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O quanto somos capazes

Matamos um leão por dia para existir, mas transformações estão por vir, escreve a senadora pelo PSD Mara Gabrilli

Mara Gabrilli, senadora pelo PSD de São Paulo e tetraplégica desde os 26 anos Edição Scriptum Somos 18,6 milhões de brasileiros com deficiência. Driblamos a falta de acessibilidade nas cidades, convivemos diariamente com o capacitismo, uma forma cruel de discriminação que finalmente passou a ter nome, e seguimos, em grande parte, ainda defasados no acesso à educação e ao trabalho. Este é o retrato da deficiência no Brasil, escancarado recentemente pela Pnad 2022 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), que pela primeira vez coletou dados sobre pessoas com deficiência. De acordo com a pesquisa, apenas uma em cada quatro pessoas com deficiência com 25 anos ou mais concluiu o ensino básico obrigatório. E o mais triste, não necessariamente inédito: o analfabetismo atinge 19,5% das pessoas com deficiência com mais de 15 anos. Na população geral, esse índice é de 4,1%. O rendimento do trabalho, por sua vez, segue o efeito cascata da exclusão: 30% menor que a média do Brasil, com a mulher mais prejudicada — o salário dos homens é R$ 604 a mais, em média. Até mesmo com nível superior completo, nossa participação no geral continua desigual, com 51,2% de graduados empregados, diante de 80% dos sem deficiência. Aqui derrubamos o falso argumento de empresas que dizem não contratar pessoas com deficiência por falta de perfil qualificado. Nesta quinta-feira (21), Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, tal quadro pode parecer desanimador, mas a evolução passada por esse segmento, que mata um leão por dia para simplesmente existir, inspira transformações que estão por vir. A esperança atende pelo nome de Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI, lei 15.146/2015), cuja relatoria e texto final foram trabalhados por mim quando ainda era deputada federal e com a participação em peso da sociedade civil. Meu otimismo tem lógica se pensarmos que a taxa de analfabetismo é muito maior em pessoas mais velhas, que viveram uma época em que o acesso à escola não existia. Apesar de uma legislação de 1989 já considerar a recusa de matrícula um crime, havia uma ressalva, muito utilizada, de que era crime apenas a recusa sem justa causa. Assim, com a alegação de não estarem preparadas, a rejeição frequentemente era praticada pela rede pública e privada. Hoje, por meio da LBI, tolher o direito à educação é crime punível com reclusão de 2 a 5 anos, além de multa. Para além da LBI, temos mais provas para não deixarmos o otimismo sucumbir à realidade desses números. Começa pelo paradesporto brasileiro, que nunca foi tão potente — vide as Paraolimpíadas do Rio, que teve recorde de público, apesar de a grande mídia duvidar da nossa capacidade de gerar audiência. Fato é que a representatividade das pessoas com deficiência cresce a cada dia, com diversidade de corpos expostos até em reality shows, como na recente edição de No Limite. Lembro também dos inúmeros influenciadores digitais, com as mais variadas deficiências, inspirando milhares de seguidores e apontando caminhos para se construir uma sociedade mais diversa, plural, inclusiva. E tudo isso acontecendo com as próprias plataformas digitais ofertando recursos que, até então, não existiam. Tudo isso porque passaram a cumprir a LBI e entender que uma rede mais inclusiva é melhor para todo mundo. Se temos feito tudo isso diante de muralhas que nos impuseram por séculos, o quanto ainda não podemos alcançar? Esta senadora chegou à Organização das Nações Unidas como a primeira perita brasileira em um comitê focado nos direitos das pessoas com deficiência. Chegou também a uma disputa presidencial, em uma chapa inédita com duas mulheres em uma das eleições mais acirradas de toda a história da nossa democracia. E isso só foi possível porque o Brasil acreditou em uma mulher sem movimento de braços e pernas. E é assim, carregando uma somatória de discriminações, mas levando a diversidade como maior potência de uma nação, que nós vamos mudar estatísticas e continuar escancarando o quanto somos capazes. Basta ter oportunidade, acessibilidade e equidade. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Comparando a popularidade dos governos Lula e Bolsonaro

O governo Lula tem apresentado taxas médias de avaliação positiva sistematicamente melhores do que as do governo anterior, escreve Rogério Schmitt

    Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   O objetivo deste artigo é comparar a variação dos índices de popularidade, nas pesquisas de opinião pública, dos governos Lula e Bolsonaro nos seus respectivos nove primeiros meses (ou seja, entre janeiro e setembro). Como veremos, estamos diante de duas dinâmicas muito distintas do ponto de vista político. A minha régua comparativa, como já fiz em artigos anteriores sobre este tema, serão as médias mensais de popularidade, considerando as diferentes pesquisas publicadas em cada período. No governo Bolsonaro, cinco institutos conduziram 22 pesquisas diferentes entre janeiro e setembro de 2019. Agora, no governo Lula, vieram a público as mesmas 22 pesquisas, promovidas desta vez por dez institutos distintos, entre janeiro e setembro de 2023. O primeiro gráfico resume os números da avaliação positiva (“ótimo” + ”bom”) dos dois governos. Já o segundo gráfico contém os números da avaliação negativa (“ruim” + “péssimo”) das duas gestões. Como podemos constatar logo abaixo, o governo Lula tem apresentado taxas médias de avaliação positiva sistematicamente melhores do que as do governo Bolsonaro (exceto nos meses de janeiro e fevereiro). De março em diante, o “saldo” médio de avaliação positiva em favor do governo Lula tem sido de quase oito pontos percentuais. No segundo semestre, este saldo médio tem até superado os dez pontos. Em outras palavras, se a gestão Bolsonaro largou de um patamar de popularidade um pouco melhor do que a gestão Lula, ela, no entanto, não logrou sustentar tal vantagem por muito tempo. Ao longo desses nove primeiros meses, a avaliação positiva do governo Bolsonaro manteve um viés de baixa, enquanto a do governo Lula obedeceu a um viés de alta.     Uma dinâmica similar, porém de sentido oposto, é observada na variação das taxas de avaliação negativa. Em janeiro, no momento imediatamente posterior à posse, o governo Lula tinha o dobro da impopularidade do governo Bolsonaro. Mas essa vantagem já cai consideravelmente entre fevereiro e abril. A partir de maio, a gestão Bolsonaro se torna sistematicamente mais impopular. Na média dos últimos cinco meses, a avaliação negativa do governo Bolsonaro supera a do governo Lula em cerca de oito pontos percentuais. Na prática, portanto, os números de impopularidade das gestões Bolsonaro e Lula, em seus nove primeiros meses, seguiram, respectivamente, um viés de alta e um viés de baixa.     A comparação que procurei fazer nesse artigo não entra no mérito das possíveis causas de dinâmicas tão heterogêneas da opinião pública em períodos de tempo equivalentes. Trata-se somente de um exercício descritivo. Seja como for, estes números produzem também distintas consequências políticas esperadas. Mantidos constantes todos os demais fatores, governos melhor avaliados tendem, por exemplo, a atrair mais apoio político no Congresso do que governos cuja popularidade esteja em declínio.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Super-ricos podem fugir dos investimentos que o governo quer tributar

Há vários alternativas isentas de Imposto de Renda, como debêntures incentivadas e certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio

  Roberto Macedo, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum   A gestão das contas públicas no governo Lula vai seguir regras determinadas pelo chamado arcabouço fiscal, aprovado pelo Congresso. Esse arcabouço envolve várias regras e vamos nos concentrar nas metas fiscais anuais e num dos instrumentos para alcançá-las, a chamada tributação dos super-ricos. Elas dispõem que o governo pretende zerar o déficit primário (o que exclui os juros da dívida pública) em 2024, obter um superávit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e ampliar esse superávit para 1% em 2026. Para este ano, a previsão é de um déficit primário de 1% do PIB. O governo confia muito no aumento de receitas tributárias para alcançar esses resultados. Um dos instrumentos cogitados é a chamada tributação dos super-ricos, um pequeno grupo de investidores brasileiros, cerca de apenas 2,5 mil, mas que são ricos mesmo, pois acumulam em fundos exclusivos de uma só pessoa um patrimônio total enorme, estimado em R$ 756,8 bilhões, valor que responde por 12,3% da indústria de fundos do País, segundo a Agência Brasil. Conforme a mesma fonte, tais fundos exigem pelo menos R$ 10 milhões de entrada e taxa de manutenção de R$ 150 mil por ano, pagando Imposto de Renda (IR) apenas nos resgates e com uma tabela regressiva, ou seja, quanto maior o tempo de aplicação, menor o imposto. E mais: o governo pretende igualar esses fundos exclusivos aos fundos de investimento que têm cobrança semestral do IR, o chamado come-cotas, sendo que parte desse imposto é também antecipado. A previsão de arrecadação é de R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026. Já é muito difícil fazer previsões para o futuro, pois as coisas mudam ao longo tempo. E não sei as premissas que sustentam essa previsão, mas espero que ela também tenha incluído alguma hipótese quanto a uma eventual fuga de investidores rumo a outros investimentos, pois há vários deles que são isentos de IR, como debêntures incentivadas e certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio. Será muito interessante acompanhar o cumprimento das referidas metas para o déficit primário até o final do mandato do atual governo. Se o governo cumpri-las, terá um ganho político e financeiro enorme, pois o status de suas contas ganhará prestígio aqui e no exterior. Se não, o inverso ocorrerá. Personagem importante nesse contexto é Fernando Haddad, o ministro da Fazenda. Foi ele quem liderou o processo de criação das referidas metas e é o principal responsável pela sua execução. Ao final desse processo ficará marcado como herói ou culpado pelo seu resultado.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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O hino

Jurista José Paulo Cavalcanti Filho relembra histórias vividas por alguns dos mais importantes personagens do processo de redemocratização do Brasil, após o período militar

  José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum Lisboa. Encerro, aqui, essa pequena série sobre histórias da redemocratização do Brasil, naqueles distantes anos. Vamos a elas: PODER ABSOLUTO. Começo por quando tudo começou, nos tempos da Redentora. Em Santiago do Chile, Adão Pereira Nunes, Fernando Gasparian (que contou essa história), Fernando Henrique Cardoso, Tiago de Mello, entre outros exilados. Alguns já então condenados, outros quase. Darcy Ribeiro contou como, no fim do Governo Jango, se sentiu com “poderes imperiais”. É que o presidente da República voara para o sul do País ‒ acompanhado pelo chefe da Casa Militar, o general Assis Brasil. O ministro da Marinha, Pedro Paulo de Araújo Suzano, pediu demissão. O ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, gravemente enfermo, estava no hospital. O que fazia de Darcy, chefe da Casa Civil, o comandante supremo das Forças Armadas. E, ao grupo, declarou ‒ Foi quando tive a agradável sensação do poder absoluto. Após o que Celso Furtado concluiu ‒ Agora está explicado por que estamos aqui. Dado o Golpe Militar, em 01/04, o bravo Darcy ainda ficou três dias sozinho dentro do Palácio, para resistir, até de lá ser retirado por Waldir Pires. A BOMBA. Nesse mesmo 1964 vinha caminhando tranquilo, pela Rua do Hospício, Karl Marx Guimarães Coelho. Já na calçada do 4º Exército (em frente à Faculdade de Direito do Recife), um militar considerou suspeita sua bolsa e perguntou ‒ O que tem aí dentro? ­‒ Nada. – Quero ver. E encontrou, lá, uma nota – “comprar fios e bobinas para a bomba”. Perguntou o nome do cidadão ­‒ Karl Marx. Era demais. Com certeza, comunista. E uma bomba, com certeza terrorista. Foi preso. Sem ter tempo de explicar que se tratava de bomba compressora para um ar-condicionado que estava consertando. Apanhou tanto que passou três meses no hospital. Viva a Democracia. UM ESTUPROZINHO. Passa o tempo, vem a Transição, e o país se preparava para a posse que seria de Tancredo e acabou de Sarney. Estávamos todos juntos, nessa reunião com ele. O ministro da Justiça da Ditadura, Ibrahim Abi-Ackel, tentava ser simpático. Até chamou seu sucessor, Fernando Lyra, de jurista. E Lyra confirmou, todo prosa, – Sou mesmo e de Caruaru! Vendo Ruth (Maria Rita, de nascença) Escobar chegar, quis fazer as pazes com ela. – Dona Ruth, preciso explicar. Nunca lhe deixei representar peças de teatro, nas prisões, pensando em sua segurança. – Como? – É que os presos, lhe vendo, iriam ficar com alguma fixação sexual. E nas ruas, daqui a dez anos, poderiam querer lhe estuprar. – Agora é que não lhe desculpo mesmo, ministro. Pois um estuprozinho, comigo dez anos mais velha, seria muito bom. O HINO. 21 de abril de 1985. Tancredo morto e Fafá de Belém cantou, nas tvs, o Hino Nacional sem nenhum instrumento acompanhando. Com muita emoção. E queria fazer o mesmo num disco. Ocorre que não podia, segundo a gravadora, a partir de interpretação equivocada da Lei 5.700/71. Assinei parecer autorizando. Porque a exigência de “andamento metronômico de uma semínima igual a 120, em tonalidade si bemol” (art. 24), era só para “Sessões Cívicas” (art. 25). E o disco saiu. Dedicado a mim, beijos Maria de Fátima. Fevereiro de 1986. Transmissão do cargo de ministro da Justiça. Tomaria posse Paulo Brossard, para Brizola um “Rui Barbosa em compota”. Lyra, o ministro da Justiça que partia, gostava muito daquela gravação. E deu ordem – Na hora da posse, bota o disco de Fafá. Entrei na conversa – Perdão, ministro. Mas seu último ato, no ministério, não pode ser uma ilegalidade, que a transmissão do cargo é uma Sessão Cívica. – Lá vem você, de novo, botando gosto ruim. – Desculpe. – Mas Sarney e Brossard vão ficar putos. – Será ruim, para você. Pensou um pouco e disse – Deixe comigo. – Fernando... – Confie. Todos em seus lugares, no auditório, e o locutor convocou autoridades para a mesa: Presidente da República, ministro que sai, ministro que entra, outros ministros, Procurador Geral da República. Só então anunciou – Formada a mesa, e ANTES de se iniciar esta Sessão Cívica, vamos ouvir o Hino Nacional cantado por Fafá de Belém. Todos de pé. Ouve-se o Hino, em disco, e o povo chorando. Em seguida, – Começa, AGORA, a Sessão Cívica da transmissão de posse. E Lyra, rindo, – Viu como é? Saudades de um tempo em que política se fazia com graça, engenho e arte.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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