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Taxonomy - Destacão

Municípios superam Estados em gastos com pessoal

Roberto Macedo analisa os mais recentes dados das contas públicas, que revelam o salto dado pelas prefeituras nos gastos com funcionalismo

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Valores médios e medianos dos crimes contra o patrimônio em São Paulo

Monitorar pode ser um indicador relevante para testar se as políticas de enfrentamento estão sendo bem sucedidas, escreve Tulio Kahn

  Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum     Quanto se ganha com o crime, como um roubo, furto ou estelionato? É difícil responder a esta pergunta por uma série de motivos: boa parte dos crimes, principalmente de pequena monta, deixa de ser registrada pelas vítimas. Pesquisa de vitimização realizada pelo Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2024, em todas as regiões do País, aponta que apenas 18% das pessoas que sofreram golpes financeiros na internet e redes sociais registraram a ocorrência, o que dá uma noção do tamanho da subnotificação nestes casos. Depende também de quão “produtivo” é o criminoso e o tipo de alvo selecionado. E a distribuição dos valores é bastante assimétrica: alguns poucos crimes podem render dezenas de milhares de reais enquanto a maior parte deles rende muito pouco. Essa distribuição assimétrica torna o cálculo de médias bastante enganosas, assim como as tentativas de estimar quanto fatura a criminalidade em geral ou a organizada em particular. É possível obter alguma aproximação com base nos valores subtraídos em cada evento criminoso, por vezes declinado pelas vítimas no Boletim de Ocorrência, por razões de seguro ou no caso (improvável) de recuperação do dinheiro. Desde já observamos que a amostra tem um viés para cima, uma vez que a probabilidade de notificação sobe com o montante do valor subtraído. Mas o dado permite dar uma ideia de grandeza do lucro criminal ou prejuízo para as vítimas, da variação no tempo e das diferenças de ganho entre as modalidades criminosas. Para fazer estas estimativas nos valemos das bases de “objetos subtraídos” que a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disponibiliza em seu sítio na internet. Existem centenas de objetos subtraídos em centenas de modalidades criminais. Assim, filtramos a base extraindo apenas os casos onde o tipo de unidade é “Valor” e tipo de objeto é “Real”. Filtramos ademais as naturezas “furto”, “roubo”, “estelionato”, “extorsão e extorsão mediante sequestro”. Estes filtros cumulativos resultaram numa base de dados com  83.665 registros, coletados entre janeiro de 2023 e fevereiro de 2025. A tabela abaixo traz a contagem de casos, média de valor subtraído, mediada e desvio padrão, por tipo de crime. Como pode ser observado, existe uma diferença grande entre a média e a mediana, em todos os crimes. Essa variabilidade nos dados pode ser observada também pelo desvio padrão. Usar as médias nesse caso seria temerário, pois elas são fortemente influenciadas pela presença de alguns poucos casos com valores extremos. A mediana, como se sabe, é a medida de posicionamento central dos dados, o valor que divide a amostra de valores ao meio.     Assim, por exemplo, embora na média os roubos tenham causado prejuízos em torno de R$ 8 mil, em metade dos casos este valor foi inferior a R$ 350. Isso ocorre porque roubos misturam alvos lucrativos – como roubos a residência, estabelecimento bancário, saidinha de banco e caixas eletrônicos – e alvos menos lucrativos, como roubos no interior de transporte coletivo, cuja mediana gira em torno de R$ 65. O histograma com a distribuição dos valores dos roubos mostra, com efeito, que 57% dos casos de roubo estão na faixa até R$ 500. Um histograma agrupa os valores em faixas e ilustra bem a assimetria da distribuição: muitos roubos rendendo pouco e poucos rendendo muito. Este mesmo formato é válido para os demais crimes, com exceção dos estelionatos: apenas 15,2% dos estelionatos estão contidos nesta primeira faixa, até R$ 500, o que é um indicativo adicional de que esta modalidade criminal tem sido mais lucrativa do que as demais. Mais mesmo do que os casos de sequestro, que antigamente atingiam alguns poucos milionários e rendiam muito. Atualmente, a média dos sequestros rende R$ 6 mil e a mediana é de R$ 650. Não paga nem os gastos com alimentação do sequestrado, se o cativeiro for longo... As diferenças de rendimento ajudam a entender porque alguns crimes estão em queda, como os roubos e as extorsões mediante sequestro, enquanto outros estão em elevação. As penas para roubo e sequestro são bem maiores do que de estelionato, cuja mediana de rendimento é de cerca de R$ 2 mil, bem superior ao rendimento dos primeiros. Como pouca gente porta grandes quantias em dinheiro, um arriscado roubo a transeunte, a modalidade mais frequente de roubo, rende apenas R$ 250 (mediana) em espécie. Por isso o alvo principal dos roubos e furtos passou há muitos anos a ser o celular ou outros bens de alto valor agregado. Um estelionato cometido pela internet – usando o filtro adicional “tipo de local” - bem menos arriscado, rende 7,6 vezes mais (R$ 1.905, mediana). E o rendimento desta modalidade é crescente, passando de R$ 1.700 no primeiro trimestre de 2003 para R$ 2.247, tomando os dois primeiros meses de 2025. A título de comparação, a citada pesquisa de vitimização do Datafolha estimou que, em média, as fraudes no cartão de crédito deram um prejuízo de R$ 1,702 às vítimas enquanto os golpes com Pix e boletos falsos custaram em média R$ 1.470, valores relativamente próximos aos obtidos na consulta aos BOs. Mas os dados não são totalmente comparáveis, pois a pesquisa de vitimização inclui casos não registrados na polícia e trabalha com médias. Estas estimativas ajudam a entender também porque o alvo dos criminosos não é o valor em espécie, mas principalmente o aparelho celular, que vale não somente como coisa em si, mas principalmente para golpes nas contas bancárias e redes sociais das vítimas. Uma questão interessante que tem sido levantada é a da participação do crime organizado nos estelionatos e furtos cometidos mediante fraudes pelos meios eletrônicos. A modalidade atingiu níveis alarmantes em todo o País. Usando uma evidência anedótica, nos últimos meses, cerca de um terço das ligações que recebo no meu celular aparecem como possível fraude ou spam suspeito, geralmente ligações “do banco” pedindo para confirmar comprar realizadas com meu cartão de crédito... Além da escala do fenômeno, algumas regularidades são curiosas. Com exceção do DIPOL, que investiga casos envolvendo valores maiores em todos os departamentos territoriais, os valores envolvidos nos estelionatos são bastante similares, em torno da mediana de R$ 2 mil. Seria isso indício de organização criminosa ou fruto de alguma outra regularidade, onde os criminosos descobrem por tentativa e erro o “valor ótimo” a ser extorquido nos golpes? Esses valores e suas características nos ajudam a pensar alto em diferentes questões de políticas públicas, como penalidades e recursos que devem ser alocados no enfrentamento destas diversas modalidades criminais. Segundo a Senappen, o custo mensal de um preso no Estado de São Paulo em 2024 foi de R$ 2.185, o que dá algo em torno de R$ 26 mil por ano. Isso sem considerar os custos judiciais dos longos processos criminais, escoltas e outros custos intangíveis. Um roubo é um roubo e seu autor deve ser punido, qualquer que tenha sido o valor. Mas fazendo um cálculo bastante tosco, do ponto de vista estritamente financeiro, se a mediana de um roubo rende R$ 350, o encarceramento só valeria a pena para criminosos “produtivos”, aqueles que praticam 6 ou mais roubos por mês... Juizados especiais criminais e penas alternativas podem ser opções válidas de políticas públicas no caso de criminosos eventuais e ladrões de galinha. Estas estimativas podem ser utilizadas também para o cálculo do prejuízo total dos roubos, furtos e estelionatos, multiplicando as taxas de incidência levantadas pelas pesquisas de vitimização pelos valores medianos de cada modalidade. E para dar uma noção do faturamento do crime organizado e desorganizado. A escala dos golpes digitais e os valores envolvidos chegaram num ponto que não é mais possível pensar em enfrentar esta modalidade apenas por meio de investigação, que raramente acontece, no varejo. O crescimento desta modalidade talvez explique o aumento da sensação de insegurança, não obstante a queda de homicídios e outros crimes graves. A identificação feita pelas companhias telefônicas dos chamados suspeitos é um bom exemplo de ação para prevenir as fraudes no atacado, usando tecnologia e colaboração comunitária. Monitorar os valores envolvidos nos crimes pode ser um indicador relevante para testar se as políticas de enfrentamento estão sendo bem sucedidas. Ganhos baixos desestimulam algumas modalidades criminais e políticas como a redução dos valores dos saques, dos valores transportados pelos bancos, fracionamento de cargas, destruição de cédulas nos caixas eletrônicos (ink tags), limites de Pix e transferências e outras procuram atuar neste sentido. Para quem tiver curiosidade e analisar a base, montei um BI. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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40 anos com Mario Vargas Llosa

Luiz Alberto Machado escreve sobre a sua relação com a obra do escritor peruano, que morreu há alguns dias

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Recebi, com enorme tristeza, a notícia do falecimento de Mario Vargas Llosa, ocorrida em Lima no dia 13 de abril. Nascido em Arequipa, no Peru, Vargas Llosa tornou-se um cidadão do mundo graças á competência revelada como escritor de diversos estilos literários: romance, contos, ensaios, crônicas, críticas literárias, biografias, peças de teatro e artigos de jornais. Tal competência o levou a conquistar diversos prêmios, sendo o mais famoso deles o Nobel de Literatura em 2010. Confesso ter sido um dos que vibraram com a notícia de que a Academia Sueca, contrariando uma tendência ideológica, que naquela época vinha contemplando autores da esquerda “multicultural”, havia concedido o Prêmio Nobel de Literatura a Mario Vargas Llosa, um escritor alinhado com o pensamento liberal. Interessei-me profundamente por ele desde que li Conversa na catedral, no longínquo ano de 1980. Embora não fosse de fácil leitura, sobretudo para alguém desacostumado a seu estilo, o livro me encantou pela forma como descrevia a realidade política do Peru, país que eu havia tido a oportunidade de conhecer em 1971, num giro do time de basquete do Mackenzie por diversos países da América Latina, numa época em que minhas prioridades absolutas eram a bola e as quadras de basquete. De lá para cá, tive chance de ler muitos outros livros de Vargas Llosa: Tia Julia e o escrevinhador (também lido em 1980), Pantaleão e as visitadoras (lido em 1981), A guerra do fim do mundo (lido em 1982), Quem matou Palomino Molero? (lido em 1987), Peixe na água: Memórias (lido em 1995), A festa do bode e Travessuras da menina má (lidos em 2007), Elogio da madrastaCartas a um jovem escritor e Sabres e utopias, um conjunto de artigos cujo subtítulo é Visões da América Latina (lidos em 2010), A tentação do impossível: Victor Hugo e Os Miseráveis e A civilização do espetáculo (lidos em 2013), Os filhotes (lido em 2014), Cinco esquinas (lido em 2016), O chamado da tribo (lido em 2019), Tempos ásperos (lido em 2020) e, finalmente, Dicionário amoroso da América Latina (lido em 2022). Como se pode observar pelas datas das leituras de seus livros, não se tratou de uma leitura sistemática, uma vez que está repleta de intervalos maiores ou menores, além não seguir a sequência cronológica da publicação das obras. Mas foi uma leitura que esteve comigo por mais de quatro décadas, ao longo das quais foi possível acompanhar a transição do jovem e sonhador marxista para o liberal maduro e realista em que se converteu a partir de uma determinada época de sua vida, ao se decepcionar com algumas das experiências revolucionárias que haviam alimentado seus sonhos juvenis, tais como a soviética e a cubana. Tal transição me levou a escrever o artigo Peixe na água: trajetória de uma transição, publicada na Revista Facom da Faculdade de Comunicação da FAAP. Aliás, não foi fácil fazer essa transição, quer pelos conflitos internos que tiveram que ser vencidos, quer pelo enorme patrulhamento que sofreu de boa parte de artistas, intelectuais e jornalistas fortemente influenciados pelas ideias de Marx e de seus seguidores. Esse aspecto mereceu destaque no discurso de aceitação ao Prêmio Nobel, em Estocolmo: “Quando jovem, como muitos escritores da minha geração, fui marxista e acreditava que o socialismo seria o remédio para a exploração e as injustiças sociais que dominavam o meu país, a América Latina e o resto do Terceiro Mundo. Minha decepção com o estatismo e o coletivismo e a minha passagem para o democrata e liberal que sou - que tento ser - foi longa, difícil e ocorreu aos poucos por causa de episódios como a conversão da Revolução Cubana, que me entusiasmou de início, ao modelo autoritário e vertical da União Soviética, dos testemunhos dos dissidentes que conseguiam vazar dos muros do gulag, da invasão da Checoslováquia pelos países do Pacto de Varsóvia e graças a pensadores como Raymond AronJean-François RevelIsaiah Berlin e Karl Popper, aos quais devo a minha revalorização da cultura democrática e das sociedades abertas. Esses mestres foram um exemplo de lucidez e galhardia quando a intelligentsia ocidental parecia, por frivolidade ou oportunismo, ter sucumbido ao feitiço do socialismo soviético, ou pior ainda, à diabólica e sanguinária revolução cultural chinesa. Um fato serviu para aumentar meu interesse pela vida e pela obra de Mario Vargas Llosa. Em 1995, o Instituto Liberal do Paraná o convidou para uma palestra em Curitiba. Impressionado com a qualidade da mesma, perguntei a ele se podia publicá-la na série Ideias Liberais, uma publicação quinzenal do Instituto Liberal de São Paulo. Ele me falou que não a tinha por escrito e que havia sido feita de improviso. Expliquei a ele que a palestra havia sido gravada e que eu me proporia a fazer a degravação e a tradução para o português, submetendo o resultado final a ele, previamente, para que aprovasse a publicação. Uma vez de acordo, fiz o trabalho a que me havia proposto e ao receber o texto para aprovação ele me respondeu dizendo que, embora não fosse um expert em português, acreditava que a tradução estava muito boa. Quando publicada, A cultura da liberdade transformou-se num dos maiores sucessos de toda a série, obrigando o Instituto Liberal a fazer algumas reimpressões da mesma. Difícil destacar alguma coisa em particular da obra de Vargas Llosa, já que ela é integralmente valiosa e relevante. Contudo, gostaria de fazer algumas menções especiais. Embora a América Latina – e o Peru, em especial – permeie todo o trabalho de Vargas Llosa, a descrição feita por ele em A festa do bode, do governo de Trujillo na República Dominicana, e, através dele, dos desmandos e das corrupções que caracterizaram as diferentes ditaduras que proliferaram em nosso continente é, apesar de trágica, simplesmente fenomenal. Já que me referi à América Latina, segue um trecho de um artigo de 1988 reproduzido em Sabres e utopias: “Uma das atitudes latino-americanas mais típicas quando se procura explicar os nossos males tem sido a de atribuí-los a maquinações perversas urdidas no exterior pelos ignominiosos capitalistas de sempre ou – mais recentemente – pelos funcionários do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial. Embora seja principalmente a esquerda que insiste em promover essa “transferência” freudiana de responsabilidade pelos males da América Latina, o fato é que esse tipo de atitude se encontra muito difundido. [...] Tal postura constitui o principal obstáculo que nós, latino-americanos, temos diante de nós para romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento econômico. Se os nossos países não veem que a principal causa das crises em que se debatem está neles próprios, em seus governos, em seus mitos e costumes, em sua cultura econômica, e que por isso mesmo, a solução do problema virá principalmente de nós mesmos, de nossa capacidade de lucidez e de decisão, e não de fora, o mal jamais será conjurado”. Do discurso de aceitação ao Prêmio Nobel de Literatura, além do trecho já citado, faço questão de me referir a mais dois. O primeiro sobre as convicções liberais de Vargas Llosa: “Não devemos nos intimidar ante os que querem tirar a liberdade que conquistamos na longa façanha da civilização. Defendamos a democracia liberal que, com todas as suas limitações, ainda significa o pluralismo político, a convivência, a tolerância, os direitos humanos, o respeito à crítica, a legalidade, as eleições livres, a alternância de poder, tudo aquilo que nos tirou da vida selvagem e nos faz aproximar - embora nunca cheguemos a alcançá-la - da formosa e perfeita vida fingida pela literatura, aquela que só inventando, escrevendo e lendo podemos merecer. Ao enfrentarmos os fanáticos homicidas defendemos o nosso direito de sonhar e de tornar nossos sonhos realidade”. O segundo sobre a evolução verificada na América Latina na direção da consolidação das instituições democráticas, que têm permitido que a região comece, lenta e timidamente, a superar aquele vício supracitado de buscar culpados externos para todos os seus males: “Pela primeira vez em nossa história temos uma esquerda e uma direita que, como no Brasil, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia, República Dominicana, México e quase toda a América Central, respeitam a legalidade, a liberdade de crítica, as eleições e a renovação no poder. [...] Padecemos de menos ditaduras do que antes, somente Cuba e sua candidata a substituí-la, Venezuela, e algumas pseudo democracias populistas e palhaças, como as da Bolívia e da Nicarágua”. Deixei para o final a menção ao livro Cartas a um jovem escritor. A coleção, deliciosa de se ler, é constituída de nomes consagrados em diferentes campos do saber e do fazer, que dão sugestões a novatos que pretendem enveredar nesses respectivos campos. Entre os nomes que deram seus depoimentos nessa coleção encontram-se Fernando Henrique Cardoso (Cartas a um jovem político), Ozires Silva (Cartas a um jovem empreendedor), Ivo Pitanguy (Cartas a um jovem cirurgião), Gustavo Franco (Cartas a um jovem economista), Marília Pera (Cartas a uma jovem atriz), Bernardinho (Cartas a um jovem atleta), Laurent Suaudeau (Cartas a um jovem chef), Roberto Duailibi (Cartas a um jovem publicitário) e outros. De todos eles, acredito que foi Mario Vargas Llosa o que melhor captou a intenção do idealizador da coleção, pois em seu livro não se limitou, como a maioria dos outros, a fazer uma reconstituição da sua própria trajetória, escrevendo cartas verdadeiras sobre o significado e as formas de escrever um bom livro. Com os exemplos que ele utiliza para ilustrar cada “carta”, trata-se, de quebra, de uma notável relação de sugestões de leituras. Fica como minha recomendação de leitura tanto para os que querem como para os que não sonham nem nunca sonharam se tornar escritores.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Tarifaço de Trump pode enterrar sistema multilateral de comércio

Lucas Ferraz, especialista em comércio e relações internacionais, alerta que iniciativa, porém, foi deflagrada pelo Partido Democrata a partir do governo de Barack Obama 

      Redação Scriptum Com seu tarifaço contra amigos e inimigos geopolíticos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode ter jogado a pá de cal no sistema multilateral de comércio baseado em regras regulado pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Mas este não é um empreendimento pessoal e nem mesmo exclusivo do Partido Republicano, controlado hoje pelo presidente. “É importante desmistificar isto”, diz Lucas Ferraz, coordenador do núcleo de Estudos Globais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia entre 2019 e 2022. “É um movimento bipartidário, que cresceu dentro do governo americano no segundo mandato do democrata Barack Obama a partir de uma percepção que se tornou cada vez mais forte, de que a OMC não conseguiria moldar a China às práticas de mercado das economias capitalistas, expectativa que os americanos tinham em 2001, quando o país asiático foi admitido na organização”, diz. Em palestra sobre o cenário geoeconômico mundial após o tarifaço de Trump, Ferraz, que é professor da FGV há mais de 20 anos e entre 2023 e 2024 foi secretário de Negócios Internacionais do Governo de São Paulo, disse que esta percepção americana não deixa de ter suas razões: “A China tem práticas comerciais que confrontam as regras da OMC”. Ele lembrou, por exemplo, que embora seja o segundo maior comercializador do mundo, uma potência na área internacional, a China ainda se declara como país em desenvolvimento na OMC, e por esta razão tem tratamento especial e diferenciado em uma série de negociações. “O mesmo tratamento do Camboja e do Sri Lanka, por exemplo, pobres e em desenvolvimento”. Cenário de fundo Para o especialista em comércio e relações internacionais, os Estados Unidos passam por um grande problema doméstico, que é o pano de fundo político desde cenário disruptivo que tem sua face mais exposta no choque tarifário: a desigualdade social associada à perda de emprego no setor de manufatura, fatores que geram grande tensão social. “São dois problemas que vêm ocorrendo pelo menos desde a década de 1960 e não estão diretamente associados à globalização e nem à China, que entrou para valer na economia global na década de 1970”. Segundo ele, “os políticos, Trump inclusive, fazem esta correlação e atribuem os dois fenômenos à globalização, e em especial à China”. Ele aponta estudos empíricos que mostram que o causador da desigualdade e da perda de empregos, sobretudo para trabalhadores de menor qualificação, foi a automação acelerada. “Se compararmos a tendência de queda no emprego industrial entre 1960 e 1980, ou seja, pré-China, com a tendência entre 1980 e 2010, veremos que é a mesma, não houve mudança”. Ferraz acredita que as razões para os dois fenômenos são estruturais, e pergunta: por que os Estados Unidos tiveram tantos problemas e outros países desenvolvidos, como o Canadá e os da União Europeia, nem tanto? “A particularidade é que desde a década de 1980, os anos da era Ronald Reagan, há o desmonte do sistema de seguridade social americano; não tem colchão social, o desemprego não tem o amparo de uma rede de proteção social”, aponta. “Além disso, há um outro aspecto, o de que os americanos sempre foram caracterizados como pessoas que migram muito, se deslocam de uma região para outra para trabalhar, mas isto deixou de acontecer nos anos 1990, quando o país se tornou uma potência tecnológica de alto valor agregado, oferecendo uma concentração grande de atividades que requerem qualificação em boa parte das maiores cidades americanas; quem perdia emprego e não tinha qualificação para as vagas que se abriam, ficava para trás”, diz. Também contribuiu para excluir este contingente de desempregados o fato de que nessas grandes cidades, onde havia oferta de vagas qualificadas, o custo das moradias ficou alto demais e os trabalhadores sem qualificação não têm dinheiro para morar ali”. O especialista aponta que como os sucessivos governos americanos, republicanos e democratas, não resolveram o problema, abriu-se espaço para o populismo. “O problema não está aqui dentro, é a China, é a globalização, diziam, com a promessa de levar o país de volta ao início do século 20, quando os Estados Unidos tinham tarifas altas, cresciam mais e geravam mais renda, o que não é verdadeiro”, explica. “O grande período de prosperidade americana foi no pós-guerra, foi o país que mais se beneficiou do sistema multilateral baseado em regras”.   [caption id="attachment_39617" align="aligncenter" width="560"] Outro tema discutido no encontro semanal do Espaço Democrático foi o das pesquisas de avaliação do governo e de intenção de voto para a eleição presidencial do ano que vem.[/caption]     Liberation day Ferraz enfatizou que agora Trump dobrou a aposta do seu primeiro mandato, que já evidenciara resultados ruins com o movimento de aumento de tarifas de importação. Na época, lembrou, a guerra bilateral que manteve com a China na questão do aço, quando subiu a tarifa de 3% para 20%, o resultado foi que para cada vaga de emprego gerada no setor siderúrgico americano protegido, duas foram perdidas na cadeia produtiva que comprava esses insumos – automóveis, máquinas e equipamentos e construção civil. “Pior: a indústria americana teria tido queda de 8% na exportação de bens industriais com a perda de competitividade, por ter insumos mais caros, e quem ficou com esta conta foi o consumidor americano, que pagou o repasse integral das tarifas de importação”, afirmou. O professor da FGV lembrou que naquilo que Trump chamou de liberation day, o anúncio das tarifas, foi exibido o resultado de “uma fórmula de mesa de bar, na qual pegaram o déficit comercial com cada país e dividiram pelas importações feitas por eles”. Segundo ele, “as tarifas não têm nada de científicas ou recíprocas, são baseadas apenas na obsessão que o presidente tem de que os Estados Unidos são explorados por aqueles países com os quais têm déficits comerciais”. Oportunidades Ele considera que o desmonte da OMC é preocupante para o Brasil porque “em um mundo sem regras, quem perde mais é quem tem menos poder de barganha, é a lei da selva, a do mais forte, e não temos condições de sentar para negociar com os Estados Unidos”. Assim, mesmo tendo apoiado o Projeto de Lei da reciprocidade comercial, que permite ao governo brasileiro retaliar medidas que prejudiquem os produtos do país no mercado internacional, não é favorável a qualquer tipo de reciprocidade às tarifas de 10% que foram impostas aos produtos brasileiros. “Temos que buscar a via da diplomacia, da negociação, e tentar extrair o melhor diálogo possível neste momento que é de calma e racionalidade”, disse. “O Brasil tem diplomacia preparada e talhada para isto”. Segundo Ferraz, em certa medida o Brasil já se beneficiou. “A decisão americana deve vencer a resistência francesa ao acordo com o Mercosul”, diz. E destaca que onde há crise há oportunidades: “Brasil e Mercosul estão com acordos parados com o Canadá e o México, mas têm que ter olhar especial para a Ásia, onde está mais de 50% do nosso comércio”. Ele apontou que o País “precisa vencer o lobby da indústria brasileira, que é forte e a quem não interessa acordos para importação de bens industrializados”. Contradições nas pesquisas Outro tema discutido no encontro foi o das pesquisas de avaliação do governo e de intenção de voto para a eleição presidencial do ano que vem. O cientista político Rogério Schmitt exibiu as contradições levantadas pelas últimas pesquisas da Quaest e do DataFolha. Os dois institutos revelam que os índices de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, refletidos no desempenho do governo, nunca foram tão baixos – e Schimitt enfatiza que historicamente este tipo de pesquisa é o melhor preditor das chances de reeleição para um presidente. Em contrapartida, as pesquisas de intenção de voto para 2026 mostram que Lula lidera em todos os cenários de primeiro e segundo turnos, inclusive naqueles que incluem o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível. “O desempenho do candidato Lula é melhor do que o do presidente Lula”, diz o cientista político. Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Mário Pardini e José Luiz Portella, o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, os advogados Roberto Ordine e Helio Michelini, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, o ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira Cesário Ramalho e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação do PSD.

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