu até a entrada em circulação da nova moeda, que ocorreu no dia 1º de julho de 1994. O período de vida da URV foi curto e profícuo. Foi, além disso, a grande sacada da equipe responsável pela concepção do Plano Real: combater a inércia inflacionária que se alimentava da indexação dos preços por meio da radicalização da correção monetária ou uma aceleração da indexação. Nas palavras de Gustavo Franco, "uma vacina feita com o próprio veneno da inflação". Tinha início a mais longeva trajetória de uma moeda no Brasil, descontadas as duas primeiras: o real português ($), vigente de 1568 a 1833, correspondendo à etapa do Brasil-colônia; e ao real brasileiro (R), versão nacional da moeda portuguesa, vigente até 1942, quando foi substituído pelo cruzeiro (Cr$) durante o governo de Getúlio Vargas. Circulando até 1967, o cruzeiro havia sido a moeda de mais longa duração, com 25 anos, como se vê na tabela que se segue.                           Histórico de alterações de moeda no Brasil

Moeda Símbolo Período
Real Português $ 1568 a 1833
Real Brasileiro Rs 1833 a 1942
Cruzeiro Cr$ 1942 a 1967
Cruzeiro Novo NCr$ 1967 a 1970
Cruzeiro Cr$ 1970 a 1986
Cruzado Cz$ 28/02/1986 a 15/01/1989
Cruzado Novo NCz$ 16/01/1989 a 15/03/1990
Cruzeiro Cr$ 16/03/1990 a 31/07/1993
Cruzeiro Real CR$ 01/08/1993 a 30/06/1994
Real R$ 01/07/1994 até hoje
Fonte: BCB Essa sucessão de padrões monetários observada até 1994 é apenas uma das nefastas consequências da elevada inflação que caracterizou a economia brasileira desde que o País encerrou, na década de 1980 − conhecida como "década perdida" − um ciclo auspicioso de crescimento. Nas décadas de 1980 e 1990, a taxa anualizada de inflação chegou várias vezes aos três dígitos e, em 1992 e 1993, aos quatro dígitos. Para aqueles que não viveram esse período, reproduzo um parágrafo de um artigo escrito em 1992 pelo economista Eduardo Giannetti, que ilustra à perfeição que era aquele descalabro: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil.” Considerando que o Plano Real foi concebido como um plano de estabilização, que tinha por objetivo pôr fim ao longo período inflacionário − com momentos de hiperinflação − prevalecente na economia brasileira, alinho-me àqueles que acreditam que ele foi muito bem sucedido. Se o País passou a ter taxas pífias de crescimento desde a década de 1980, isso se deve à incapacidade de adotar políticas econômicas adequadas e à coragem de fazer as mudanças necessárias para tanto. A estabilização monetária é apenas um pré-requisito e, seguramente, cria condições favoráveis para o crescimento. Seria muito pior se, além dos problemas que já enfrenta, sobretudo no plano fiscal, vivêssemos ainda com instabilidade monetária. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

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Não está certo

Jurista e escritor José Paulo Cavalvanti Filho aponta três razões pelas quais considera errado o cancelamento das penas de Marcelo Odebrecht

José Paulo Cavalcanti Filho Edição Scriptum A decisão do ministro Dias Toffoli, semana passada (em 22 de maio), cancelando as penas de Marcelo Odebrecht, não veio sozinha. Na mesma penada, também foram absolvidos José Dirceu, Renan Calheiros e Romero Jucá. Poucos dias antes já havia anulado todas as provas contra o mesmo Marcelo e suspendido o pagamento das multas milionárias de sua construtora, a Odebrecht. Empresários e políticos na mesma barca. Sobre essa decisão de agora considero que pode ser vista por, ao menos, três ângulos ‒ o jurídico (1), o ético (2) e o dos comportamentos (3). Em breves linhas, vamos a eles.

  1. Nossa legislação sobre escutas telefônicas, em parte, baseia-se na norte-americana dos Ware Tips. Com tratamentos iguais em alguns temas, como o de reconhecer como prova gravações autorizadas por juízes. E diferentes, como no caso das Consensual Ware Tips, não autorizadas, que nos Estados Unidos são equiparadas a provas circunstanciais. Em outras palavras, sozinhas, não; mas quando junto de outras provas, e diferentes do Brasil, lá são aceitas.
As fitas da Intercept, base de todas as decisões contrárias à Lava-jato, não tiveram autorização judicial. E um dado curioso sobre elas é que não temos nem certeza de que sequer existem. Provavelmente sim, mas talvez não. Com dúvidas sobre se as transcrições apresentadas correspondem às gravações. Só para lembrar, hoje o Ministério Público processa a mesma Intercept, criminalmente, por ter editado imagens e fraudado transcrições no caso Mary (Mariana) Ferrer ‒ está na internet, quem quiser pode conferir. Se falseou, nesse caso da Ferrer, quem garante não ter também falseado no da Lava-jato?, eis a questão. Perdão, senhores, mas é inaceitável que o Supremo não tenha efetuado perícia nas fitas, nada foi anunciado nesse sentido. Como é estranho que a grande mídia não tenha insistido nisso. Mais parecendo uma parceria. Como consideram tão relevante, qual a razão de não provar a veracidade das transcrições? Até para dar dignidade às (supostas) provas. É como se todos desejassem apenas um pretexto, um argumento qualquer para usar na proteção dos que lhe são caros. De resto a decisão do ministro contraria jurisprudência do Supremo. Já assentado, no Brasil, que gravações não autorizadas, como as apresentadas pela Intercept, valem só como defesa. Imprestáveis, pois, para acusar. Ou provar nada, fora dessas defesas individuais. Razão pela qual, em minha modesta opinião, essas transcrições não valem como prova para embasar as decisões do ministro Toffoli. No plano jurídico, portanto, a decisão do ministro NÃO ESTÁ CERTA.
  1. Segundo Marcelo Odebrecht, nas colaborações premiadas que fez, o “amigo do amigo de meu pai”, que consta nas escriturações de propinas da Odebrecht, seria o próprio ministro Toffoli ‒ ver Malu Gaspar em O Globo (23/5). Por sua gravidade, essa questão deveria ter sido examinada melhor pelo Ministério Público. Para, no caso de ser improcedente, ficar livre o ministro de acusação tão grave quanto à sua honra. Podendo ainda processar, quem o denunciou, por calúnia (art. 138 do Código Penal). E, acaso procedente, para que se promovesse o devido processo legal por corrupção passiva que, acaso provado, poderia levá-lo à prisão.
Todos nós, o ministro inclusive, temos conhecimento de como funcionou o Departamento Estruturado da Odebrecht, para pagamento de propinas. E lemos nota pela empresa publicada em todos os jornais do País, “DESCULPE, A ODEBRECHT ERROU”. Nela, se pode ler “A Odebrecht reconhece que participou de práticas impróprias em sua atividade empresarial”. Ou “Não importa se cedemos a pressões externas. Tampouco se há atos que precisam ser combatidos no relacionamento entre empresas privadas e o setor público”. Ou “O que mais importa é que reconhecemos nosso envolvimento e fomos coniventes com tais práticas”. Mais simplesmente, a construtora pediu publicamente desculpas por ter cometido essa corrupção, a mesma que o ministro considera inexistente. O ministro Toffoli, nas suas decisões, age como se não tivesse existido essa nota. Nem corrupção alguma. Tanto que libertou de multas a empresa, como inocentou empresários e funcionários que já se reconheceram publicamente como corruptos. Alguém sobre quem pesa dúvidas (ou suspeitas) de ter recebido dinheiro da empresa decidiu, sozinho, inocentar a tal empresa e empresários que poderiam (ou não) lhe ter pago propina. Em resumo, é isso. Seja como for, enquanto essa questão não estiver esclarecida, o ministro jamais deveria tomar a decisão que tomou. Mais razoável sendo, sem dúvida, se considerar impedido. Por tudo, então, é razoável dizer (respeito quem pensa diferente, é só meu pobre entendimento) que essa decisão, no plano ético, mais uma vez NÃO ESTÁ CERTA.
  1. Quanto ao combate à corrupção, antes de tudo, cumpre lamentar que, por mais duas gerações (pelo menos), ninguém terá coragem de enfrentar os poderosos do País ‒ essa conjunção perversa entre elites políticas e grandes empresários que tenham contratos com o governo. Por conta do que está acontecendo, agora. Todos os corruptos livres, e rindo de nós. Alguns, novamente candidatos a cargos públicos; ou fazendo selfies; um deles, condenado a 390 anos de cadeia, dando repetidas declarações na TV; os demais, na vida boa, sem mais preocupações financeiras. Certos de que nunca serão punidos. Prisão é só para pobres, ou gente de quem o Supremo não gosta ‒ assim, acredito, consideram. E quem combateu a corrupção continua penando. Juízes, afastados de seus cargos. Procuradores, cassados. Outros, proibidos de ter acesso às mídias sociais ‒ para evitar fake news, assim justificam Supremo e TSE uma censura que degrada nossa Democracia.
Cabe aqui ainda, por fim, lembrar os outros 10 ministros do Supremo. Lamento dizer isso, que sou amigo de vários. Alguns, há 40 anos. Ou trabalhei ao lado, como advogado. Ou acompanhei repetidamente em congressos, pelo Brasil. São pessoas corretas, assim considero. Mas por que estão calados?, eis a questão. Carlos Alberto Sardenberg, em O Globo (25/5), já disse de “Todos os ministros, uns mais outros menos, uns por conveniência, outros por apatia, envolvidos em um grande acordão para zerar a Lava-jato e todo o sistema de combate à corrupção”. Me associo a esse entendimento. Ainda sem acreditar como podem ficar calados. Nem mesmo pediram que a última decisão do ministro Toffoli fosse ao pleno do tribunal, o que permitiu valesse (até aqui) sua vontade solitária. Em decisão monocrática. Uma contradição, em se tratando de tribunal. A única Corte Constitucional do planeta em que algo assim é possível. Cabe então perguntar, como conseguem dormir? A consciência (de alguns, pelo menos) não pode estar em paz. É impossível. Não se sentem constrangidos? Não se acanham do que fazem? Nem do que os outros possam pensar deles? Do que seus filhos dirão, no futuro? Em resumo, amigo leitor, perdão, mas esse silêncio cúmplice, dos que são colegas do ministro Toffoli no Supremo, também NÃO ESTÁ CERTO. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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