Pesquisar

Taxonomy - Destaquinho

O técnico Tite e a ética na política

Se as circunstâncias mudam, não há porque permanecer amarrado a declarações dadas em circunstâncias distintas, escreve Rogério Schmitt

  Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   O treinador da seleção brasileira nas duas últimas Copas do Mundo de futebol masculino – o gaúcho Tite – assumiu oficialmente o comando da equipe do Flamengo no último dia 9 de outubro, após algumas semanas de negociações. A contratação do técnico pelo clube mais popular do País foi cercada por uma interessante polêmica, que utilizarei, no entanto, apenas como gatilho para tratar de um tema bem tradicional da teoria política. O motivo da polêmica foram duas entrevistas concedidas por Tite no segundo semestre do ano passado, ainda enquanto treinava a seleção brasileira. Em agosto de 2022, no Flow Podcast, afirmou que “toda equipe brasileira que pensar no Tite como técnico, esquece, ele não vai treinar. Pode escrever onde vocês quiserem, me chamem de mentiroso e sem palavra, que não vai ter". Algum tempo depois, em outubro, Tite declarou ao Lance! o seguinte: “Não vou trabalhar no Brasil no ano que vem. Definitivamente. Não vou. Tenho a minha palavra. ‘Ah, reconsiderei porque... Não, não tem reconsiderar’”. Muitos jornalistas esportivos e torcedores chamaram a atenção para uma alegada contradição entre as declarações de Tite em 2022 e a decisão de treinar o Flamengo em 2023. O técnico não teria pecado pela falta de ética ao não cumprir a sua própria promessa? E é justamente nesse ponto que acredito que a moderna teoria política pode nos ajudar. Vou recorrer a um dos autores mais citados no debate sobre a relação entre a ética e a política: o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Weber nos apresentou a clássica distinção entre o que chamou de a “ética da convicção” (o conjunto de normas e valores que orientam o comportamento de todos nós na esfera privada) e a “ética da responsabilidade” (o conjunto de normas e valores que orientam a decisão dos políticos a partir de suas posições como governantes ou legisladores). Segundo Weber, quanto maior for o nosso grau de inserção na arena política, maior será o afastamento entre as nossas convicções pessoais e a adoção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Em sua famosa conferência “A política como vocação”, organizada em 1919 pela Universidade de Munique, Weber escreveu que “Não podemos prescrever a ninguém que deva seguir uma ética de fins absolutos ou uma ética de responsabilidade, ou quando uma e quando a outra (...) Uma ética de fins últimos e uma ética de responsabilidade não são contrastes absolutos, mas antes suplementos, que só em uníssono constituem um homem genuíno - um homem que pode ter a vocação para a política”. Nesta mesma fonte, encontramos outra célebre passagem weberiana: “Pode-se dizer que há três qualidades determinantes do homem político: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção. Paixão no sentido de 'propósito a realizar', isto é, devoção apaixonada a uma 'causa' (...) Com efeito, a paixão apenas, por sincera que seja, não basta. Quando se põe a serviço de uma causa, sem que o correspondente sentimento de responsabilidade se torne a estrela polar determinante da atividade, ela não transforma um homem em chefe político. Faz-se necessário, enfim, o senso de proporção, que é a qualidade psicológica fundamental do homem político. Quer isso dizer que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas (...) Há um inimigo vulgar, muito humano, que o homem político deve dominar a cada dia e cada hora: a muito comum vaidade. Ela é inimiga mortal de qualquer devoção a uma causa, inimiga do recolhimento e, no caso, do afastamento de si mesmo”. Assim, no exercício da atividade política, uma pessoa pode perfeitamente mudar de opinião ao longo do tempo, sem cair em contradição. Se as circunstâncias mudam, não há porque permanecer amarrado a declarações dadas em circunstâncias distintas. É o caso, por exemplo, de promessas feitas com toda a sinceridade durante uma campanha eleitoral que, no entanto, venham a se mostrar inviáveis ou indesejáveis no exercício real do governo. A ética da responsabilidade é, portanto, tão válida como a ética da convicção. A coerência a ser buscada é também em relação à realidade externa, e não somente em relação aos pensamentos internos. Portanto, ao menos do ponto de vista da teoria política, já está resolvida há mais de um século o tipo de situação vivida pelo técnico Tite (apesar das visíveis diferenças entre a arena política e a arena futebolística). Vale recordar, finalmente, que as entrevistas de Tite ocorreram antes da Copa do Mundo do Qatar (em novembro e dezembro de 2022), e antes das subsequentes negociações fracassadas do treinador brasileiro em assumir o comando de algum time europeu em 2023. As circunstâncias, portanto, mudaram. Na entrevista coletiva concedida no Ninho do Urubu em 16 de outubro, as palavras do próprio Tite foram “Eu prefiro colocar que foi um 'ajuste de datas', respeitando todas as colocações diferentes”. Seria Tite um leitor de Max Weber?   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Card link Another link
Brasil carece de sistema eficiente de inteligência

Para Tulio Kahn, passou da hora de o Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência, ao menos para confrontar as ameaças do crime organizado

  Tulio Kahn, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   A história está cheia de exemplos de falhas catastróficas dos serviços de inteligência antes de atentados, guerras ou tentativas de golpe. Apesar de todo aparato tecnológico e bilhões investidos em inteligência, os Estados Unidos foram incapazes de prever os atentados da Al Qaeda, em 11 de setembro de 2001. Israel não detectou a movimentação do Hamas antes dos atentados de 7 de outubro – apesar de alertas do Egito – e também não anteviu a invasão do Egito e Síria na Guerra de Yom Kipur, em outubro de 1973, apesar de alguns indícios prévios. Tampouco os serviços de segurança brasileiros conseguiram se antecipar às invasões na Esplanada dos Ministérios, em 8 de janeiro deste ano, ou os atentados do PCC, em 2006, em São Paulo. É claro que os órgãos de segurança já conseguiram se antecipar e frustrar inúmeros ataques e atentados, muitos dos quais jamais saberemos – e é por isso que todos os países investem em estruturas de inteligência, em especial para lidar com o terrorismo, crime organizado e potências inimigas. Mas estes eventos simbólicos ilustram as centenas de falhas a que estão sujeitos os órgãos de segurança e as consequências catastróficas destes erros. Estamos citando aqui grandes “operações”, que certamente deixaram rastros de seu planejamento, mas que apenas posteriormente vieram à luz. Eventos desta magnitude não são como um raio em dia de céu azul: demandam recursos e tempo para serem planejados e quase sempre deixam pistas, mas que não foram corretamente interpretadas, em tempo hábil, pelos responsáveis pela segurança. Os motivos das falhas podem ser muitos: ausência de uma estrutura eficiente de inteligência, falta de uma doutrina de inteligência, excesso de confiança na tecnologia, falta de coordenação entre órgãos responsáveis, erros de avaliação, ausência de informações ou às vezes excesso de informações, para mencionar somente alguns. Existem, assim, diversos itens que precisam ser revistos e aperfeiçoados, de investimentos a treinamentos, o eventual retorno a algumas práticas clássicas de inteligência baseadas em fontes humanas (humanit), o estabelecimento de uma rede eficiente de trocas de informações, aperfeiçoamento da legislação antiterrorista etc. Estes fracassos servem de lições, duras, para rever procedimentos e estratégias e a comunidade de inteligência de todo o mundo, neste momento, se debruça sobre eles. Dado o baixo padrão de eficiência demonstrado pelas polícias e forças armadas brasileiras para lidar com o crime organizado, contrabando, tráfico de drogas e armas, migração ilegal e controle de fronteiras terrestres, alguém acredita que o setor de inteligência brasileiro teria capacidade para impedir atentados terroristas como os perpetrados contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) e embaixada israelense em Buenos Aires, nos anos 1990, caso ocorressem no Brasil? É sabido que parte do financiamento e planejamento logístico destes atentados passou pela embaixada iraniana em Brasília e que na região da tríplice fronteira existe uma conexão entre o crime organizado e membros de grupos terroristas como o Hamas e o Hezbolah. Para ficar apenas neste caso célebre, em 1992 as investigações revelaram que o coordenador das operações terroristas na Argentina agiu a partir de Foz do Iguaçu. fazendo uso de um telefone atribuído a um certo XXXXXXX (Nisman & Burgos 2013b, p. 9). Esse mesmo número de telefone foi conectado a várias ligações telefônicas feitas pelo grupo operacional do atentado (Nisman & Burgos 2013a, p. 25 e p. 565). O relatório aponta ainda que o attaché Civil da Embaixada do Irã em Brasília entre 1991 e 1993, Jaffar Saadat Ahmad-Nia, era um agente da inteligência iraniana (VEVAK). Segundo depoimentos constantes do relatório, o. Jaffar teria ido à Argentina para ajudar a resolver potenciais problemas logísticos do grupo operacional para os atentados. De qualquer forma, independentemente da acusação, os registros demonstram que Jaffar entrou na Argentina no dia anterior aos ataques e retornou no dia posterior ao ataque à embaixada Israelense em Buenos Aires (Nisman & Burgos 2013b, p. 27). Existem inúmeros registros de atividades, desde a passagem de Moshen Rabbani pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, em 1984. Tanto a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) quanto a Polícia Federal acompanharam, em 1995, a presença de Khalid Sheikh Mohammed no Brasil. Preso em Guantánamo, ele ficou conhecido como a mente por trás dos ataques de 11 de setembro e esteve ligado a vários ataques da Al Qaeda entre 1993 e 2003. De acordo com a famosa 9/11 Commission Report, Mohammed esteve em Foz do Iguaçu em 1995, para encontrar com um contato indicado por Mohamed Atef (Abu Hafs), à época chefe operacional da Al Qaeda (9/11-Commission 2005, p. 148). Ainda em 2016, durante a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil, a agência antiterrorismo da Polícia Federal monitorava nada menos do que 42 indivíduos suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Não é o caso de relatar aqui a tentativa de entrada e a passagem, pelo Brasil, de inúmeros suspeitos pelo envolvimento com o terrorismo, nas últimas décadas. Basta saber que eles atuam por aqui e que num momento de acirramento da conjuntura internacional no Oriente Médio, assim como a Argentina foi o Brasil pode ser alvo de algum atentado. Conheci de perto as estruturas de inteligência federal e do Estado de São Paulo, suas capacidades e deficiências, ambas seriamente sub-dimensionadas, sub-financiadas e incapazes de lidar com este tipo de ameaça. O Brasil não é alvo por conta de sua histórica postura de neutralidade durante os conflitos no Oriente Médio e não pelo receio de detecção e antecipação pelos órgãos de segurança. Passou da hora de o Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência. Se não para lidar com o perigo remoto do terrorismo, ao menos para confrontar a ameaça imediata que o crime organizado e radicais impõem ao estado democrático de direito e à qualidade de vida da população.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Card link Another link
Inteligência Artificial: caminhos e desafios

Para Paulo Cesar Bernardes dos Reis, especialista em comunicação e marketing,, a luta da humanidade para garantir mais benefícios que prejuízos nos tempos da IA é urgente e imperativa

Paulo Cesar Bernardes dos Reis, publicitário e especialista em comunicação e marketing Edição Scriptum A evolução é uma busca natural do ser humano desde os tempos em que morávamos em cavernas. A cada página virada em direção ao futuro, a humanidade descobriu o fogo, o vapor e a luz elétrica até chegarmos na eletrônica. Aprendemos a curar uma quantidade enorme de doenças e a viabilizar o aumento de produtividade, que transformou sociedades e construiu o mundo que temos hoje. Mas a cada etapa dessas, na sombra dos benefícios, vieram também muitos problemas. De todos os tipos ou gravidades. A luz elétrica, por exemplo. Depois de sua invenção, começamos a perceber que a humanidade passou a ter pior qualidade de sono. A exposição exagerada à luz artificial, principalmente à noite, pode suprimir a liberação da melatonina, o hormônio que regula o sono, e assim gerar diversos problemas de saúde. A invenção do automóvel, um dos maiores passos para o desenvolvimento da humanidade, trouxe de carona a poluição sonora e ambiental, o tráfego, responsável por significativo aumento dos níveis de estresse... Assim como também geraram prós e contras a invenção do avião, do trem etc... Inteligência Artificial Mesmo assim, o mundo não consegue nem pode ficar parado no tempo, e evolui. Hoje, estamos diante de mais uma etapa dessa evolução: a Inteligência Artificial. Na verdade, desde que a primeira máquina conseguiu “automaticamente” mudar seu comportamento em função de algum fator externo, ela de alguma forma existe. Seja o ar-condicionado que muda a temperatura em função da temperatura ambiente ou o limpador de para-brisas que é acionado automaticamente na chuva. Mas, agora, a grande questão é que a evolução não para. Aprendeu a aprender e tem se tornado mais criativa a cada dia. Isso pode gerar soluções para problemas que temos há milênios, como também vai nos apresentar possibilidades de futuro com as quais nunca pensamos. Talvez agora encontremos finalmente a cura definitiva do câncer, exploraremos o espaço mais distante, teremos uma capacidade de produção e eficiência agrícola inimaginável há 15 anos. Mas como toda evolução, sob a sua sombra estão surgindo diversos problemas, inevitáveis e com os quais vamos ter que aprender a lidar: qualificação de mão de obra para era de novas funções, manipulação da informação, direitos autorais, invasão de privacidade e falta de segurança com os dados... e segue uma lista razoável. Mesmo para olhos e ouvidos mais treinados, a tecnologia chegou a um ponto onde fica extremamente difícil distinguir o fake da realidade. Quem ganha, quem perde Evidentemente que toda a humanidade poderá desfrutar dessas conquistas. Também lembrando que quem tem maior poder aquisitivo, terá mais tecnologia à sua disposição e quem tem menos, terá menos. Um dos grandes desafios, inclusive, é equilibrar melhor essa desigualdade. Para quem se propõe a defender alguma causa – a democracia, por exemplo – a questão da manipulação da informação se torna um adversário poderoso. Para um partido político, em um País com grandes eleições a cada dois anos, este assunto se torna centro das atenções e preocupações. Em tempos eleitorais, uma parte da classe política se promove expondo os defeitos e fragilidades de seus adversários, e muitas vezes esses defeitos são “criados” e difundidos com a tecnologia disponível, criando um enorme boato. Uma fake news. Em sua maioria, depois de algum tempo, a “vítima” consegue desmentir ou responder. Bem, esses tempos mudaram e agora, além da velocidade em gerar informações, e a tecnologia transformou esses boatos em “fatos em potencial”. Difíceis de desmentir. Uma “boa fake news” não é mais uma arma com uma mira precisa. Agora é uma bomba que pode destruir e matar tudo à sua volta. Ninguém está seguro diante disso. Qualquer equipe de marketing sensata e responsável vai preferir “matar” a fake news do que usá-la. A massa A comunicação de massa, hoje, é consumida e produzida pela própria massa. Gerar conteúdo ou dar informações aos milhares não é mais privilégio de algum grupo de comunicação. Qualquer habitante desse planeta pode fazer... e faz. É como se o homem das cavernas pudesse se informar em um GPS sobre a localização do tigre de dentes de sabre para se proteger melhor, ou pudesse ensinar para todas as cavernas receitas de javali na brasa, porque todos agora conhecem o fogo. Mas imagine, com a invenção da pólvora, na imaginária internet na época, se qualquer pessoa encontrasse facilmente como fabricar pólvora ou como construir uma arma mais poderosa que a espada e a lança. E isso, manipulado tanto pela população pobre, escrava e sofrida, como pelo impiedoso senhor feudal. Ambos completamente despreparados para lidar com um poder dessa magnitude. Fosse o povo oprimido, ignorante, cansado e faminto, subjugado e raivoso por sua condição, fosse o nobre impiedoso, ganancioso, acostumado a tratar as pessoas de fora de seu castelo como inimigos ou animais... Como teria sido ? Cada um deles com um rifle AK-47 nas mãos, sem saber direito o que fazer com ele. Não é nem possível avaliar como teria sido a Idade Média ou uma Guerra Mundial. A nova pólvora A Inteligência Artificial é a pólvora do século 21. Capaz de impulsionar, mudar costumes e abrir infinitos horizontes, mas também capaz de destruir. Claro, dependendo do uso que se faça. E é fundamental entender que este uso é humano!!! Nós realmente já entendemos o que isso significa? Estamos mesmo preparados pra usar essa “pólvora”? Usuários da modernidade A começar pela avaliação da saúde mental, o quadro é preocupante. Estima-se que 30% dos adultos em todo o mundo atendam aos critérios de diagnósticos para algum tipo de transtorno mental. E nós, brasileiros, estamos no momento com o título de “País Mais Ansioso Do Mundo” Um trabalho publicado há algum tempo pela revista Saúde Pública mostra que em nosso País 30% dos adolescentes apresentam os transtornos emocionais mais comuns como ansiedade, depressão ou queixas somáticas inespecíficas. Se vamos dar uma olhada no preparo acadêmico, no Brasil, por exemplo, o número de analfabetos, dependendo do órgão pesquisador, vai de 9,6 a 16 milhões. Neste caso prefiro o mais recente, do IBGE, 9,6 milhões. Mas, o mesmo IBGE também nos mostra que somos quase 30% de analfabetos funcionais, ou seja: pessoas incapazes de fazer interpretação de texto e realizar algumas operações matemáticas básicas, mesmo sabendo ler e escrever. E, pior: o IBGE também nos alerta que encontramos “analfabetos funcionais” nas universidades. Um estudo recente da IBM e da Morning Consult revela que, no Brasil, 70% dos jovens acreditam que as novas tecnologias vão impactar suas vidas, mas apenas 41% deles se sentem preparados para isso. Veja bem: os jovens, que segundo os mais velhos já vem com um “chip” a mais que a geração anterior. Isso sem falar sobre o despreparo na área de segurança de dados. Em fevereiro de 2021, a BBC apresentou uma extensa reportagem sobre os vazamentos de 223 milhões de CPFs, de pessoas vivas ou falecidas, e quase 103 milhões de registros de celulares no Brasil. E essa realidade não mudou muito de lá pra cá. Bem, este é um resumo simplificado do ambiente digital e de seus usuários. Não é sensato acreditar que este contingente enorme de pessoas vai, do dia para a noite, se preparar para o mundo da inteligência artificial. Mas este resumo não tem a intenção de diminuir nossas possibilidades ou capacidades humanas nem de nos desestimular na implantação dessas modernidades tecnológicas, mas é para lembrar que ignorar “a vida como ela é” pode custar muito caro. Atitudes imediatas A prevenção ou defesa contra o mau uso da tecnologia, não pode cair simplesmente em uma guerra de versões ou confronto de opiniões. Ela vai precisar ser bem mais sólida e consistente e poderia ser resumida em três pilares. Pilar 1 O primeiro pilar é no âmbito jurídico. O desenvolvimento de leis e de formas factíveis de sua aplicação. Mesmo ainda controversa, essa legislação é o primeiro passo importante na direção de pelo menos algum tipo de controle sobre o mau uso. Singapura implantou a Lei de Proteção contra Falsidades e Manipulação Online (POFMA), que permite ao governo emitir ordens de correção ou retirada de conteúdo considerado falso ou enganoso. A Alemanha aprovou a Lei de Execução de Redes (NetzDG), que exige que as plataformas de redes sociais removam conteúdos ilegais, incluindo discursos de ódio e notícias falsas dentro de prazos especificados. A França promulgou a lei “Luta Contra a Manipulação On-line”, também conhecida como “Lei das Notícias Falsas”, que permite a um juiz ordenar a remoção de notícias falsas durante o período de campanha eleitoral. No Brasil, o TSE também tomou medidas para combater as fake news nas últimas eleições. Países como Malásia, Índia e Japão já estão reestruturando suas leis e ferramentas para esse combate. Mas volto a dizer que o impacto dessas leis ainda é muito controverso, uma vez que elas convivem com a fronteira da liberdade de expressão, um bem fundamental de qualquer democracia. Mas, de um modo geral, a maioria concorda que mesmo imperfeitas no início, elas são fundamentais para um “amadurecimento legal” em relação a manipulação digital. Pilar 2 Outro pilar dessa luta é preparar os indivíduos para lidar com esse novo mundo digital. A chamada “alfabetização midiática”. Como vimos anteriormente, a população mundial ainda não está preparada para esses novos tempos, mas precisa estar. E rápido. Para isso, feliz ou infelizmente não existe outra palavra que defina o que fazer: ESTUDO. Cientes de todo esse contexto, grandes empresas tem colocado à disposição incontáveis cursos e dicas de como estar mais preparado para a nova era. São cursos que além de desenvolver as habilidades do uso dessas novas tecnologias, também ajudam a fazer com que uma pessoa comum aprenda a se defender melhor de fraudes, fake news etc. Não é uma tarefa simples nem rápida. Mas quanto mais negligenciarmos abraçar essa causa, mais prejuízos em todas as esferas da sociedade vamos contabilizar. É inexorável. Já existem inúmeros bons cursos, gratuitos e em português. Vale à pena procurar. Dois bons exemplos desses cursos são o da IBM – www.ptech.org ou o da Microsoft – IA Skils. Pilar 3 O terceiro pilar é a capacidade e as ferramentas para atestar alguma credibilidade. Aqui, vale lembrar que quando gostamos ou simpatizamos com alguém ou com alguma coisa, normalmente ignoramos os defeitos, mas quando não gostamos, a tendência é ignorar as virtudes, e de alguma forma acabamos construindo nossas próprias verdades a esse respeito. O ser humano normal infelizmente é assim. E levando-se em consideração que no caso de defesa de “verdades” ou reputações, a boa vontade de quem vai verificar essas informações faz toda a diferença, não complique. Espaços claros e acessíveis, onde as informações podem ser checadas e validadas. Mas é importante que esses locais (sites, rádios, jornais, redes sociais, porta-vozes etc...) sejam respeitados por todas as tendências. Amigas ou não. Não funciona como defesa contra fake news ter apenas essa credibilidade atrelada a grupos ou espaços “parceiros”. É como se você nomeasse sua própria mãe como a única pessoa isenta e confiável para defender a sua reputação. A credibilidade, evidentemente, é zero. Diversificar, investir e proteger esses pontos de credibilidade e confiança é o grande milagre. Para isso, a capacidade de relacionamento saudável e diálogo com todos os veículos de mídia, a boa convivência com representantes de outras tendências, assim como entidades ou organizações de reputação, torna-se mais do que importante: é básico. Outro ponto importante é colocar à disposição, em um ambiente confiável – esse sim pode ser próprio – suas informações de forma clara, transparente, simples e verificável. Conclusão Durante uma época de crises de credibilidade, despreparo, radicalismos e extremismos, é fundamental cuidar da existência desses locais seguros, onde as informações consigam se proteger do mau uso das fake news. Aprender como nos defender das fraudes, das falsas facilidades e principalmente da manipulação da informação, através de leis e conhecimento, vai exigir de cada cidadão, disciplina e paciência. Nossa luta para garantir mais benefícios que prejuízos nos tempos da Inteligência Artificial é urgente e imperativa. O constante preparo e conhecimento das novas tecnologias, para podermos conviver bem com elas e garantir seu uso responsável é o que vai definir, de verdade, nosso futuro como sociedade. A participação da atividade política será pautada pela atuação partidária, nas unidades da Federação, com o uso responsável da inteligência artificial e das novas tecnologias. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Card link Another link
Nobel de Economia contempla tema das mulheres no mercado de trabalho

Claudia Goldin analisou 200 anos de participação das mulheres no mercado de trabalho e mostrou que as diferenças entre os ganhos de homens e mulheres persistem, aponta Luiz Alberto Machado

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Mostrando fina sintonia com as pautas contemporâneas, a Academia Real de Ciências da Suécia anunciou nesta segunda-feira (9 de outubro), o nome da economista norte-americana Claudia Goldin como ganhadora do Prêmio Nobel de Economia de 2023, “por ter avançado nossa compreensão dos resultados das mulheres no mercado de trabalho”. Terceira mulher a ser laureada com o Nobel de Economia (antes dela foram laureadas Elinor Ostrom em 2009 e Esther Duflo em 2019), Claudia Goldin tem 77 anos, nasceu em Nova York, é PhD pela Universidade de Chicago, professora da Harvard University e codiretora do Grupo de Estudos sobre Gêneros na Economia do National Bureau of Economic Research (NBER). O Nobel concedido a Claudia Goldin é resultante de suas pesquisas em que combina duas áreas: a história econômica e a economia do trabalho. Goldin analisou 200 anos de participação das mulheres no mercado de trabalho, mostrando que, apesar do crescimento econômico contínuo, os ganhos das mulheres não se equipararam aos dos homens e a diferença ainda persiste, mesmo que as mulheres tenham alcançado níveis mais altos de educação do que os homens. Segundo Randi Hjalmarsson, membro do comitê do prêmio, “ela não apenas explica a origem do hiato entre homens e mulheres, mas também como ele mudou ao longo do tempo e como varia de acordo com o estágio de desenvolvimento, não havendo, portanto, uma medida única”. Seu livro Career and Family: Women's Century-Long Journey toward Equality, lançado em 2021 pela Princeton University Press, abrange um período de 120 anos e mostra como as aspirações pessoais e profissionais das mulheres evoluíram ao longo do tempo. Baseada em um vasto levantamento de dados, a obra levanta pontos essenciais para o entendimento da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. A evolução descrita por Goldin destaca que até o século XVIII as mulheres estavam inseridas no mercado de trabalho por conta da própria dinâmica social: elas trabalhavam dentro das propriedades da família em uma sociedade agrária. No entanto, no início do século XIX, com a transição para uma sociedade industrial - que levou ao trabalho fora de casa -, o percentual de mulheres casadas no mercado acusou uma acentuada redução. O cenário mudou novamente no começo do século XX, quando o setor de serviços ganhou força e chamou, mais uma vez, as mulheres ao mercado de trabalho. Também foi nesse período que o nível de educação das mulheres passou a aumentar, ultrapassando, inclusive, os níveis de escolaridade dos homens em países desenvolvidos. Além disso, Claudia Goldin demonstrou que o acesso à pílula anticoncepcional teve um importante papel para a aceleração dessa participação, já que ofereceu uma maior possibilidade para planejamento de vida e de carreira. Porém, mesmo com o método contraceptivo oferecendo a oportunidade de planejamento familiar, a maternidade ainda tem o poder de reforçar o gender gap. Isso porque as dinâmicas ainda presentes no mercado de trabalho tendem a dificultar a ascensão profissional das mães. Em seu livro, Goldin alerta para a dificuldade que casais com filhos têm para conciliar casa e trabalho, principalmente no caso de carreiras de alto nível, que requerem grandes investimentos iniciais. Logo, é fundamental que ocorra uma divisão de tarefas equânime entre homens e mulheres. Por ocasião do lançamento do livro, Goldin disse: “As aspirações e conquistas das mulheres universitárias mudaram muito ao longo do século passado, com o aumento da renda, a mecanização do lar e melhorias tecnológicas no controle da fertilidade e nos métodos de reprodução assistida. Mas a estrutura do trabalho e a persistência das normas sociais, por mais fracas que tenham se tornado, limitaram o sucesso das mulheres universitárias na carreira e na família”. Goldin também chamou atenção para questões mais subjetivas, que deixam a mulher com filhos em desvantagem. Por exemplo, um funcionário que pode trabalhar a qualquer dia e horário (noite, fins de semana ou feriados) acaba sendo mais recompensado do que mulheres que não têm essa flexibilidade por terem que cuidar da família. Vale a pena destacar que pesquisas na mesma linha da desenvolvida por Claudia Goldin têm sido realizadas também no Brasil. Encerro o artigo mencionando três nomes com trabalhos nesse campo: Janaina Feijó, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, que desenvolve atualmente pesquisas na área de mercado de trabalho, educação e desigualdades sociais; Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa, técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, professora da Faculdade de Economia e Finanças do IBMEC-RJ e membro do Grupo de Estudos em Economia da Família e do Gênero (GeFaM); e José Pastore, que recentemente publicou o artigo "Quando a proteção desprotege as mulheres", no qual observa que não raras vezes os legisladores, com a boa intenção de proteger as mulheres e conquistar o seu voto, acabam criando tantas dificuldades que o resultado final é uma verdadeira desproteção.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

Card link Another link

ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!