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Taxonomy - Rousseau e o Democratismo

8. Descrédito da idéia de democracia

A desordem que instaurou na França na primeira metade do século XIX – e em diversos outros países europeus – era atribuída à democracia, na época autêntico sinônimo de anarquia e desordem.

Na atualidade é muito difícil  dar-se conta da grande desmoralização da ideia de democracia, à vista dos desacertos da Revolução Francesa. De um modo geral, na primeira metade do século XIX era avaliada negativamente porquanto nenhum dos ideais que proclamara haviam sido alcançados. A par disto, a desordem que instaurou na França – e em diversos outros países europeus – era atribuída à democracia, na época autêntico sinônimo de anarquia e desordem. O sistema representativo consolidado na Inglaterra durante o século XVIII significava uma expressiva ampliação da elite com ingerência no poder. Ainda assim, estava longe de corresponder a um sistema democrático, na medida em que a elite proprietária disponha do monopólio da representação, embora se tratasse de mecanismo governamental contraposto ao absolutismo monárquico. Deste modo, naquela fase histórica, o ideal democrático acabaria associado à Revolução Francesa. Do ponto de vista dos contemporâneos, enquanto o sistema elitista vigente na Inglaterra lograra retirar o país do atoleiro das guerras civis e garantir conjunto expressivo de liberdades públicas (liberdade de imprensa, habeas-corpus, etc.), a democracia – entenda-se a Revolução Francesa – trouxera muitos sofrimentos ao povo francês; se bem tivesse havido inquestionável disseminação da propriedade, no meio rural, seguida da abolição de tributos e encargos de índole medieval. Ainda que na França, depois da queda de Napoleão, assumido o poder um grupo político (os “ultras”) decidido a restaurar o Antigo Regime, as simpatias todas confluíam para o sistema constitucional, afeiçoado ao modelo inglês. Francamente contraposto ao sistema democrático (Revolução Francesa) essa vertente proporcionaria inclusive elaboração teórica de grande densidade, o chamado liberalismo doutrinário. Mas a questão democrática equivalia a sinônimo de anarquia e desordem. O curso histórico iria demonstrar que a idéia da adoção de uma constituição, como forma de assegurar a substituição da monarquia absoluta, para grandes contingentes populacionais, iria achar-se associada à idéia de sufrágio universal, sem dúvida alguma oriunda do democratismo.  Ganhando força sobretudo nos anos quarenta, essa proposição assumiu, na Inglaterra, a forma chamada de “movimento cartista”. Correspondia a uma espécie de sub-produto  do sindicalismo radical, que deu origem à primeira fase das Trade Unions, organizadas para impedir a introdução de máquinas (substitutivas da mão-de-obra) nas manufaturas, forma dominante da atividade industrial que então tinha lugar. Como reação ao que considerava limitações da Reforma de 1832, a Carta da Liberdades do Povo propugnava, como foi referido antes, em primeiro lugar, o mencionado sufrágio universal, seguido da adoção do voto secreto e de eleições anuais, supressão da exigência de renda como condição para dispor do direito de fazer-se representar e remuneração aos deputados --pontos estes que apontam desde logo para a a condição de não-proprietário de seus postulantes. Tratando-se das idealizações da pessoa humana, presentes à cultura francesa, seriam inevitavelmente ignoradas pala elite inglesa, que, na matéria, prosseguiu na cautelosa experimentação de paulatina ampliação do número de votantes.

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7. Situação contraditória sob Napoleão

Ao contrário do que seria de fato a sua essência, Napoleão apresentou-se como continuador da Revolução  e conseguiu emitir sinais contraditórios. Caberia a Benjamin Constant (1767/1830) criar um corpo de doutrina que trataria de dissociar a doutrina liberal do “liberalismo” da ditadura militar de Napoleão.

Ao contrário do que seria de fato a sua essência, Napoleão apresentou-se como continuador da Revolução  e conseguiu emitir sinais contraditórios. Internamente, o eixo de seu governo consistia em manter a ordem e reprimir todo tipo de manifestação que assumisse abertamente caráter oposicionista mas ao mesmo tempo introduziu várias reformas afeiçoadas ao que na época era denominado de constitucionalismo, depois chamado de regime liberal. Nos primeiros quatro anos manteve inclusive o governo republicano, proclamando-se Imperador somente em 1804. Dotou o país de uma nova organização administrativa. Manteve a divisão em Departamentos (equivalentes ao que seriam os nossos estados federados), criados pela Revolução, mas restaurou prefeitos para as maiores cidades e alcaides para as menores. Ao conjunto tornou “delegados do Governo Central”, isto é, de livre nomeação de Paris. Suprimiu o sistema de juízes eleitos, mas manteve a independência do Judiciário, tornando vitalícios os cargos da magistratura. Elaborou Código Civil, consagrando os princípios essenciais vigentes no sistema inglês como a igualdade perante a lei, a liberdade pessoal, a inviolabilidade da propriedade, sem contudo deixar de viola-los tratando-se de reprimir opositores e  sem distinguir, dos que sonhavam restaurar o Antigo Regime, aqueles que contestavam a possibilidade de coexistência de princípios liberais com governo autoritário, centralizador e todo poderoso. O certo entretanto é que granjearia a auréola de salvador nacional, dada a magnitude de que se revestira a aspiração de livrar-se do assembleismo. A postura de Napoleão, durante um largo ciclo histórico, conseguiu que se associasse à anarquia a idéia de democracia. Caberia a Benjamin Constant (1767/1830) criar um corpo de doutrina tornando explícito que não se tratava mais de defender o sistema constitucional (liberal)  contrapondo-o à monarquia absoluta. Esta, na França, já pertencia ao passado. Agora se trataria de dissociar a doutrina liberal do “liberalismo” da ditadura militar de Napoleão. Constant formularia, em caráter pioneiro, a doutrina da representação como sendo de interesses. Reconhecendo-lhes o caráter inelutavelmente conflituosos, a missão do sistema político residiria em organizar a livre negociação entre tais interesses. Levando em conta a necessidade de favorecer a conciliação entre o impulso de progresso e o peso das tradições nacionais, o sistema adequado seria a monarquia constitucional, concebida e estruturada com vistas à observância dos citados princípios. Cumpria assegurar ao Monarca determinadas atribuições a fim de proporcionar  equilíbrio entre as forças em disputa. Chamou-o de Poder Neutro (Moderador no modelo brasileiro), completando-se com duas outras instituições concebidas com idêntico propósito, a saber: Câmara representativa da opinião popular,  periódica, outra de duração longa, incumbida não de frear o progresso, como se imaginaria na atualidade, mas em evitar precipitações nos avanços do mesmo modo que retrocessos na marcha segura para maior liberdade e igualdade. Caberia ao grupo denominado de “liberais doutrinários” desenvolver essas idéias e plasmá-las, quando a situação lhes favorecesse o que viria a acontecer como indicaremos.

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6. A Revolução Francesa e seus principais ciclos

A situação revolucionária na França durou dez anos e neste período composto por ciclos, não se formou uma liderança capaz de estruturar uma forma duradoura de governo constitucional, que era de fato do que se tratava.

  A situação revolucionária na França durou dez anos (maio de 1789 a novembro de 1799). Neste decênio não se formou uma liderança capaz de estruturar uma forma duradoura de governo constitucional, que era de fato do que se tratava. O conde de Mirabeau (Honoré Riqueti; 1749/1791) encontrou-lhe uma denominação, o que não ocorrera na própria pátria de sua origem, a Inglaterra, ao denominá-la monarquia constitucional. Apesar das sucessivas revoltas, chegou-se a aprovar uma Constituição que não chegaria a vingar. Venceu a corrente que desejava eliminar fisicamente a nobreza, como primeiro passo para criar-se uma nova sociedade. Instaura-se a República, que culmina com a execução do Rei. Segue-se um ano que passou à história com o nome de Terror. Derruba-se esse grupo do poder, aprova-se uma Constituição republicana mas o ambiente é de franca anarquia. Criam-se as condições para a emergência de um governo forte (militar), capaz de restaurar a ordem. Agrupando-se esquematicamente estes ciclos teríamos a seguinte cronologia: maio, 1789-setembro, 1791: convocadas pelo Rei, as Cortes (também denominadas Estados Gerais) acabam se transformando em Assembléia Nacional Constituinte. Revolução popular a 14 de julho (denominada Queda da Bastilha). Em agosto, revolta no campo acaba com o regime feudal. A Assembléia aprova várias reformas e concluiu a elaboração da Carta Constitucional em setembro de 1791. Inicia-se a Monarquia Constitucional. agosto, 1792: queda da Monarquia e proclamação da República. setembro, 1792-junho, 1793: chamado Governo dos Girondinos, sob o qual tem lugar a execução do Rei. junho, 1793-julho, 1794: denominado período do Terror pelo fato de que a guilhotina foi acionada com intensidade crescente. Nos dois últimos meses desse ciclo, apenas em Paris foram guilhotinadas 1 300 pessoas. 1795: é aprovada uma Constituição Republicana. outubro, 1795-novembro, 1799: chamado período do Diretório, de enorme agitação política. 9 de novembro de 1799: golpe de Estado de Napoleão Bonaparte. Com esse desfecho, a França tornar-se-ia uma ameaça para os principias estados europeus, graças a que Napoleão ressuscitaria a ideia imperial, ao ameaçar anexar diretamente estados vizinhos. A par da repressão interna que lançaria os germes da instabilidade institucional.

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5. A crítica de Rousseau ao governo representativo

À luz de uma visão simplista, não falta ao arrazoado de Rousseau a justificativa da ditadura, a pretexto de “salvação nacional”.

Completa a pregação revolucionária de Rousseau, a crítica acerba que dirigiu ao governo representativo – isto é, à experiência inglesa, para a qual fora despertada parte da elite graças à difusão que dela fez Montesquieu. Essa crítica baseia-se numa visão simplista da forma como assimilaria a experiência política do Império Romano, graças a que, no curso da Revolução Francesa, denominações daquele tempo chegaram a ser empregadas. Ignora solenemente que os decênios transcorridos do século XVIII, em que viveu, comprovaram devidamente que o governo representativo finalmente estruturado na Inglaterra de fins do século anterior conseguira institucionalizar a negociação entre os diversos interesses presentes à sociedade, pondo fim às tentativas de resolvê-los pelas armas, Rousseau escreve o seguinte a seu respeito: “Os deputados do povo não são nem podem ser os seus representantes; são simples comissários, e nada podem concluir definitivamente. Toda lei que o povo não tenha ratificado diretamente é nula, não é uma lei. O povo inglês pensa ser livre, mas está redondamente enganado, pois só o é durante a eleição dos membros do Parlamento; assim que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Nos breves momentos de sua liberdade, pelo uso que faz bem merece perdê-la.” (O contrato social; Livro II; Cap. X) Ao invés de escolher representantes, o povo deve expressar-se livremente em assembleias. “O povo reunido – dir-se-á –, que quimera. É uma quimera hoje, mas não o era há dois mil anos. Será que os homens mudaram de natureza?” Assim, propugna pelo que, à vista sobretudo da própria experiência da Revolução Francesa, viria a ser denominado de assembleismo, a tentativa de orientar as ações do governo mediante a permanente consulta à massa reunida com tal objetivo. A prática demonstraria a facilidade de manipulação da tão louvada vontade geral. E, quando isto não foi possível, recorreu-se ao Terror, no curso da Revolução Francesa, e ao chamado “massacre do Rossio”, em Portugal, no curso do movimento revolucionário de 1837 e, sob os comunistas, no século passado, à eficácia da polícia política para obter colossais demonstrações de apoio às palavras de ordem estabelecidas pelo ditador de plantão. Não falta ao arrazoado de Rousseau a justificativa da ditadura, a pretexto de “salvação nacional”. As indicações precedentes, hauridas nas principais obras de Rousseau, autoriza-nos afirmar que, sobretudo em O contrato social, acham-se presentes todos os ingredientes que explicam o desenrolar da Revolução Francesa. Os argumentos para desencadeá-la consistiam na atribuição da soberania exclusivamente ao povo e na tese do caráter provisório da forma monárquica. Como de fato ocorreria nas Cortes Gerais, segundo havia estabelecido, à assembleia popular, em que deve expressar-se a vontade geral, incumbe preliminarmente decidir se “apraz ao povo deixar a administração aos que dela se acham atualmente incumbidos.” De igual modo, a conquista da Liberdade, Igualdade e Fraternidade inspirou-se na obra considerada. Também se tentou implantar uma religião sem interferência das igrejas, ministrada diretamente pelo Estado, a que Rousseau denominaria de religião civil O desmembramento e a caracterização dos principais ciclos da citada Revolução, de que nos ocuparemos em seguida, há de permitir uma avaliação da pertinência dessa convicção.

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