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Quem vai acertar os números do PIB no segundo trimestre do ano?

Economista Roberto Macedo comenta as previsões do Banco Central e da Fundação Getúlio Vargas; IBGE divulga o número no início do mês

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Millôr é terno

José Paulo Cavalcanti Filho homenageia Millôr Fernandes no mês em que um dos grandes intelectuais brasileiros completaria 100 anos

  José Paulo Cavalcanti Filho, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Na última quarta-feira (16), Millôr Fernandes teria feito 100 anos. Uma data memorável. Por ser gênio e único. O primeiro cidadão a nascer Milton e ser enterrado como Millôr, culpa do tabelião que trocou, um “T” pelo “L”. Acontece. Nossa relação, bom lembrar, começou nos tempos do Ministério da Justiça. E foi tumultuada. No restaurante do Hotel Ouro Verde (Avenida Atlântica, Rio) se daria, num almoço, homenagem que a classe artística me prestaria. Pelo fim da censura, tão presente nos tempos da ditadura militar. Coordenada por Grande Otelo e Ziraldo, orador seria Millôr Fernandes – que, na hora do evento, mandou esse bilhete (guardei): – Ziraldo. Pensei melhor e não vejo razão para prestar homenagem a uma pessoa jurídica (?). Faça você mesmo a saudação. Além do mais, esse amigo seu deve ser um chato e não perco nada em não o conhecer. Correu tudo bem. Ziraldo fez belo discurso e agradeci a presença de todos. Dia seguinte, mandei carta para Millôr (naquele tempo, não havia internet). – Caro Millôr. A gente se engana. Pensei que você era inteligente, erudito, gênio, agradável, e que seria muito bom lhe conhecer. Nada. É só um chato!, convencido!, presunçoso!, pernóstico!, idiota!. Você disse que não perderia nada em não me conhecer? Pois menos ainda perderei eu em não lhe conhecer. Alguns dias mais, bilhete de Millôr: – Caro José Paulo, a gente às vezes se excede. Parece que foi meu caso. Peço perdão pela grosseria. Proponho um jantar, para que façamos as pazes. E, como o agressor fui eu, pago a conta. Respondi com outro bilhete: – Caro Millôr, de você quero apenas uma coisa. Por favor, vá para o inferno. Sem resposta. Pouco depois, o querido Técio Lins e Silva convidou Maria Lectícia e a mim para jantar. No Arlecchino, se a memória não falha. À entrada do restaurante, ele e Millôr. Explicou: – É para vocês fazerem as pazes. Correu tudo bem. Nesse encontro, Millôr explicou haver dois tipos de pessoas. Os iguais e os diferentes. Iguais, para ele, seriam os que vão a botecos baratos, sexta de noite, falar mal do governo e de todo mundo. Enquanto diferentes são... diferentes. E esses grupos não se dão. Como estávamos os dois nessa última categoria (segundo ele), dos diferentes (claro), nascemos para andar juntos. E acabou sendo mesmo um dos grandes amigos que tive, pela vida. Tanto que, todos os janeiros, passava temporadas em nossa casa de praia na Lagoa Azul. Seguem alguns casos dele. Todos os 16 de agosto nos reuníamos. Naquele ano também, seu aniversário dos 70 anos, com festa no apartamento de Eliana e Chico Caruso. Lá, gente de todas as tribos: de João Ubaldo Ribeiro a Geraldinho Carneiro, de Paulo Francis (NY) ao embaixador José Aparecido (então morando em Lisboa), de José Lewgoy a nós (Recife). Quando foi apagar velas, Millôr pediu a palavra: – Estou emocionado. Trata-se de um momento único. Que, é a lei da vida, isso não vai se repetir por muito tempo mais. Baixou a cabeça, como se fosse chorar. E era mesmo natural. Por ser, provavelmente, o mais velho no recinto. Protestos gerais. Que é isso?, Millôr. Quando se fez silêncio, completou: – A vida é breve, sei bem. Não há como alterar o destino. Mas quero só dizer uma coisa, meus amigos. Quando o último de vocês morrer, e eu tiver de comemorar aniversário sozinho, vou sentir muitas saudades. *** No mar da Lagoa Azul estavam Ariano Suassuna, Millôr e este que aqui escreve. Todos, falantes empedernidos. Mais Luis Fernando Verissimo (que não fala, mas sabe escutar como ninguém). Cora Rónai queria entrar na conversa, não conseguia e disse com raiva: – Cuidado comigo, Millôr, que sou uma mulher cara. – Querida, na minha idade, ou é cara ou é coroa. *** Na mesma Lagoa Azul, de vez em quando, tem andada dos siris. Põem os ovos, partem do mangue e vem se lavar no mar; depois, usando palavras de Pessoa (Caeiro, no Guardador...), “para de onde vieram, voltam depois”. No trajeto, com frequência, passam por dentro de nossa casa. Com recomendação, aos funcionários, para não serem incomodados. Noite dessas, grito pavoroso. De Guga, mulher do arquiteto Paulo Casé, que saiu do quarto com um siri pendurado na orelha. Dei um tapa e ele voou. Millôr, espectador da cena, completou ‒ Siri melhor quem siri por último. * * * Quando um dos amigos dizia: – Vou fazer aniversário amanhã. Ele respondia, sempre: – Tomara. * * * Pouco antes de ir para o céu, se existir mesmo um céu, pediu gravador e deixou essa mensagem ‒ Se me acontecer alguma coisa, tenho certeza que darei tristeza grande a cinco ou seis pessoas; razoável, a mais dez pessoas; e alegria, para muita gente. Agora, a grande vantagem de alguma coisa me acontecer é que nenhum filho da puta mais vai me pedir para escrever um prefácio. * * * Nesta segunda ligou Ricardo Cravo Alvim, presidente do PENN CLUB do Brasil (importante entidade de escritores). Anunciando cerimônia para entregar, à família, diploma de Sócio Póstumo Bertrand Russel a Millôr. E pedindo a alguns membros, mais próximos dele, que dessem um breve depoimento para ser lido na sessão em sua homenagem. Mandei essas palavras: Millor era amigo certo de amigos incertos. Homem reto, apesar do empeno da coluna. Que sentia dores e quase todos os seus derivativos ‒ sobretudo amores, andores e ardores. Apreciador de bolo de rolo; e, para ser justo, de outros bolos e outros rolos. Alguém que acreditava na bolsa dos valores e nas boas ações. Que não gostava de roubar nem o tempo dos outros. Magro, no corpo. E gordo, nos sentimentos. Pobre, mas não de espírito. E rico, até de ilusões perdidas. Homem justo, em uma vida injusta, onde os dias passam tão devagar e os anos passam tão depressa. Dizem que Millôr morreu? Impossível. Que Millôr é terno. Eterno. Viva Millôr.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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As medidas provisórias do governo Lula

Para Rogério Schmitt, o resultado não é ruim como parece

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Indicadores de violência contra a mulher pioram, na contramão dos demais

Sociólogo Tulio Kahn elenca fatores que podem ter contribuído para o crescimento de crimes como o feminicídio

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum O Anuário de Segurança Pública de 2023 constatou o crescimento de diversos crimes e indicadores de violência contra a mulher, não obstante a queda dos homicídios em geral e de diversos crimes patrimoniais no último quinquênio. Assim, por exemplo, com relação a 2021, os homicídios com mulheres como vítimas cresceram 1,2% e os feminicídios, 6,1%, na contramão das mortes violentas em geral, que caíram 2,4%. Isto fez com que os feminicídios representem hoje mais de um terço dos homicídios de mulheres no País. As tentativas de homicídio de mulheres aumentaram 9,3%, enquanto as tentativas de feminicídio cresceram quase 17% em um ano. Ainda neste contexto, a lesão corporal dolosa praticada em contexto doméstico variou 2,9% para cima, o que explica em parte o crescimento correlato de 13,7% das medidas protetivas de urgência (MPU) concedidas pela Justiça entre 2021 e 2022. Outro indicador do fenômeno é o número de chamados ao sistema 190 da Polícia Militar, que aponta um crescimento de 8,7% nos casos de violência doméstica. Para completar o quadro, as ameaças às mulheres subiram 7,2% em 2022, as perseguições passaram de 31 mil para 54 mil casos e os registros de violência psicológica contra mulheres subiram de 11 mil para cerca de 24 mil casos. Uma primeira observação é que este resultado deve refletir, em parte, o crescimento do próprio fenômeno e, em parte, o aumento da notificação pelas vítimas ou ainda o uso de novas classificações pelo sistema de justiça criminal. É nitidamente o caso das perseguições e violência psicológica, com a nova redação da Lei 14.132/2021. O mesmo, provavelmente, se aplica aos casos de assédio sexual e importunação sexual, que cresceram respectivamente 49,7% e 37% de 2021 para 2022. Existe um aprendizado mais ou menos lento dos operadores do sistema de justiça criminal, que aos poucos vão conhecendo e aplicando os novos esquemas de classificação, como aconteceu com o feminicídio, tipificado em 2015, que aos poucos vem substituindo o uso de homicídio contra mulheres. Este aprendizado explica porque no Distrito Federal 59,4% das mortes de mulheres sejam classificados como feminicídio, em contraste com apenas 9,1% dos casos em Roraima. Crimes são fenômenos sociais relativamente estáveis e inerciais. Mudanças bruscas como as vistas são usualmente resultado de alterações em definições jurídicas, sistemas de registro e contabilização e do processo social de produção dos dados criminais. A segunda nota é que muito se falou durante a epidemia da Covid-19 sobre o impacto do isolamento social na violência contra mulher, em razão da convivência forçada com seus parceiros no âmbito doméstico ou da piora da saúde mental. Há alguma evidência também do aumento do consumo de álcool durante a pandemia, fator tradicionalmente ligado à violência (Garcia, 2020). A expectativa, assim, é de que os indicadores de violência contra a mulher caíssem em 2022, na comparação com 2021, ano de pandemia, e não o contrário. Por que os indicadores pioraram então? Bueno e colegas (Bueno, 2023) levantam como hipóteses explicativas para o piora o desfinanciamento das políticas de proteção à mulher na gestão passada, a piora nos serviços de acolhimento e proteção às mulheres, o crescimento dos crimes de ódio e do conservadorismo na política brasileira e finalmente, uma reação masculina aos avanços da participação feminina na sociedade. Tão intrigante quanto o vertiginoso crescimento da violência contra a mulher pós-epidemia é a distribuição geográfica desta violência. Com os índices mais baixos vemos os Estados do Nordeste e do Sudeste. Centro Oeste, Sul e Norte, por sua vez, têm os índices mais elevados. O que está por traz desta distribuição? Grau de participação das mulheres na sociedade? Sensibilização com relação à notificação pelas vítimas? Diferentes práticas de registro do sistema de justiça criminal? Infelizmente não temos medidas de muitas destas dimensões teoricamente relevantes. Em geral, quanto maior a suspeita de que os agressores estavam alcoolizados no momento da agressão, maior o volume de novos portes de arma e maior o percentual de mães chefes de família sem fundamental completo, maior é o índice de violência contra a mulher no Estado. A dinâmica dos homicídios femininos é, de fato, diferente da dos feminicídios. Uma análise de perfil mostra que os feminicídios, comparados aos homicídios, são proporcionalmente mais cometidos dentro da residência, por conhecidos, com arma branca etc. Uma hipótese bastante plausível para o crescimento da violência contra as mulheres é a do crescimento das armas nas mãos dos CACs, que passaram de 13.378 para 783.385, uma variação de 5.755% entre 2005 e 2022. A questão do álcool, como discutimos, é mais complexa. Embora não existam dados recentes a respeito, a expectativa é de que o consumo de álcool voltaria a cair com o fim da epidemia. Mas esta relação precisa ser mais bem investigada, pois há estudos que apontam, ao contrário, que o consumo de álcool pode ter caído durante a epidemia e que agora estaríamos presenciando um retorno aos padrões de consumo anteriores, o que é coerente com um crescimento da violência contra a mulher observado no Brasil (Bollen, 2022; Carbia, 2022; Mangot-Sala, 2022). As outras variáveis socioeconômicas – tais como taxa de analfabetismo, renda per capita ou percentual de mães chefes de família sem o fundamental – são do tipo que se movem lentamente e não consta que tenham sofrido grandes alterações nos últimos anos. O mesmo, aliás, se aplica a variáveis como “cultura machista” e outros padrões de comportamento, que se movem devagar. São assim menos aptas a explicar as mudanças bruscas nos indicadores de violência contra a mulher do que variáveis criminógenas, como consumo de álcool e armas em circulação, afetadas pela pandemia e pela nova legislação. Em resumo, adicionalmente aos fatores elencados por Bueno et all., acreditamos que alterações na notificação por parte das vítimas, aprendizado no uso de novos tipos jurídicos e mudanças na circulação de armas, entre outras variáveis, podem explicar o crescimento observado nos indicadores de violência contra a mulher, em contraste com a tendência de queda das mortes violentas. Bibliografia BOLLEN, Zoé et al. Longitudinal assessment of alcohol consumption throughout the first COVID-19 lockdown: contribution of age and pre-pandemic drinking patterns. European Addiction Research, v. 28, n. 1, p. 48-55, 2022. Bueno, Samira; Martins, Juliana; Lagreca, Amanda; Sobral, Isabela; Barros, Betina e Brandão, Juliana. O crescimento de todas as formas de violência contra a mulher em 2022. Anuário de Segurança Pública de 2023, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. CARBIA, Carina et al. Associations between mental health, alcohol consumption and drinking motives during COVID-19 second lockdown in Ireland. Alcohol and Alcoholism, v. 57, n. 2, p. 211-218, 2022. Cerqueira, Kahn, Bueno e Lins. Armas de Fogo Homicídios no Brasil. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022. Garcia, L. P., & Sanchez, Z. M.. (2020). Consumo de álcool durante a pandemia da COVID-19: uma reflexão necessária para o enfrentamento da situação. Cadernos De Saúde Pública, 36(10), e00124520. https://doi.org/10.1590/0102-311X00124520 MANGOT-SALA, Lluís et al. The impact of the COVID lockdown on alcohol consumption in the Netherlands. The role of living arrangements and social isolation. Drug and alcohol dependence, v. 233, p. 109349, 2022. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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