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Debates se afastam cada vez mais da discussão de propostas de governo
Reunião semanal do Espaço Democrático analisou como os conflitos e as ofensas tomaram lugar das ideias
[caption id="attachment_38757" align="aligncenter" width="559"] Sérgio Rondino: "As propostas de governo atraem pouco a atenção dos espectadores, que acabam se interessando mais por conflitos e bate-bocas"[/caption]
Redação Scriptum
O bizarro episódio ocorrido no debate de candidatos à Prefeitura de São Paulo no último domingo (15), quando José Luiz Datena (PSDB) deixou o seu púlpito para golpear Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira, foi o pano de fundo para a o tema da reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (17). “Para que estão servindo, principalmente, os debates eleitorais?”, perguntou o jornalista Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação, antes de apresentar uma série de eventos ocorridos em debates desde a redemocratização.
“Infelizmente, para a formação política do eleitor brasileiro, os debates têm servido menos do que deveriam. Desde que começaram a ser exibidos pela TV - e apesar dos esforços das emissoras - as propostas de governo atraem pouco a atenção dos espectadores, que acabam se interessando mais por conflitos e bate-bocas. Já para os partidos e candidatos, debates acabam sendo muito úteis para produzir material de campanha na televisão e, agora, os cortes para as redes sociais”, disse o jornalista, que foi mediador de vários debates, um dos quais lembrado até hoje, quando Paulo Maluf e Marta Suplicy, candidatos à Prefeitura de São Paulo, se enfrentaram na Rede Bandeirantes em 2000 e, aos berros, um mandou o outro calar a boca.
Para embasar as análises, além da discussão entre Maluf e Marta, Rondino exibiu mais quatro vídeos: o bate-boca entre Maluf e Leonel Brizola, então candidatos a presidente da República, em 1989; um trecho das falas de Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, no debate do segundo turno da eleição presidencial e o depoimento do jornalista Armando Nogueira, à época diretor de jornalismo da TV Globo, sobre como subordinados seus manipularam a edição compacta apresentada no Jornal Nacional para favorecer Collor; e também uma discussão de 1998 entre Mario Covas e outra vez Maluf, candidatos ao governo de São Paulo, em debate na Rede Bandeirantes que também teve Sérgio Rondino como mediador.
Rondino explicou como as redes de televisão buscam forçar os candidatos a discutir temas de gestão pública, que não despertam muito interesse do telespectador médio, que volta mais sua atenção para os conflitos e a troca de ofensas entre os candidatos, viés que começou a ser explorado na campanha paulistana por Pablo Marçal, no que foi seguido por quase todos os outros. Marçal cunha apelidos para os seus adversários e questiona não suas propostas de governo, mas episódios da vida privada de cada um.
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Reunião semanal de colaboradores do Espaço Democrático[/caption]
O cientista político Rubens Figueiredo lembrou que, apesar da audiência da televisão aberta ter caído bastante com a popularização das redes sociais, ela ainda é a melhor ferramenta de campanha, basta ver a evolução das intenções de voto em Ricardo Nunes, atual prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, depois que o horário eleitoral começou. Ele acredita que os debates são restritos a um público mais escolarizado e àquele eleitor que já decidiu seu voto e lembra que o nível dos debatedores era muito melhor no passado. “A qualidade da classe política mudou muito, até os escândalos parecem diferentes: antes era um romance entre dois ministros de Collor ao som de Besame Mucho, hoje é uma avacalhação só”.
O gestor público Januario Montone apontou o que considera um problema: o excesso de debates. “São muitos e em sequência, o que acaba desvalorizando o produto”, disse. “Na campanha presidencial dos Estados Unidos, por exemplo, são apenas três”.
O cientista político Rogério Schmitt lembrou que o formato dos nossos debates foi copiado da campanha eleitoral americana, que tem apenas dois partidos e, portanto, dois candidatos debatendo, o que qualifica a conversa. “A legislação brasileira obriga que apenas candidatos de partidos que tenham uma bancada de no mínimo cinco deputados federais participem, mas o partido do Pablo Marçal, por exemplo, não tem e ele está lá”. Isto sugere que, conhecendo o perfil do candidato do PRTB, as emissoras talvez estejam estão mais preocupadas com a audiência que com a qualificação do debate.
Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, além dos cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, do jornalista Sérgio Rondino e do gestor público Januario Montone, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o sociólogo Tulio Kahn, o gestor público Júnior Dourado, o advogado e empresário Helio Michelini e o jornalista Eduardo Mattos.
Falta de compromisso com o equilíbrio fiscal
Candidatos prometem realizar obras e resolver quaisquer problemas sem apontar fontes de financiamento, escreve o economista Luiz Alberto Machado
Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Ao acompanhar o noticiário ou ouvir os depoimentos de muitos candidatos à prefeitura na campanha eleitoral gratuita, impossível não se preocupar com a evidente falta de compromisso com o equilíbrio fiscal. A impressão que se tem é que não há limites para os titulares de cargos executivos que prometem realizar obras e resolver quaisquer problemas sem apontar as respectivas fontes de financiamento. Em sua coluna para O Estado de S.Paulo do último dia 8 de setembro1, o ex-ministro Pedro Malan citou diversas frases do presidente Luiz Inacio Lula da Silva que mostram sua firme convicção de que é preciso gastar para obter crescimento econômico, independentemente da existência de recursos para fazer frente a tais gastos. Numa interessante analogia, Malan afirmou que "à diferença do poeta Fernando Pessoa, que chegava a fingir que era dor a dor que deveras sentia, o presidente Lula está convencido de que não são gastos certos gastos que deveras realiza". Em complemento à analogia, o ex-ministro ressalta que Lula "não só está convencido, como pretende convencer o público em geral de que muitos dos seus gastos − todos com alta taxa de retorno social, ou compromissos de campanha que devem ser honrados − são, na verdade, investimentos no País e no seu futuro". Explicando que não há novidade nesse comportamento e que o presidente está sendo coerente com suas convicções, Malan relembra artigo de 10 de novembro de 2022 para a Folha de S.Paulo, em que o jornalista Bruno Boghossian listou quatro declarações de Lula: "Colocar pobre na universidade não é gasto, é investimento" (9/2019); "A quem interessa o teto de gastos, aos banqueiros?" (6/2021); "Vamos gastar o que for preciso" (3/2022); "Nós precisamos, primeiro, pagar a dívida que temos com o povo pobre" (4/2022). A rigor, esse tipo de raciocínio ficou claro desde o início do atual governo, quando, na primeira reunião de sua equipe, Lula pediu que a equipe aposentasse do vocabulário a palavra "gasto". Disse que o governo não deixaria de enfrentar a questão fiscal, mas insistiu em que o gasto social devia ser encarado como investimento, e não como despesa. Como prova da coerência das ações do presidente na linha de que "gasto é vida", Malan lembrou que em declaração recente Lula afirmou ser "necessário fazer a discussão para saber se precisa efetivamente conter gastos ou se precisa aumentar a arrecadação". E acrescentou que seu governo está fazendo uma análise sobre se está havendo gasto exagerado, mas que essa análise está sendo feita − há mais de 20 meses − sem levar em conta "nervosismo de mercado". Com isso, a velocidade do crescimento do gasto público levou a despesa primária do governo central de 11% do PIB em 1991/1992 para 20% do PIB em 2016. E o País exibe déficit primário há uma década desde 2014 e, ao que tudo indica, poderá tê-lo também em 2024 e, talvez, 2025/2026. Deslocando o foco para o âmbito municipal, e tomando por base as promessas da maioria dos candidatos a prefeito nas campanhas veiculadas no horário eleitoral gratuito, fico com a certeza de que há um completo desconhecimento da real situação fiscal das cidades que pretendem governar. Caso houvesse tal conhecimento, em vez de prometerem obras e soluções a qualquer custo, deveriam enfatizar o que fazer para reverter o quadro divulgado no final de 2023 pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), segundo a qual 51% dos municípios do Brasil registraram déficit fiscal no primeiro semestre de 2023. O estudo “O contexto da crise fiscal nos Municípios”, feito pela organização, revela um déficit de R$ 17,9 bilhões e comprometimento da gestão de 50% dos municípios brasileiros, que tiveram receitas insuficientes para a prestação de serviços públicos essenciais à população. As principais fontes de gastos identificadas no estudo foram os pagamentos de pessoal, investimentos e custos operacionais de programas. Esse amplo conjunto de evidências de ausência de compromisso com o equilíbrio fiscal me remete a James Buchanan, principal expoente da escola da escolha pública (public choice theory) e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1986. Preocupado com o avanço da intervenção governamental na economia, Buchanan propôs limites constitucionais ao uso dos déficits orçamentários por parte de governos que, dessa forma, transferiam para o setor público decisões que deveriam caber ao setor privado. Juntamente com a escola do direito de propriedade, que tem em Ronald Coase seu maior expoente, e a escola neoinstitucionalista, que tem Douglass North como maior destaque, a escola da escolha pública tem uma abordagem que admite um estreito relacionamento entre a economia, o direito e a política. Por propor limites constitucionais à intervenção governamental, a escola da escolha pública também foi chamada de escola constitucionalista. Diante de tão flagrantes exemplos de falta de compromisso com o equilíbrio fiscal por parte do presidente da República e de aspirantes ao executivo municipal, não consigo esquecer do alerta de James Buchanan à complicada convivência entre os políticos e a economia, principalmente em épocas de eleições: "o político é o indivíduo que pede dinheiro aos ricos e votos aos pobres, prometendo, se eleito, defender uns dos outros". 1 MALAN, Pedro. Crescentes incertezas até outubro de 2026. O Estado de S. Paulo, 8 de setembro de 2024. Disponível em https://www.estadao.com.br/opiniao/pedro-s-malan/crescentes-incertezas-ate-outubro-de-2026/. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkMaiorias votam. Minorias discursam
Rogério Schmitt usa as sessões legislativas como pano de fundo para uma explicação prática da Ciência Política
Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Um dos meus campos de estudo favoritos quando eu era estudante de mestrado e de doutorado em Ciência Política eram as disciplinas sobre teoria da democracia. Com aqueles meus professores – e com a bibliografia (nacional e internacional) a que tive acesso por meio deles – pude aprender que o conceito de democracia foi amadurecendo ao longo do tempo. Como, porém, este não é um artigo acadêmico, tentarei usar expressões de mais fácil entendimento.
Originalmente, a teoria política definia a democracia como sendo tão somente o “governo das maiorias”. Tratava-se de um modo de pensar herdado dos antigos gregos. Posteriormente, no entanto, o conceito evoluiu para algo como o “governo das maiorias, mas com respeito pelas minorias”. Historicamente, esse movimento teórico correspondeu à progressiva convergência entre a democracia e o liberalismo político.
Mas o aperfeiçoamento progressivo do conceito não teria parado por ali. A definição mais contemporânea de democracia já seria algo na linha do “governo das maiorias, com respeito às minorias, mas sem que essas impeçam aquelas de governar”. Tal especificação adicional se deveria aos desafios dos governos democráticos para produzir decisões e políticas públicas consistentes.
A evolução teórica do conceito de democracia sempre me vem à mente quando acompanho as sessões plenárias do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Sim, este é um hábito (quase um risco ocupacional) que desenvolvi ao longo dos anos. Sou espectador assíduo da TV Senado e da TV Câmara, especialmente quando os congressistas estão deliberando sobre alguma matéria legislativa que considero importante.
Quem se der ao trabalho de fazer o que faço perceberá rapidamente que alguns parlamentares são conhecidos por fazerem habitualmente discursos inflamados nas tribunas da Câmara ou do Senado. Quase sempre são parlamentares da oposição ao governo de plantão. Em mais de 90% das vezes, eles se perfilam aos blocos derrotados nas votações. Estão nitidamente em posição minoritária, e sabem disso. No fundo, estão exercendo o sagrado direito de espernear.
O contrário acontece com as maiorias. Especialmente quando projetos de lei ou emendas constitucionais são aprovados com quóruns muito qualificados (mais de 308 votos na Câmara, ou mais de 49 no Senado), a coisa mais difícil do mundo é ver algum parlamentar que pertença ao bloco majoritário perder o seu tempo fazendo discurso inflamado na tribuna, ou batendo boca com algum parlamentar da minoria. Eles simplesmente vão lá e votam. E as suas vitórias também são comemoradas com discrição.
É por isso que dei a este artigo o título Maiorias votam e minorias discursam. Trata-se de uma máxima muito conhecida nos corredores do Congresso, ainda que nem sempre seja pronunciada em público pelos parlamentares. Mas é exatamente assim que acontece, ainda que a composição das coalizões majoritárias e minoritárias possa oscilar dependendo da natureza de cada projeto.
As minorias esperneiam e as maiorias aprovam o que querem. Uma verdadeira aula prática de ciência política.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkInflação negativa do IPCA em agosto foi excepcional
Para o economista Roberto Macedo, é provável que o Comitê de Política Monetária suba o juro básico em 0,25 ponto percentual em sua próxima reunião
Roberto Macedo, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Conforme o IBGE anunciou, a inflação medida pelo IPCA em agosto foi negativa, com queda de 0,02%, depois de crescer 0,38% em julho. Antes, a última taxa negativa foi a de junho de 2023, de -0,08%. Ou seja, há mais de um ano atrás, o que por si só indica a excepcionalidade de uma taxa negativa. A taxa em 12 meses, até agosto, ficou em 4,24%, depois de ter alcançado 4,5% no mês anterior. Recorde-se que o Banco Central trabalha com a meta de 3% ao ano, com tolerância de 1,5% para baixo ou para cima. Assim, a taxa atual ainda está muito próxima do limite superior e tudo indica que o Banco Central deve aumentá-la. Mas, quanto? O mercado prevê quatro altas de 0,25 ponto percentual para a taxa básica de juros, a Selic. Ora, como o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que decide a Selic, reúne-se a cada 45 dias, entendo que quatro reuniões é um período muito longo para fazer uma previsão com esse alcance. Tudo vai depender da evolução do IPCA, que é avaliado a cada mês. A taxa negativa de agosto foi particularmente causada pelo preço da energia elétrica (-2,77%) e do item alimentação e bebidas (-0,44%). Em sua edição de 11/9/2014, o Estado de S.Paulo aponta que os “... economistas chamam a atenção para o fato de que, agora em setembro, esses dois grupos de preços devem registrar outro comportamento como reflexo da falta de chuvas e das queimadas que se espalharam pelo País...”, o que já levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a anunciar” um aumento das tarifas em setembro. E mais: “No caso dos alimentos, o temor é de queda da produção e encarecimento de preços.” Ou seja, há razões para se acreditar numa variação positiva do IPCA neste mês, ainda não se sabe a que taxa. A próxima reunião do Copom será nos dias 17 e 18 de setembro, estando assim muito próxima. Na minha opinião, ele fará um aumento de 0,25 ponto percentual da Selic e continuará a acompanhar a inflação para tomar novas decisões a respeito da Selic, pois, como disse, a previsão de quatro aumentos da Selic pelo mercado é muito longa para indicar um rumo neste momento. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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