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A aposta dos argentinos

Economista Luiz Alberto Machado analisa as perspectivas do governo de Javier Milei na Argentina

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum     Por uma diferença de aproximadamente doze pontos percentuais, superior ao que indicavam as pesquisas de intenção de votos, o libertário Javier Milei, da coalizão Liberdade Avança, venceu as eleições na Argentina, revertendo a derrota que havia sofrido no primeiro turno para o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, que liderava a coalizão União pela Pátria e era apoiado pelo presidente Alberto Fernández. Com isso, o povo argentino optou por uma tentativa de experimentar algo novo ao invés de continuar com a desastrada política econômica populista e patrimonialista praticada pelo governo peronista, que levou o país à atual situação que combina acentuado desequilíbrio fiscal, inflação de 138% nos últimos doze meses, uma taxa básica de juros (Leliq) que foi de 118% em agosto para 133% em outubro, elevado desemprego, cerca de 40% da população sobrevivendo abaixo da linha da pobreza e mais de 10% em situação de indigência. Além do desgaste provocado por tal situação, contribuíram para a vitória de Milei os apoios da candidata Patricia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno, e do ex-presidente Mauricio Macri. Com seu estilo agressivo, Milei manteve durante toda a campanha eleitoral uma narrativa que, no plano político, sustenta o combate à corrupção e, no econômico, o combate violento à inflação e a retomada do crescimento econômico por meio de medidas como a redução do tamanho do Estado, a dolarização da economia e o fim do Banco Central. Considerando o estilo agressivo de Milei e o aparente radicalismo de suas propostas, surgiram imediatamente algumas análises e comparações que merecem desde logo uma serena reflexão. Vou tentar resumi-las em três grupos: A dolarização é uma proposta irresponsável e não deveria sequer ser considerada - Aos que sustentam tal posição, sugiro a leitura do livro Dolarización: una solución para la Argentina (Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Claridad, 2023). Escrito por Emilio Ocampo (principal candidato a ministro da Economia de Milei) e Nicolás Cachanosky, professores de respeitadas universidades na Argentina e nos Estados Unidos, o livro é extremamente sério e divide-se em cinco seções. Na primeira, Breve história da inflação na Argentina, detalha como se deu o processo inflacionário em cinco diferentes momentos: 1810-1899, a calamidade do papel moeda; 1900-1942, uma estabilidade inédita; 1943-1955, perdendo o rumo; 1956-1991, caminho para a hiperinflação; e 1991-2001, da conversibilidade ao populismo. Na segunda, Causas e efeitos da inflação, os autores explicam porque com a inflação não há possibilidade de progresso, a estreita relação na Argentina entre inflação e populismo e a anomia fiscal e monetária. Na terceira, Experiências internacionais relevantes, depois de uma breve introdução sobre a ilusão da moeda própria, são examinados os casos do Panamá, que convive há mais de um século com o dólar; da Espanha, cuja integração ao Euro foi uma política de Estado conduzida por José María Aznar; do Equador, que adotou a dolarização há pouco mias de 20 anos; de El Salvador, que depois de dolarizar a economia está experimentando a transição para o bitcoin; e, por fim, o complicado caso do Zimbábue. Na quarta, como o próprio título indica, são consideradas As vantagens e desvantagens da dolarização, em que os autores reconhecem algumas das principais desvantagens da dolarização, embora afirmem boa parte dos seus efeitos negativos já estejam presentes na economia argentina sem a dolarização. Na quinta, Um projeto de dolarização para a economia argentina, Ocampo e Cachanosky discorrem sobre reformas monetárias na era do dinheiro digital, afirmam que a economia argentina já está informalmente dolarizada, apontam como dolarizá-la oficialmente, sugerindo que a chave está na reforma bancária. A conclusão é peremptória, Reforma ou decadência. Milei é de ultradireita e se assemelha a Jair Bolsonaro: Em meu livro Viagem pela economia (Scriptum Editorial, 2019), apresento o quadro que se segue sobre as ramificações do pensamento econômico liberal contemporâneo (p. 55)¹. No referido quadro, procuro agrupar as escolas ou vertentes do pensamento econômico em determinadas correntes (contratualista, evolucionista, monetarista e nova economia clássica) que possuem um núcleo de idéias mais ou menos comum.     Javier Milei enquadra-se na corrente evolucionista, no limite entre a Escola Austríaca, que tem em Friedrich Hayek seu maior expoente, e a Escola Libertária, na qual se destaca Murray Rothbard. Como bem observou o fundador do Instituto Mises Brasil, Helio Beltrão, em entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo ²: "Qualquer pessoa que conhece um pouco de liberalismo, libertarianismo e anarcocapitalismo sabe que não tem nada a ver com ultradireita. O ultradireitista defende o nacional-desenvolvimentismo, com forte interferência do Estado na economia, e neste aspecto é muito parecido com o que a gente vê a esquerda defender no Brasil. O ultradireitista também é contra o casamento gay e a favor da proibição das drogas. O Milei não é nada disso". Sobre se assemelhar a Jair Bolsonaro, vejo profundas diferenças, a começar pela adesão ao liberalismo econômico. Embora tenha escolhido e mantido um ministro da Fazenda com profundas convicções liberais como Paulo Guedes, Bolsonaro por diversas vezes deixou de apoiar propostas de seu ministro por absoluta falta de convicção. Além disso, Milei não tem qualquer identificação com os militares. Recorrendo uma vez mais a Helio Beltrão, ”se o Milei conversar mais de meia hora com o Bolsonaro vai descobrir que ele é nacional-desenvolvimentista, militarista e não gosta de privatização". Milei, a exemplo de Mauricio Macri, não conseguirá promover alterações significativas na política e na economia argentinas: Embora tenha declarado seu apoio a Javier Milei no segundo turno, Mauricio Macri está muito distante do presidente eleito no espectro político-ideológico. O que os aproxima é o fato de se oporem às tradicionais práticas do peronismo, notadamente no que se refere à aliança com os sindicatos e à falta de preocupação com o equilíbrio fiscal. Macri, porém, jamais defendeu ideias ou propôs políticas públicas semelhantes às defendidas por Milei. Em suma, ouso afirmar que enquanto Milei é um adepto assumido do libertarianismo ou anarcocapitalismo, Macri possui um perfil de centro-direita, que se aproxima do posicionamento de sua ex-ministra de Segurança, Patricia Bullrich, a quem apoiou no primeiro turno. Quando eleito, em 2015, pondo fim a doze anos de domínio kirchnerista, Macri havia prometido, por meio de ações diferentes das defendidas por Milei, estabilizar a moeda, combater a inflação, reduzir o desemprego, acabar com o desequilíbrio fiscal, e retomar o crescimento econômico. Quatro anos depois, derrotado por Alberto Fernández, Macri reconheceu não ter conseguido implementar as mudanças prometidas. Foi o primeiro presidente argentino a perder uma reeleição, porém foi o primeiro não-peronista em mais de 70 anos a concluir seu mandato. Ao assumir a presidência no próximo dia 10 de dezembro, Javier Milei será depositário das esperanças de milhões de argentinos cansados de ver seu país cada vez mais distante de um passado glorioso. Como diz o colega Roberto Macedo: "Enquanto os brasileiros sonham com um futuro que não chega, os argentinos sonham com um passado que não volta".   ¹ Os anos que aparecem entre parêntesis correspondem ao ano em que o economista foi laureado com o Prêmio Nobel.   ² Disponível em https://www.estadao.com.br/internacional/o-milei-nao-e-nem-o-bolsonaro-argentino-nem-ultradireitista-diz-helio-beltrao/.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Brasil precisa de sistema eficiente de inteligência

Se não para lidar com o perigo remoto do terrorismo, ao menos para confrontar a ameaça imediata que o crime organizado e radicais impõem, escreve Tulio Kahn

  Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   A história está cheia de exemplos de falhas catastróficas dos serviços de inteligência antes de atentados, guerras ou tentativas de golpe. Apesar de todo aparato tecnológico e bilhões investidos em inteligência, os Estados Unidos foram incapazes de prever os atentados da Al Qaeda, em 11 de setembro de 2001. Israel não detectou a movimentação prévia do Hamas aos atentados de 7 de outubro – apesar dos alertas pelo Egito –, tampouco a invasão do Egito e Síria na Guerra de Yom Kipur, em 1973, apesar de alguns indícios prévios. Os serviços de segurança brasileiros não conseguiram se antecipar às invasões na Esplanada dos Ministérios, em 8 de janeiro, ou os atentados do PCC em 2006, em São Paulo. É claro que os órgãos de segurança já conseguiram se antecipar e frustrar vários ataques e atentados, muitos dos quais jamais saberemos. E é por isso que todos os países investem em estruturas de inteligência, em especial para lidar com o terrorismo, crime organizado e potências inimigas. Mas estes eventos simbólicos ilustram as centenas de falhas a que estão sujeitos os órgãos de segurança e as consequências catastróficas destes erros. Estamos citando aqui grandes “operações”, que certamente deixaram rastros de seu planejamento, mas que apenas posteriormente vieram à luz. Eventos desta magnitude não são como um raio em dia de céu azul: demandam recursos e tempo para serem planejados e quase sempre deixam rastros que não foram corretamente interpretados, em tempo hábil, pelos responsáveis pela segurança. Os motivos das falhas podem ser muitos: ausência de uma estrutura eficiente de inteligência, falta de uma doutrina de inteligência, excesso de confiança na tecnologia, falta de coordenação entre órgãos responsáveis, erros de avaliação, ausência de informações ou às vezes excesso de informações, para mencionar somente alguns. Existem, assim, diversos itens que precisam ser revistos e aperfeiçoados, de investimentos a treinamentos, o eventual retorno a algumas práticas clássicas de inteligência baseadas em fontes humanas (humanit), o estabelecimento de uma rede eficiente de trocas de informações, aperfeiçoamento da legislação antiterrorista, etc. Estes fracassos servem de lições, duras, para rever procedimentos e estratégias e a comunidade de inteligência neste momento, em todo mundo, se debruça sobre eles. Dado o baixo padrão de eficiência demonstrado pelas polícias e forças armadas brasileiras para lidar com o crime organizado, contrabando, tráfico de drogas e armas, migração ilegal, controle de fronteiras terrestres, alguém acredita que o setor de inteligência brasileiro teria capacidade de impedir atentados terroristas como os perpetrados na Amia (Associação Mutual Israelita Argentina) e embaixada israelense em Buenos Aires, nos anos 1990, caso ocorressem no Brasil? É sabido que parte do financiamento e planejamento logístico destes atentados passou pela embaixada iraniana em Brasília e que na região da tríplice fronteira existe uma conexão entre o crime organizado e membros de grupos terroristas como o Hamas e o Hezbollah. Para ficar apenas neste caso célebre, em 1992 as investigações revelaram que o coordenador das operações terroristas na Argentina agiu a partir de Foz do Iguaçu fazendo uso de um telefone. Esse mesmo número de telefone foi conectado a várias ligações telefônicas feitas pelo grupo operacional do atentado (Nisman & Burgos 2013a, p. 25 e p. 565). O relatório aponta ainda que o attaché Civil da Embaixada do Irã em Brasília, entre 1991 e 1993, Jaffar Saadat Ahmad-Nia, era um agente da inteligência iraniana (Vevak). Segundo depoimentos constantes do relatório, o Jaffar teria ido à Argentina para ajudar a resolver potenciais problemas logísticos do grupo operacional dos atentados. De qualquer forma, independentemente da acusação, os registros demonstram que Jaffar entrou na Argentina no dia 18 de março de 1992 (dia anterior aos ataques) e retornou no dia 19 de março do mesmo ano (isso é, no dia posterior ao ataque à embaixada Israelense em Buenos Aires) (Nisman & Burgos 2013b, p. 27). Existem inúmeros registros de atividades, desde a passagem de Moshen Rabbani pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, em 1984. Tanto a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) quanto a Polícia Federal acompanharam, em 1995, a presença de Khalid Sheikh Mohammed no Brasil. Preso em Guantánamo, Sheikh Mohammed ficou conhecido como a mente por trás dos ataques de 11 de setembro e esteve ligado a vários ataques da Al Qaeda entre 1993 e 2003. De acordo com o famoso 9/11 Commission Report, Mohammed esteve em Foz do Iguaçu, em 1995, para encontrar com um contato indicado por Mohamed Atef (Abu Hafs), à época chefe operacional da Al Qaeda (9/11-Commission 2005, p. 148). Ainda em 2016, durante a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil, a agência antiterrorismo da Polícia Federal monitorava nada menos do que 42 indivíduos suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Não é o caso de relatar aqui a tentativa de entrada e a passagem, pelo Brasil, de inúmeros suspeitos pelo envolvimento com o terrorismo, nas últimas décadas. Basta saber que eles atuam por aqui e que num momento de acirramento da conjuntura internacional no Oriente Médio, assim como a Argentina, o Brasil pode ser alvo de algum atentado. Conheci de perto a estrutura de inteligência federal e do Estado de São Paulo, suas capacidades e deficiências, ambas seriamente subdimensionadas, subfinanciadas e incapazes de lidar com este tipo de ameaça. O Brasil não é alvo por conta de sua histórica postura de neutralidade durante os conflitos no Oriente Médio e não pelo receio de detecção e antecipação pelos órgãos de segurança. Passou da hora do Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência. Se não para lidar com o perigo remoto do terrorismo, ao menos para confrontar a ameaça imediata que o crime organizado e radicais impõem ao estado democrático de direito e à qualidade de vida da população.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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