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A polêmica sobre a representatividade dos Estados na Câmara

Cientista político Rogério Schmitt escreve sobre a ideia de ajustar as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados ao novo censo

  Rogério Schmitt, cientista político e coordenador do Espaço Democrático Edição Scriptum     O IBGE divulgou recentemente os primeiros resultados do Censo Demográfico 2022, que revelou oficialmente quais foram os Estados que perderam população desde o Censo de 2010 e também quais foram os que tiveram crescimento populacional no mesmo período. Como seria de se esperar, esses novos dados sobre a dinâmica populacional brasileira trouxeram de volta o debate político sobre a necessidade de possíveis ajustes no tamanho das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, cuja composição regional permanece a mesma desde a década de 1990. Esse debate precisa ser feito com muito cuidado. Existe um lugar comum circulando por aí, já há muito tempo, que diz que a atual distribuição de cadeiras na Câmara entre os Estados favoreceria Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em detrimento de Sudeste e Sul. Tal hipótese não só não encontra apoio nos dados empíricos como também frequentemente aparece associada a uma outra, fortemente carregada de ideologia, que seria a suposta submissão do Brasil “moderno e urbano” ao Brasil “rural e oligárquico”. Não precisamos recorrer a teorias da conspiração para entender a verdadeira natureza da questão. A origem real da distorção no tamanho das bancadas estaduais na Câmara Federal se encontra na Constituição de 1988. Por um lado, ela estabeleceu um critério de proporcionalidade entre a população de cada Estado e o respectivo número de deputados federais. Por outro lado, a Constituição também determinou que nenhum Estado – independentemente da região do País em que se localiza – pode ter menos de oito ou mais de 70 deputados federais. O resultado prático destes limites constitucionais foi o favorecimento dos antigos territórios da região Norte promovidos a Estados (Rondônia, Acre, Roraima e Amapá), além da criação do Estado do Tocantins. Cada um deles elege oito deputados, apesar de suas populações serem proporcionalmente bem menores. No outro extremo, a regra constitucional prejudica exclusivamente o Estado de São Paulo, a única unidade da federação submetida ao teto de 70 deputados. Caso este limite não existisse, devido à sua magnitude populacional, o Estado faria jus a algo como 110 cadeiras na Câmara. Não se trata, portanto, de uma clivagem entre Sul e Sudeste e o resto do País. Basta conferirmos os números, já atualizados pelo Censo 2022. Os quatro Estados do Sudeste, por exemplo, têm 41,8% da população brasileira, mas somente 34,9% da Câmara. Como vimos, tal sub-representação decorre, basicamente, do teto a que São Paulo está submetido. Por sua vez, os sete Estados da região Norte, com somente 8,5% da população do País, elegem 12,7% dos deputados federais. Como também vimos, isso se deve ao piso constitucional que beneficiou a maioria daquelas unidades da federação. Não há distorções tão graves nas bancadas legislativas das outras três macrorregiões brasileiras. É fato que há uma pequena sobre-representação do Nordeste, mas o mesmo fenômeno também se repete (em menor escala) para a região Sul. E no Centro-Oeste a proporcionalidade é quase perfeita. A extinção ou a atenuação do piso e do teto constitucionais para os tamanhos das bancadas estaduais seriam as únicas soluções reais para tornar menos desproporcional a divisão de cadeiras na Câmara. Mas este parece ser um cenário não apenas politicamente improvável como também até indesejável do ponto de vista das relações federativas. Outra possibilidade seria ajustar aos números do novo Censo os tamanhos das bancadas estaduais que não estivessem sujeitas aos limites constitucionais. Relatos da imprensa indicam que ao menos um projeto de lei com essa finalidade já começou a tramitar no Congresso. Nesse desenho alternativo, nada menos que 14 Estados seriam afetados pela revisão proposta. Sete estados (Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Piauí, Paraíba, Pernambuco e Alagoas) perderiam cadeiras na Câmara, enquanto outros sete (Santa Catarina, Pará, Amazonas, Minas Gerais, Ceará, Goiás e Mato Grosso) ampliariam as suas bancadas. O problema desta suposta solução é que seriam redistribuídas somente 14 das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. E as distorções entre as regiões iriam até aumentar. A região Norte, por exemplo, que já é a maior beneficiada pelas distorções existentes, ganharia 6 cadeiras adicionais. Seria muito conflito federativo para quase nenhuma mudança. Na prática, portanto, penso que o cenário mais provável no que diz respeito à representatividade dos Estados na Câmara dos Deputados – apesar das novas dinâmicas da demografia brasileira – continuará sendo a manutenção do status quo.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Incentivos fiscais promovem desenvolvimento socioeconômico?

Consultores do Espaço Democrático analisaram eficiência dos programas bancados pelo governo com renúncia tributária

 

    Redação Scriptum   A política de incentivos fiscais para a instalação de empresas nos Estados do Norte e Nordeste do País foi tema da reunião semanal do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD, nesta terça-feira (15). A discussão usou como pano de fundo a possibilidade de os benefícios tributários concedidos ao Grupo Stellantis – montadora das marcas Jeep, Fiat, Citroën, Peugeot e RAM, baseada em Pernambuco – serem estendidos até 2032 no escopo do projeto de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional. Por operar na região Nordeste, a empresa tem como principal benefício a redução de 75% no valor a ser pago em Imposto de Renda, o que representa aproximadamente R$ 5 bilhões anuais. O debate se deu em torno de quatro eixos: a tese segundo a qual os estímulos por meio de renúncia fiscal promovem desenvolvimento socioeconômico nas regiões onde as empresas beneficiadas se instalam; o desequilíbrio na relação entre o número de deputados federais e a população dos Estados que representam; a propensão do parlamento em aderir rapidamente a propostas de benefícios para as suas regiões; e a mensuração de resultados desses programas. O coordenador nacional de Relações Institucionais da fundação, Vilmar Rocha, abordou a questão do ponto de vista de quem foi deputado federal durante duas décadas. Segundo sua análise, as bancadas do Norte e do Nordeste são majoritariamente sensíveis a políticas de benefícios fiscais. “É uma questão cultural”, disse. “E o resultado dessas isenções para o desenvolvimento socioeconômico daquelas regiões é historicamente menor que em outras”, apontou. Ele citou como exemplo a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) autarquia criada no final da década de 1950 com o propósito de fomentar a economia regional. “Investiu bilhões no Nordeste e o resultado ficou muito aquém do esperado”. Ele comentou também números do último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrados pelo cientista político Rogério Schmitt, que fez uma comparação da proporcionalidade entre as bancadas na Câmara Federal e a população de cada região do País: Sudeste, 41,8% da população e 34,9% dos deputados; Sul, 14,7% da população e 15% de representação na Câmara; Nordeste, 26,9% da população e 29,4% dos deputados; Norte, 8,5% da população e 12,7% da Câmara; e Centro-oeste, 8% da população e 8% da Câmara. “Desde a Constituição de 1988 o princípio democrático do ‘um homem, um voto’ não tem sido aplicado de maneira absoluta porque a legislação determina que cada Estado deve ter no mínimo oito e no máximo 70 deputados, independentemente da população, o que é uma moderação da tese do ‘um homem, um voto’”, disse. “Muita gente defende a adoção da proporcionalidade pura, principalmente os paulistas, já que São Paulo é o Estado mais prejudicado pela moderação – deveria ter entre 110 e 112 deputados –, enquanto os menores acabam ganhando, mas sou a favor dela em razão dos desequilíbrios do País e não acredito que os Estados sub-representados sejam prejudicados: por exemplo, se pegarmos os oito Estados que tem o número mínimo de deputados previsto em lei, somam 64, enquanto São Paulo tem 70”. Vilmar lembrou que desde 1993 o Congresso não atualiza a proporcionalidade da representação com base no Censo, o que poderá ser feito até 2025, véspera da próxima eleição para a Câmara. O economista Luiz Alberto Machado falou sobre o desenvolvimento socioeconômico das regiões Norte e Nordeste. Apontou que de acordo com o último censo, embora a renda per capita domiciliar brasileira tenha crescido 19% entre 2021 e 2022 – de R$ 1.367,00 para R$ 1.625 – estão nessas duas regiões os Estados com as cinco piores rendas: Maranhão, Alagoas, Amazonas, Pernambuco e Bahia. Da mesma forma, o Norte-Nordeste concentra os cinco Estados com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD): Maranhão, Alagoas, Amapá, Pará e Piauí. “Não há dúvida de que a qualidade de vida tem melhorado no Brasil nos últimos anos e os programas de transferência compulsória de renda, como o Bolsa Família, tem contribuído para isso”, disse o economista. Ele destacou, porém, que por se tratar de um problema histórico, resultados mais expressivos demoram a aparecer. “O Maranhão, por exemplo, com 40 das 50 cidades mais pobres do Brasil, vem apresentando indicadores sociais muito ruins, mas o Piauí, ao contrário, tem tido constante melhora”. Machado lembra uma peculiaridade daqueles Estados, especialmente os do Nordeste: a elevada concentração de renda e riqueza nas mãos de poucas famílias. O consultor em saúde Januario Montone lembrou que a melhoria geral do IDH ao longo das últimas décadas pode estar ligada às políticas públicas implementadas pelo governo federal. “O IDH tem três indicadores, renda, educação e saúde, que é longevidade, e a partir da criação do SUS houve um impacto muito forte na expectativa de vida do brasileiro, de quase 15 anos”, apontou. “Na região Nordeste, a intensificação do Programa Saúde da Família fez uma diferença muito grande principalmente na mortalidade infantil e no acompanhamento de doenças crônicas O sociólogo Tulio Kahn levantou uma questão importante: a deficiência do estado brasileiro de aferir impactos dos programas que financia. “É incrível que em um projeto de bilhões como este da Stellantis, em Pernambuco, não sejam separados R$ 50 mil para a avaliação do impacto, o que não é difícil de fazer: é um projeto espacialmente concentrado e com data de início”, disse. Segundo Kahn, é possível avaliar os efeitos por meio, por exemplo, da comparação com outros municípios de perfil socioeconômico parecido que não tenham sido beneficiados. “Não há esta tradição de avaliar impactos no Brasil e por isso investe-se muito mal”. Participaram da reunião on-line do Espaço Democrático os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o superintendente da fundação Espaço Democrático, João Francisco Aprá, o gestor público Januario Montone, o médico e filosofo Antônio Roberto Batista e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação do PSD.

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Economistas

  Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático   “Raramente os economistas, quando se encontram, conseguem chegar a algum consenso. O que é ótimo, pois é muito provável que estivessem todos errados.” John K. Galbraith   O Dia do Economista é comemorado no dia 13 de agosto. Tendo me graduado em Ciências Econômicas […]

  Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático  

"Raramente os economistas, quando se encontram, conseguem chegar a algum consenso. O que é ótimo, pois é muito provável que estivessem todos errados."

John K. Galbraith

  O Dia do Economista é comemorado no dia 13 de agosto. Tendo me graduado em Ciências Econômicas e dedicado boa parte da minha carreira profissional à atividade acadêmica, exercendo, com muito orgulho, a ocupação de professor, me acostumei a todo tipo de considerações sobre a economia e a profissão de economista, em especial às que se referem à complexidade da teoria econômica e à falta de consenso entre os economistas. Há de todo tipo e de autores diversos. Entre os próprios economistas, além da utilizada na epígrafe, do consagrado John Kenneth Galbraith, cito uma de Joseph Schumpeter: "Não confio em dois tipos de pessoas: arquitetos que afirmam construir barato e economistas que declaram ter respostas simples"; uma de Roberto Campos: "Sempre que temos um problema econômico de difícil solução, substituímos a matemática pela matemágica"; e outra de Gustavo Franco: "Erros e acertos, intencionais ou não, ocorrem todo o tempo nessa profissão em que não há base científica para o ofício de profeta, mas há enorme demanda por profecia". Dos não economistas, menciono George Bernard Shaw: "Se todos os economistas fossem postos lado a lado eles não iriam alcançar uma conclusão". Há também uma piada que se tornou clássica, cuja autoria original não sou capaz de precisar: “A economia é o único campo onde duas pessoas podem ganhar um Prêmio Nobel dizendo exatamente coisas opostas". Em se tratando de existência ou não de consenso, vou me ater neste artigo a dois fatos recentes e dois livros lançados em 2023 que servem perfeitamente para ilustrar essa característica. Dos fatos recentes, o primeiro exemplo de falta de consenso se deu com a indicação, por parte do presidente Lula, do economista Marcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de fazer a indicação sem consultar a titular do Ministério do Planejamento, Simone Tebet (que parece estar se acostumando a "levar bola nas costas", como se diz no jargão futebolístico), ao qual o órgão está subordinado, o presidente da República deu mais uma indicação de que, ao contrário do que costumava fazer em seus mandatos anteriores, faz agora escolhas de nomes que sejam fieis a ele pessoal e ideologicamente. Só assim se explica a indicação de um economista que teve uma passagem questionável pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), onde demitiu técnicos competentes e interferiu nos trabalhos por razões ideológicas e que mereceu comentários de personalidades de inegável competência. De Edmar Bacha, um dos componentes da equipe que elaborou o Plano Real: "Como ex-presidente do IBGE estou ofendido. Ele é um ideólogo da ala esquerda do PT e não terá problema nenhum em colocar o IBGE a serviço dessa ideologia"; de Elena Landau, ex-assessora da presidência do BNDES e, posteriormente, diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização e coordenadora do programa da candidata Simone Tebet: "É um dia de luto para a estatística brasileira. É uma pessoa que não entende de estatística e não tem preparo para presidir o IBGE". O segundo exemplo de escolha, na direção oposta, por ser recebida com aplausos generalizados, se deu com a eleição, pela Ordem dos Economistas do Brasil, de Felipe Salto para Economista do Ano, retomando uma tradição iniciada em 1959 e interrompida por três anos por conta da pandemia de Covid. A sugestão de Felipe Salto foi feita pelo ex-ministro Delfim Netto ao Conselho Superior da Ordem e aprovada por unanimidade. É um reconhecimento do excelente trabalho de Salto como secretário da Fazenda do governo de São Paulo na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB) e de suas realizações à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI) no Senado, inclusive na fundação e atuação como primeiro diretor-executivo. Formado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e atual economista-chefe e especialista em Política Fiscal da Warren Rena, Salto é, aos 36 anos, o mais jovem dentre os laureados na história do prêmio. Entre os livros sobre economia, taxados recentemente de superados pelo presidente Lula, cito, como exemplo de falta de consenso, A hora dos economistas (Rio de Janeiro: Sextante, 2023), de Binyamin Applebaum, principal redator do Conselho Editorial do The New York Times. Escrito em 2019, mas lançado no Brasil apenas em 2023, o livro tem como subtítulo: "Falsos profetas, livre mercado e a divisão da sociedade". Foi bem recebido por boa parte da opinião pública norte-americana. O jornal The New Republic, por exemplo, afirmou que "o autor expõe o impacto dramático da ação dos economistas nas políticas governamentais e, assim, revela que a ciência econômica não é uma abstração isenta de viés, mas uma ciência política e moral". Já para a renomada revista The Economist, trata-se de "uma história bem contada sobre como economistas audaciosos ajudaram a reescrever as políticas públicas nos Estados Unidos, na Europa e em todos os mercados emergentes". O mérito maior do livro, a meu juízo, consiste em traçar um panorama sobre a evolução do pensamento econômico, com extenso debate sobre o papel do governo na economia, contrapondo pontos de vista de economistas de diferentes posições. Nesse aspecto, destaque para o capítulo Friedman versus Keynes (pp. 51-70). No decorrer do livro, o autor discorre sobre o perfil de economistas que deixaram profundas marcas na vida americana, como o libertário (sic) Milton Friedman¹, o mais importante de sua geração; George Stigler, principal responsável por derrubar a visão do pós-guerra da concentração de empresas; Robert Mundell, cujo trabalho serviu de base para a economia pelo lado da oferta; Arthur Laffer, que popularizou as ideias de Mundell e ajudou a tornar os cortes de impostos um elemento básico da política econômica conservadora; Thomas Schelling, que estabeleceu um valor em dólar para a vida humana; e Alan Greenspan, que não considerava a regulação financeira parte de seu trabalho como presidente do Federal Reserve. Crítico da economia de mercado, o autor se opõe à crença de que o governo deveria parar de tentar controlar a economia e de que os mercados produziriam crescimento permanente, permitindo que todos aproveitassem seus benefícios. Na visão de Applebaum, a promessa de crescimento estável e prosperidade compartilhada expressa por esses economistas que tiveram enorme influência na política econômica, principalmente a partir dos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, na década de 1980, não se tornou realidade. Em vez disso, a economia de mercado contribuiu para a desigualdade, o enfraquecimento da democracia liberal e a falta de perspectiva das futuras gerações. A hora dos economistas está longe de ser um livro de leitura fácil, exigindo conhecimentos básicos de teoria macroeconômica, de finanças públicas, de história do pensamento econômico e da história recente dos Estados Unidos. Encerro comentando um livro que, embora de lançamento recentíssimo, tem tudo para se constituir num sucesso editorial, apesar de focalizar um tema extremamente árido e por vezes desagradável. De autoria do economista Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Monetários (CVM) e fundador do Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais(CEBRI), Crises Financeiras (São Paulo: Portfolio-Penguin, 2023), que tem a coordenação do experiente jornalista Fábio Pahim Jr., discorre sobre crises financeiras antigas e recentes em suas três partes: a primeira sobre crises mundiais, a segunda sobre crises brasileiras e a terceira sobre as lições deixadas por elas e como podem ser úteis para que não se repitam indefinidamente. Embora tenha por subtítulo Brasil e mundo (1929-2023), a incursão de Roberto Teixeira da Costa pelo universo das crises começa bem antes, passando pela Mania das Tulipas, ocorrida na Holanda em princípios do século XVII, e pelas bolhas da South Sea Company e da Companhia do Mississippi (séculos XVIII e XIX). De maneira mais detalhada, o autor mergulha no crash da Bolsa de Nova York em 1929, que deu origem à Grande Depressão, a maior crise vivida pelo capitalismo ocidental, cujas consequências se estenderam até a segunda metade do século 20. Prosseguindo na parte mundial, são examinados os impactos das crises do petróleo (1973 e 1979), dos casos da Enron e do Lehman Brothers, da bolha das pontocom nos anos 2000, da febre das hipotecas subprime e, finalmente, da pandemia da covid e da invasão da Ucrânia pela Rússia. Na parte sobre o Brasil, o autor começa com a chegada de D. João VI, comentando, a seguir, as contribuições do Barão de Mauá e o episódio do Encilhamento, na gestão de Rui Barbosa como ministro da Fazenda. Ingressando no século 20, analisa o efeito sobre a economia das duas grandes guerras, do ciclo autoritário de Getulio Vargas e dos primeiros anos do regime militar. A crise de 1971 evidenciou a urgência de fiscalizar o mercado de capitais, culminando na criação da CVM, na nova Lei das Sociedades Anônimas e no fortalecimento das ações ordinárias. A difícil convivência com a inflação crônica e a imprevisibilidade decorrente de sucessivos pacotes econômicos são objeto de olhar apurado. Depois de enfatizar a extraordinária importância do Plano Real para a estabilização da economia brasileira, Roberto Teixeira da Costa percorre episódios recentes como a crise da Petrobras, a ascensão e queda de Eike Batista, a revolução digital e as criptomoedas, chegando até o caso das Lojas Americanas, que veio a público nos primeiros dias de 2023, coincidindo com o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Com o olhar de quem vivenciou muitos dos episódios narrados, Roberto Teixeira da Costa consegue apresentar o legado institucional de cada um e indica, na parte final, como não cometer os mesmos equívocos. E o faz de forma bastante acessível, razão pela qual o livro pode ser lido – e apreciado – não apenas por economistas, mas também por qualquer pessoa, ligada ou não, aos mercados financeiro e de capitais.     ¹ O autor utiliza a expressão liberal no sentido americano e não inglês do termo, como normalmente se faz no Brasil. Nesse sentido, liberal é utilizado para designar economistas mais ligados ao Partido Democrata, que, nos Estados Unidos, são adeptos de uma maior intervenção do governo na economia, como é o caso de John K. Galbraith, Paul Krugman e Walter Heller.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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A desigualdade educacional aumentou, e agora?

Para Alexandre Schneider, MEC deve aproveitar momento de revisão do Ideb para construir novo índice capaz de identificar melhor as disparidades da educação

  Alexandre Schneider, pesquisador da FGV/DGPE, pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo da gestão de Gilberto Kassab Edição: Scriptum   Sob qualquer prisma, hoje é possível afirmar que falhamos em reduzir a desigualdade educacional no Brasil. Nas redes públicas o abismo entre estudantes mais pobres e ricos, negros e brancos e entre escolas da mesma rede aumentou antes mesmo da pandemia de Covid-19. A diferença de desempenho entre estudantes ricos e pobres subiu 39% em língua portuguesa e 31% em matemática nos anos iniciais do ensino fundamental entre os anos de 2007 e 2017, segundo estudo dos pesquisadores Leonardo Rosa (Instituto de Pesquisa para Políticas de Saúde), Martin Carnoy (Universidade Stanford) e Alexandre Simões (Universidade de Chicago). Todos os Estados brasileiros, com exceção de São Paulo e Paraná, apresentaram aumento da desigualdade educacional no período. Nesse espaço de tempo, também ampliou-se a desigualdade entre estudantes negros e brancos nos anos iniciais. Desde a criação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em 2007, a única etapa do ensino básico que registrou avanços consistentes no indicador foi a dos anos iniciais do ensino fundamental. Como a desigualdade aumentou também nessa etapa, o que pode se inferir é que os maiores beneficiários dessa melhora foram estudantes brancos de renda mais alta. São pretos e pobres aqueles com pior desempenho escolar e maior taxa de evasão e repetência. Diante disso, precisamos de um novo conjunto de políticas educacionais. De início, devemos passar a entender como sucesso educacional um axioma simples: todas as crianças e adolescentes brasileiros devem estar matriculados no ano escolar correspondente à sua idade, aprendendo. Em um país em que quatro em cada dez estudantes concluem o ensino médio na idade certa, com apenas 7% deles aprendendo o esperado em matemática, não deixa de ser uma meta desafiadora. Mudar o que consideramos o indicador de sucesso educacional seria o 1º passo. O Ideb é calculado a partir das médias de proficiência dos estudantes na Prova Brasil, exame nacional promovido pelo MEC (Ministério da Educação), e pela taxa de aprovação, que mede quantos dos estudantes matriculados terminaram o ano letivo aprovados. Como o cálculo do índice utiliza a média dos resultados dos estudantes, pode mascarar resultados ruins de um grande contingente de alunos e levar a escola a priorizar estudantes com melhor desempenho escolar, deixando de lado aqueles que mais precisam de atenção. O outro componente, a taxa de aprovação dos estudantes regularmente matriculados nos anos pares, despreza aqueles que estão fora da escola e mesmo a taxa de aprovação nos demais anos. Sem deixar de reconhecer a grande contribuição que sua criação deu à educação, o Ideb pode ser aperfeiçoado na forma de um indicador que ilumine as desigualdades educacionais e considere todo o contingente de estudantes, não apenas os que compareceram à prova. O sucesso de uma rede de ensino não pode ser apenas a medida da média da proficiência de poucos estudantes e sua taxa de aprovação, mas uma medida que expresse a garantia do direito à educação: todos na escola, aprendendo. Aperfeiçoar o Ideb não é apenas importante para que iluminem as desigualdades educacionais, mas para que sejam induzidas políticas para sua superação. Desde que foi criado, o Ideb induziu a adoção de políticas alinhadas ao alcance de bons resultados – o que inicialmente foi positivo, mas também induziu ao descuido com grupos de estudantes mais vulneráveis e com aqueles que estavam fora da escola. É possível registrar crescimento no índice sem uma melhora significativa na proficiência. Também é possível que o índice de uma rede seja alto em relação às redes avaliadas, mesmo com um número baixo de estudantes com aprendizagem adequada. Aqui temos um dilema ético: para quem a gestão pública trabalha? Nesse momento, o MEC deve promover a revisão do Ideb, conforme prevê a legislação. É o melhor período para que possamos reconhecer sua importância ao tornar o debate educacional mais racional e darmos um passo adiante, construindo um índice capaz de iluminar as desigualdades e induzir um novo conjunto de políticas educacionais que não deixe nenhuma criança ou adolescente brasileiro para trás.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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