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Taxonomy - Rousseau e o Democratismo

4. Como Rousseau entende a origem do poder político

No que respeita à origem do poder político, o contexto em que Rousseau a situa acha-se muito próximo da maneira como Hobbes a descreveu, isto é, como decorrência de “uma guerra de todos contra todos”. Para ele, o desenvolvimento das atividades produtivas leva a uma tal ocupação das terras disponíveis que sua expansão somente poderia advir do emprego da violência.

  No que respeita à origem do poder político, o contexto em que Rousseau a situa acha-se muito próximo da maneira como Hobbes a descreveu, isto é, como decorrência de “uma guerra de todos contra todos”. Parece a Rousseau que o desenvolvimento das atividades produtivas tenha leva a uma tal ocupação das terras disponíveis que sua expansão somente poderia advir do emprego da violência. Os que não se tornaram proprietários, por sua vez, foram escravizados. Os ricos, escreve, “comportaram-se como esses lobos famintos que, tendo uma vez provado carne humana, rejeitam qualquer outro alimento e só querem devorar homens.” E mais: “pensam exclusivamente em usar seus escravos para submeter outros povos; às usurpações dos ricos seguem-se as pilhagens dos pobres.” Conclui: “À sociedade nascente seguiu-se um terrível estado de guerra; o gênero humano, aviltado e desolado, já não pode voltar atrás nem renunciar às infelizes aquisições que fizera e trabalhando apenas para a sua vergonha, pelo abuso das faculdades que o dignificam, colocou a si mesmo às portas de sua ruína.” Os ricos deram-se conta de que, para proteger seus interesses teriam que recorrer a algum artifício, buscando empregar em seu favor as próprias forças daqueles que os atacavam. E, assim, apresentaram a questão do governo como se não se tratasse de defender seus interesses, seu verdadeiro propósito, mas o de “resguardar os fracos da opressão contra os ambiciosos e assegurar a cada qual a posse do que lhe pertence”, e assim por diante. Tratando-se, geralmente, de homens grosseiros, aceitaram tais argumentos e “correram ao encontro de seus grilhões”. Assevera, finalmente: “tal foi ou deve ter sido a origem das sociedades e das leis, que criaram novos entraves para o fraco e novas forças para o rico, destruíram em definitivo a liberdade natural; da lei da propriedade e da desigualdade, de uma hábil usurpação fizeram para sempre um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, sujeitaram daí para a frente todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria.” Como se vê, a proposta do democratismo, que resumimos, tomando por base os textos básicos de Jean-Jacques Rousseau, descreve o quadro melancólico a que corresponderia, segundo sua visão, a sociedade de seu tempo. Requer, ainda, como igualmente referimos, uma obra de destruição sem piedade. Para permiti-lo requer-se a emergência de ambiente revolucionário, amplo o suficiente de modo a permitir que se expresse a vontade geral, confiando em que – ainda espontaneamente –, surjam as lideranças capazes de assumi-la e levá-la à prática. Como foi igualmente indicado, se bem que em fins da década de sessenta o governo francês haja proibido a difusão de sua obra, um decênio depois tal disposição começa a ser ignorada e, sucessivamente, passa a granjear adeptos e cultores de suas idéias, indicando que deveriam corresponder a algo presente na cultura francesa formada precedentemente. De modo que a Revolução desencadeada em 1889 que, aparentemente, aspirava aproximar-se da experiência inglesa, buscando transitar para a monarquia constitucional, logo degenerou em algo incendiário, que deixaria profundas marcas no curso ulterior da história da França.

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3. Como surgiu a desigualdade, segundo Rousseau

Nesta obra, dividida em duas partes, o filósofo e pensador usa a passagem do estado natural para o estado civil, ou seja, o estado social que então conhecemos, para mostrar como surgiu a desigualdade entre os homens.

Outro livro fundamental de Rousseau é A origem da desigualdade, cujo título completo é o seguinte: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, publicado em 1755. Indica que começou a meditar sobre o tema dois anos antes, inspirando-se numa proposição da Academia de Dijon, que abrira concurso tendo-a como tema. Dessa entidade, merecera prêmio anterior, relacionado a assunto diferente. Para Rousseau, quando se instaurou a propriedade, à qual se atribui a desigualdade, outros passos deveriam ter sido dados naquela direção, que se propôs investigar. Nessa investigação, parte da suposição de que existiriam dois instintos básicos, presentes no “homem natural”, isto é, anterior à sociedade. O primeiro seria o instinto de conservação. O segundo, conforme suas próprias palavras, “nos inspira uma repugnância natural ao ver perecer ou sofrer qualquer ser sensível, principalmente os nossos semelhantes.” No estado de natureza não se poderia falar em virtudes ou vícios. Essa avaliação é posterior e nos permite, a partir da presença daqueles instintos, verificar que o homem é bom por natureza, tem uma inclinação social sadia e a desigualdade não os afeta. Foi a vida em sociedade que alterou esse quadro. A passagem do estado de natureza para a vida em sociedade seria um processo espontâneo. Primeiro agruparam-se para viver em comum, os que tinham a mesma proveniência biológica. Nascem as famílias que, ainda espontaneamente, acabam por aproximarem-se. Dessa proximidade é que se instalam os germes da desigualdade. Sua descrição da vida selvagem é algo de róseo e bucólico. Exemplo: “Jovens de diferentes sexos moram em cabanas vizinhas, o relacionamento passageiro, exigido pela natureza, traz logo outro não menos doce e mais permanente, pelo convívio mútuo. À força de se verem já não podem passar sem se ver novamente.” Daí nasce o ciúme que acabará levando, como diz, “ao sacrifício de sangue humano”. Tal é o sistema de raciocínio a que recorre Rousseau para identificar a origem dos vícios e das maldades que, a seu ver, caracterizam a sociedade dos homens Originariamente trata-se de impulso altruístico que determina a ação isolada. Esta, em contato com outros homens, degenera mais das vezes em forma irreversível. O trecho a seguir é algo extenso mas muito expressivo da forma como construiu sua teoria. Senão vejamos: “Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar suas roupas de peles com espinhos de plantas ou espinhos de peixe; a enfeitar-se com penas e conchas; a pintar o corpo com diversas cores ou embelezar seus arcos e flechas... enquanto se aplicaram apenas às obras que um homem podia fazer sozinho e às artes que não precisavam de concurso de várias mãos, viveram livres, sadios, bons e felizes.... Mas a partir do instante em que um homem necessitou do auxílio de outro, desde que percebeu que era útil a um só ter provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as várias florestas se transformaram em campos que cumpria regrar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinaram e medraram com as searas.”

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2. O contrato social na visão de Rousseau

Uma reflexão acerca da noção de “vontade geral”, conceito desenvolvido pelo filósofo e introduzido por ele ao debate sobre a transição do chamado estado de natureza para a sociedade, mais precisamente, as razões que teriam impulsionado a formação do governo.

A proposta de reorganização a sociedade, devida a Rousseau, acha-se formulada no livro O contrato social (1862). Não se trata de que haja inventado o conceito que na verdade integrava a pauta moderna. O tema estava presente na discussão acerca do que se entendia como a transição do chamado estado de natureza para a sociedade, mais precisamente, as razões que teriam impulsionado a formação do governo. Iniciou-a Thomas Hobbes (1588/1679), no livro Leviatã (1651). Hobbes havia postulado que o estado de natureza conduzira a uma guerra de todos contra todos, exigindo-se a presença de um soberano para impor a ordem. Admitindo, como Hobbes, que a sociedade civil fora precedida de uma forma distinta de existência, John Locke (1632/1704) partiu da hipótese de que os homens decidiram restringir a própria liberdade a fim de preservar a propriedade. Optaram, portanto, pela existência da lei. Da tese de Hobbes resulta a preferência pela monarquia absoluta enquanto, a partir de Locke, o legislativo é que se constitui como poder supremo. Mais tarde esse regime foi denominado de monarquia constitucional. Rousseau adota todos os mencionados conceitos mas atribui-lhes sentido absolutamente diverso a partir de uma novidade que introduz no debate: a noção de vontade geral. Esse conceito escancara as portas para o que acabaria ocorrendo na Revolução Francesa e repetir-se-ia nos governos totalitários do século XX, a saber: a necessidade de quem a interprete. No arrazoado em que se  condena a sociedade existente acha-se compreendida a negação da possibilidade de que essa espécie de vontade possa manifestar-se. A quebra dos grilhões, propiciados pela Revolução Francesa (do ponto de vista do partidário dessa doutrina), criara as condições asseguradoras da manifestação da vontade geral, desde que  liderança capaz de capta-la surja espontaneamente. Estão aí os ingredientes que possibilitaram ciclos da Revolução Francesa (a serem caracterizados oportunamente) que a expressaram claramente. Escreve na obra em apreço: “os homens retos e simples são difíceis de enganar em virtude de sua simplicidade”. O regime que pudesse basear-se na expressão de sua vontade evidenciaria de pronto em que consiste o bem comum, exigindo sua estruturação pouquíssimas leis. A descrença nessa possibilidade resulta do fato de que, por toda parte, o Estado seja mal constituído. Para conceber o melhor regime parte de duas idealizações. Primeira: o homem é bom por sua própria natureza, a sociedade é que o corrompeu. Segunda: a democracia antiga estaria próxima do melhor regime possível, fornecendo-nos o modelo a partir do qual podemos conceber o que nos convém. Seu modelo de democracia é basicamente Roma. Embora os homens sejam bons por natureza, a sociedade pode tê-los corrompido de forma irreversível. Afirma em O contrato social: “Os povos, assim como os homens, só são dóceis na juventude; ao envelhecer tornam-se incorrigíveis; uma vez estabelecidos e enraizados, os preconceitos, é empresa vã e arriscada pretender reforma-los; o povo não pode sequer admitir que se toque em seus males para destruí-los, como esses doentes estúpidos e pulsilâmines que tremem à simples presença do médico. (Livro II; cap. VII)

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1. As origens do democratismo: Jean-Jacques Rousseau

Não se tratava de modalidade democrática, mas de retórica em nome da democracia. O centro da proposta de Rousseau consistia na convicção de que a democracia poderia ser imposta de cima e resultaria de um novo modelo de sociedade.

  Durante muito tempo, a doutrina criada por Jean-Jacques Rousseau (1712/1778) foi denominada de liberalismo radical. Entretanto, detendo-se sobre  o curso histórico das idéias políticas no país natal e ao verificar a influência que ali exerceu, o renomado historiador português Joel Serrão (1919/2008) considerou inapropriada a denominação. Levou em conta que o processo de gestação da doutrina que viria a merecer o nome de liberal, na Inglaterra, só muito tardiamente  enfrentou o problema da democratização da representação política bem como a circunstância de que o tema de que se ocupava (determinar experimentalmente como deveria estruturar-se o governo representativo, depois denominado de monarquia constitucional) não figurava na pauta da doutrina de Rousseau. Ocorreu-lhe denominá-lo de democratismo porquanto o centro da proposta de Rousseau consistia na convicção de que a democracia poderia ser imposta de cima e resultaria de um novo modelo de sociedade, modelo este experimentado no curso da Revolução Francesa, revelando-se  incapaz de criar instituições capazes de substituir a luta armada pela negociação entre os interesses em conflito. Não se tratava portanto de modalidade democrática mas de retórica em nome da democracia. Assim, chamou-a de democratismo, que lhe pareceu destacaria desde logo tratar-se de outra coisa e não da ideia de democracia que acabaria firmando-se no seio da cultura ocidental. Entre outros textos dedicou ao tema o ensaio “Democratismo versus liberalismo” (in O liberalismo na península Ibérica na primeira metade do século XIX. Lisboa. Sá da Costa, 1982. vol. 1). Rousseau somente se interessaria pela política, entendida como mecanismo de reforma social, quanto estava próximo dos quarenta anos de idade. Em 1754 publica Discursos obre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e, em 1762, O contrato social, livros que contêm o essencial de sua doutrina. A esse projeto reformador acha-se vinculado o texto pedagógico que intitulou Emílio ou sobre a educação (1862). Como se tratava de uma pregação abertamente revolucionária, isto é, incitadora da violência, o governo decide proibi-la. Até então não se assinalam indícios de aceitação ou popularidade. Depois de sua morte (1778) é que passa a ser considerado. Nos anos oitenta procede-se à reedição de seus livros. A Revolução Francesa lhe proporcionaria uma verdadeira consagração. Em 1790 seu busto é triunfalmente carregado pelas ruas de Paris. Rousseau popularizaria a ideia de que os sentimentos humanos seriam originalmente bons, devendo-se sua corrupção à sociedade. Para  superar esse estado de coisas deve-se partir daquilo que o coração tem de evidente. Recorrendo-se a esse expediente, o primeiro passo para estabelecer relação adequada com o Deus infinitamente potente e sábio cumpre eliminar toda intermediação das tradições sedimentadas pelas religiões estabelecidas. Chegará assim a um modelo de religião a ser adotada pela nova sociedade a ser erigida. Para tanto, será necessário eliminar todas as instituições que impedem a legítima expressão do homem natural, não corrompido pela cultura. É preciso chegar ao que chama de democracia completa e radical. Tanto a Revolução Francesa como as manifestações do democratismo em diversos países do Ocidente mostraram onde pode conduzir o tipo descrito de idealização.

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