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Livro analisa a razão da felicidade dos brasileiros

Cientista político Rubens Figueiredo lança obra na segunda-feira (25), na Livraria da Vila

Edição Scriptum com Diário do Comércio   O cientista político Rubens Figueiredo, consultor do Espaço Democrático, lança na segunda-feira (25) o livro "Sofrendo feliz da vida - alegria e angústia de ser brasileiro" (Editora MM, 2024), no qual analisa a decantada felicidade dos brasileiros mesmo vivendo num país com tanta desigualdade. A obra será lançada em sessão de autógrafos na Livraria da Vila da Alameda Lorena, 1.501, das 18h às 22h. No livro, de acordo com o site do Diário do Comércio, o autor questiona a razão pela qual somos felizes mesmo vivendo mal. Mesmo com indicadores de IDH, educação, saúde, corrupção, desigualdade e facilidade para fazer negócios que deixam a desejar, o Brasil é bem classificado nos rankings internacionais de felicidade. Veja a seguir os principais trechos da reportagem do Diário do Comércio: Desfilando referências baseadas não só em dados sócio-político-econômicos, mas também na cultura popular - e citando grandes mestres, de Ariano Suassuna a Tom Jobim, a "filósofos" contemporâneos, como Zeca Pagodinho e Tim Maia, ambos com suas tiradas bem-humoradas (e inacreditáveis) -, Figueiredo procura desvendar de onde vem tanta animação. "Uma pesquisa da Ipsos mostra que o brasileiro é feliz mesmo estando insatisfeito no plano amoroso, profissional, de moradia, de segurança... Por outro lado, existem estudos consagrados que mostram que a desigualdade de renda gera atrito social e infelicidade. Vamos na contramão de tudo isso!", se espanta. Seriam então fatores históricos, de miscigenação ou culturais (ou de falta de cultura), que fazem com que o brasileiro, mesmo na maior dificuldade, não deixa de fazer seu churrasco, tomar uma cervejinha nem esquecer as mazelas com futebol? A resposta não é tão simples, já que é razoável supor que a felicidade tenha relação com a qualidade de vida e, em grandes agregados sociais, era de se esperar que essa evidência ficasse mais forte, explica o autor. Ou ainda, será uma espécie de "zeitgeist eterno" dos brasileiros: sempre esperar o melhor, viver sonhando - questões que Figueiredo também aponta no livro? Talvez a miscigenação cultural e de raças seja uma das respostas -, a ponto de um cientista político americano, Samuel P. Huntington, dizer que "não fazemos parte da civilização ocidental", destaca o autor. "O brasileiro é único. Nós somos misturados. E os ingredientes dessa mistura também, portugueses e africanos já vieram miscigenados. Brasileiro é bem-humorado, afetivo, resiliente. E não levamos o Brasil muito a sério. Adoramos fazer gozação de nós mesmos", diz, lembrando que, não por acaso, cerca de 70% dos filmes nacionais de maior bilheteria são comédias. A certa altura do livro, Figueiredo aborda até como um estrangeiro não-intelectual analisa nosso povo, pegando os exemplos de um alemão e uma russa. "É sensacional. Eles dizem que temos o que eles não têm: leveza, proximidade das pessoas, carinho. Rimos das nossas dificuldades. A russa Olga disse até que se transformou como ser humano depois de morar aqui três anos. Ficou mais 'melosa' (começou e desejar que todos 'dormissem com os anjos'). E mais diplomática, querendo saber mais as histórias de sua família", diverte-se. Em resumo: mesmo com uma sociedade hoje dividida por "certezas", com espaço para eclosão e permanência do conflito, além de polarização e cisões em movimentos identitários ("'A luta antirracista não é um empreendimento contra o racismo; é em favor da luta'", diz, citando o filósofo baiano Thiago Ribeiro), temos "uma escola de samba dentro da gente batendo bumbum paticumbum prugurundum que nos impulsiona". E a realidade é algo secundário, analisa, após fazer referência ao emblemático samba-enredo campeão da Império Serrano de 1982. Nas palavras do cientista político Sérgio Fausto, na quarta capa, o leitor não encontrará resposta definitiva sobre a questão, mas "boa prosa, onipresente senso de humor e observações perspicazes." Ou, como diz a jornalista Denise Campos de Toledo, na orelha, o livro nos faz reavaliar o que temos feito por nossa própria felicidade. "Será que estamos fazendo o melhor?", questiona. Vale a leitura (e uma boa sessão de autoanálise). Outras personalidades, como Michel Temer, Andrea Matarazzo, Antonio Lavareda, Eduardo Oinegue e Gaudêncio Torquato também comentam a obra e o autor na quarta capa.

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PEC da Segurança pode servir de base para avanços

Em reunião de consultores do Espaço Democrático, Túlio Kahn analisa proposta apresentada pelo governo Lula

[caption id="attachment_38992" align="aligncenter" width="560"] Reunião semanal de consultores do Espaço Democrático[/caption]     Redação Scriptum   Ponto fraco nas pesquisas de avaliação do desempenho do governo federal, a segurança pública no Brasil não deve melhorar muito se depender apenas da minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou recentemente aos governadores.  A avaliação é do sociólogo especializado em segurança Túlio Kahn, que analisou a proposta na reunião semanal dos consultores do Espaço Democrático – fundação do PSD para estudos e formação política – realizada na terça-feira (12), em São Paulo. Para ele, a PEC da Segurança Pública foi uma tentativa de mostrar proatividade em uma área na qual o governo federal é bastante cobrado, recebendo os índices mais baixos nas pesquisas de avaliação. Em sua opinião, apesar da grande expectativa,  “a montanha pariu um rato”. Contudo, afirmou, a PEC tem aspectos positivos. “Em alguns pontos ela propõe medidas radicais – que correm o risco de não serem aprovadas – e em outros, lida com aspectos pouco relevantes do ponto de vista da redução da criminalidade. É preciso esperar para ver o que restará da proposta original quando for debatida e modificada pela sociedade e pelo Congresso, para avaliar seu impacto”. Túlio Kahn destacou que a proposta de PEC é ousada em vários aspectos e pode servir de base para discutir temas importantes. Um deles, em sua visão, é a criação da polícia única de ciclo completo, juntando numa mesma força a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal e a Polícia Penal Federal. “Nesta força federal unificada de ciclo completo, gerenciada por um Ministério da Segurança exclusivo, seria adotado o ingresso único por baixo, com ascensão aos postos superiores apenas mediante cursos e concursos para progressão, extinguindo-se a carreira dos delegados bacharéis, tal como ocorre atualmente na PRF. Creio que uma mudança nessa direção seria um legado estruturante da atual gestão”, afirmou Kahn. Após a análise de Túlio Kahn, os consultores do Espaço Democrático comentaram também a proposta de PEC, destacando alguns de seus aspectos. O jornalista Sérgio Rondino, por exemplo, atribuiu a polêmica gerada pela iniciativa, com críticas de governadores como Ronaldo Caiado, de Goiás, à falta de articulação política pelo governo, que tivesse permitido a formação de um consenso mínimo antes de sua apresentação. O cientista político Rogério Schmitt, por sua vez, lançou a ideia de se criar um comitê gestor para a área de Segurança Pública, nos mesmos moldes do que está sendo criado pela Reforma Tributária para assessorar o governo na gestão fiscal. “Talvez possa servir de inspiração para avanços na área de segurança, estabelecendo-se uma estrutura com profissionais especializados para propor soluções e avanços”, propôs. Para o cientista político Rubens Figueiredo, a PEC apresentada pelo governo Lula se destacou por omissões em aspectos importantes para a população, como o enfrentamento das facções criminosas, a vigilância nos portos e casos específicos como o Rio de Janeiro, onde o crime organizado vem ganhando cada vez mais força. Além do o sociólogo Túlio Kahn, participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, os cientistas políticos Rogério Schmitt e Rubens Figueiredo, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, o advogado Roberto Ordine, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, o advogado Hélio Michelini, o gestor público Junior Dourado e os jornalistas Marcos Garcia de Oliveira e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático.

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Os sinais que a eleição municipal deixa

Cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt fizeram avaliação do resultado da disputa na reunião semanal do Espaço Democrático

  [caption id="attachment_38946" align="aligncenter" width="560"] Para Rubens Figueiredo, disputa entre Lula e Jair Bolsonaro nas eleições municipais foi como um duplo nocaute simultâneo[/caption]     Redação Scriptum As eleições municipais deixaram importantes sinais aos analistas. Algumas delas: não são importantes para influenciar a disputa que se dará em dois anos, para a presidência da República; não existe mais a velha e surrada divisão segundo a qual a esquerda vota na esquerda e a direita na direita; e em todo o País ficou exposto o fracasso dos principais personagens da polarização política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Este é o extrato da análise feita pelos cientistas políticos Rogério Schmitt e Rubens Figueiredo nesta terça-feira (29), na reunião semanal do Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do PSD. O encontro semanal marcou a adesão de um novo colaborador ao grupo: o médico sanitarista Eduardo Jorge, secretário do Verde e do Meio Ambiente na gestão de Gilberto Kassab na Prefeitura de São Paulo. Rubens Figueiredo usou uma alegoria do boxe para mostrar a influência de Lula e Bolsonaro na disputa municipal: foi uma luta com duplo nocaute simultâneo. “Bolsonaro viu candidatos icônicos perderem – como André Fernandes, em Fortaleza, e Marcelo Queiroga, em João Pessoa –, brigou com Ronaldo Caiado, assistiu ao surgimento de Pablo Marçal e presenciou o fortalecimento de Tarcísio de Freitas”, disse. “Lula assistiu à pior performance do PT, que foi expulso das capitais do Nordeste, e à crise no partido, com o bate-boca público entre Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha”, para quem o partido está no Z4 das eleições municipais desde 2016 – uma alusão aos últimos colocados do Campeonato Brasileiro de futebol. Figueiredo destacou o crescimento dos partidos de centro. Apontou que em 2020 a esquerda governava 14,82% da população brasileira, o centro 40,74% e a direita, 44,44%. “Em 2024, a esquerda (11,25%) e a direita (36,74%) diminuíram de tamanho e o centro saiu de 40,74% para mais da metade da população governada, 52%. Ao comentar a eleição em São Paulo, o cientista político destacou o papel do governador Tarcísio de Freitas. “Em um primeiro turno duríssimo, pegou Ricardo Nunes pela mão e foi em frente”, disse. Embora a comunicação de campanha de Nunes tenha sido muito antiquada, na visão dele, o prefeito reeleito acertou na estratégia. “Ele foi bem quando houve o apagão da Enel: colocou o uniforme da Defesa Civil e foi trabalhar, foi prefeitar enquanto Boulos atacava; e foi muito bem quando, depois do primeiro turno, rejeitou Pablo Marçal em seu palanque – mas não rejeitou o eleitor de Marçal”.   [caption id="attachment_38947" align="aligncenter" width="560"] PSD e MDB, dois partidos de centro, foram os grandes vencedores da eleição, avaliou Rogério Schmitt[/caption]   Centro na frente Schmitt apresentou rankings feitos a partir de oito critérios diferentes. O PSD se destaca como o partido que elegeu o maior número de prefeitos em todo o País (891) e é o segundo partido quando os parâmetros são mais eleitores governados (27,7 milhões), mais votos para prefeito no primeiro turno (14,5 milhões), mais votos para vereador (10,3 milhões), mais cidades entre as 103 maiores do País (15) e mais capitais (5), ao lado do MDB, com o mesmo número. Schmitt destacou que PSD e MDB, dois partidos de centro, foram os grandes vencedores da eleição, de acordo com os critérios mais usados. Para o cientista político, a eleição municipal deixou claro que não existe mais a divisão segundo a qual militantes de esquerda votam na esquerda e de centro na direita. Ele desconstruiu, também, a ideia de que a eleição municipal pode ter impacto na eleição presidencial. “Ela é importante para a eleição do Congresso Nacional”, disse. E destacou um ponto importante em relação à disputa em São Paulo. “Os quatro maiores institutos acertaram o vencedor, mas se equivocaram até na margem de erro percentual de Ricardo Nunes e Guilherme Boulos”. Mostrou, ainda, uma curiosidade: na eleição anterior, os percentuais de Bruno Covas 59,38% e Boulos (40,62%) foram praticamente iguais aos da eleição de domingo último, 59,35% contra 40,65%.   [caption id="attachment_38948" align="aligncenter" width="560"] Eduardo Jorge vai abordar como o Brasil pode ser protagonista em um mundo em transformação por meio da adoção de políticas públicas ambientais.[/caption] Equipe reforçada Eduardo Jorge, novo integrante do grupo de consultores do Espaço Democrático, já tem fala agendada para a próxima semana. Vai abordar como o Brasil pode ser protagonista em um mundo em transformação por meio da adoção de políticas públicas ambientais. Atualmente filiado ao Partido Verde (PV), Jorge tem uma longa militância política. Foi deputado estadual, deputado federal e disputou as eleições presidenciais de 2014, como cabeça de chapa, e de 2018, como vice de Marina Silva. Além de Eduardo Jorge, Rogério Schmitt e Rubens Figueiredo participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, os gestores públicos Januario Montone e Júnior Dourado, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, a secretária nacional da fundação, Ivani Boscolo, o advogado Helio Michelini e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático. Todos consultores e colaboradores da fundação do PSD.

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1974, o ano em que a ditadura começou a ruir

Nas eleições de meio século atrás o eleitor brasileiro escolheu 16 senadores de oposição para as 22 cadeiras em disputa

João Carlos Teixeira, da Agência Senado

Edição Scriptum

As eleições de 1974, que escolheram, pelo voto direto, um senador por Estado, além de deputados federais e estaduais, completam 50 anos no dia 15 de novembro. Aquele pleito é considerado um marco do período da ditadura militar, iniciada 10 anos antes com o golpe de 1964 e encerrada 10 anos mais tarde com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência da República.

Mais do que a realização de eleições em meio a um período ditatorial, o resultado daquela disputa tem grande relevância para a história do País. Na ocasião, em que havia apenas dois partidos, a Arena, governista, e o MDB, de oposição, os emedebistas elegeram 16 senadores entre as 22 vagas em jogo (esse era o número de Estados com representação no Senado na época). O MDB obteve ainda 335 dos 787 deputados estaduais e 160 dos 364 deputados federais, aumentando significativamente suas bancadas nas assembleias, na Câmara e no Senado Federal

— Eu não tenho dúvida alguma de que a eleição para o Senado em 1974 deu novo fôlego e oxigênio à resistência democrática no País. As pessoas começaram a perceber que haviam possibilidades reais de um retorno ao Estado Democrático de Direito. Aquela eleição abalou as estruturas da ditadura militar — afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), que na época trabalhava como metalúrgico e dava os primeiros passos na política sindical, que, mais tarde, foi um dos focos de mobilização contra a ditadura.

Para alcançar o que isso significou naquele momento e suas repercussões para o futuro, é preciso explicar o contexto daquelas eleições. Afinal, como é possível haver voto direto em meio a uma ditadura que limitava direitos individuais, proibia partidos de funcionar, fechava o Congresso, cassava políticos e, enfim, editava medidas que desrespeitavam o que dizia a própria Constituição vigente?

Esse paradoxo tem origem no próprio golpe de 1964. Apoiado pela classe média urbana e até por políticos, o regime que se instalou após a deposição do presidente João Goulart, a partir de abril daquele ano, prometia não “radicalizar o processo revolucionário” e “manter a Constituição de 1946”, como afirmava o Ato Institucional de 9 de abril, e devolver o País à normalidade democrática, confirmando a realização das eleições diretas marcadas para novembro de 1965.

[caption id="attachment_38931" align="aligncenter" width="560"] Passeata da Marcha da Família com Deus pela Liberdade[/caption]

Porém, à medida em que o tempo passava, os militares foram ampliando sua interferência no mundo político, chegando, por meio do Ato Institucional nº 2, de outubro daquele ano, a cancelar as eleições e a dissolver os partidos políticos, muitos deles em atuação desde o fim da ditadura do Estado Novo, em 1945.

No lugar, o regime criou um bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) como partido de apoio ao governo e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) como agremiação para reunir a oposição ao regime.

A organização artificial da vida partidária desarticulou principalmente a oposição, assombrada pela cassação de políticos e pelos anos de maior perseguição a quem discordasse do regime militar. Naqueles anos, parte da resistência ao regime militar se expressava por meio de grupos guerrilheiros, que se recusavam a aceitar a institucionalização de um governo sem legitimidade democrática.

Vitória esmagadora

Naquele cenário, o primeiro teste do sistema com dois partidos foi a eleição de 1970, que era um aceno à suposta retomada das regras democráticas, ainda que de fachada. De fachada porque, segundo o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, aquelas eleições transcorreram “em clima de intimidação generalizada, quando o braço repressivo do sistema estava criando fortes raízes na maquinaria governamental, face à luta que então desenvolvia contra ousados grupos de guerrilheiros urbanos”, cujo ápice, acrescentou, se deu entre 1969 e 1972.

Esse período foi inaugurado pela edição do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, considerado um marco da radicalização da ditadura, fechando o Congresso por quase um ano. Pior que as medidas institucionais, o AI-5 autorizava o governo a usar os meios necessários para assegurar "a ordem e a tranquilidade para realizar os propósitos" do golpe de 1964. A repressão, desenvolvida nos chamados "porões da ditadura", perseguiu os opositores indistintamente e não só os grupos que defendiam a luta armada.

Durante toda a ditadura, marcadamente a partir de dezembro de 1968, o desaparecimento, a tortura e a morte foram praticados contra militantes de esquerda ou quem fosse considerado "subversivo" pela ditadura militar. Nos 20 anos daquele regime, mais de 50 mil pessoas foram presas, mais de sete mil foram indiciadas por crimes políticos e quase cinco mil tiveram seus direitos políticos cassados. O Estado brasileiro iniciou o reconhecimento das violações de direitos humanos pela ditadura somente após 1985, já no governo Sarney. A ditadura matou mais de mil camponeses e outras 475 pessoas foram mortas ou são consideradas desaparecidas, conforme dossiê publicado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

As eleições de 1970 se realizaram nesse clima, com a oposição à ditadura dividida entre a participação e o boicote às eleições, seja pela abstenção, seja pelo voto nulo.

— Foi uma maluquice atrás da outra, a partir do Ato Institucional número dois, depois o três, o quatro, o cinco... até que culminou com o Congresso fechado. Ficamos num caos — afirmou o ex-senador Pedro Simon, em entrevista à Agência Senado em 18 de outubro de 2024.

[caption id="attachment_38932" align="aligncenter" width="567"] Jornal Última Hora noticia AI-5[/caption]

Nesse ponto, a avaliação de Simon coincide com a do historiador André Teixeira Jacobina.

— A atividade política estava “degradada”, a apatia política disseminou-se entre as populações urbanas, sobretudo, e sem dúvida em primeiro lugar, entre o eleitorado da oposição, cujo partido chegou a abrigar até propostas de autodissolução — avaliou Jacobina em sua pesquisa de mestrado.

Com a oposição esvaziada, a Arena teve uma vitória esmagadora nas eleições de 15 de novembro de 1970, elegendo 39 senadores contra apenas cinco do MDB (havia 44 vagas em disputa, duas por Estado). Na Câmara, 223 deputados federais eleitos eram do partido governista e apenas 87 da oposição. Ao mesmo tempo, o pleito teve, nos cálculos de Wanderley Guilherme dos Santos, os mais altos números de votos brancos e nulos da história, que, somados à abstenção, chegaram a cerca de 50% do eleitorado.

 

O tamanho da representação política da oposição no Congresso — que sequer oferecia a quantidade mínima de assinaturas para abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), entre outras prerrogativas asseguradas às minorias — pouco incomodava a maioria governista, que chancelava as medidas propostas pelo governo do general Emílio Médici. Era ainda a época do chamado “milagre econômico”, anos em que o Produto Interno Brasileiro (PIB) registrou algumas das maiores taxas de crescimento da história.

Como resultado (até a seleção brasileira de futebol, campeã da Copa do Mundo de 1970, contribuía para um cenário de otimismo explorado pela ditadura), tanto governo quanto oposição tiveram a impressão de que a ditadura havia conquistado grande apoio popular.

Com o que sobrava na oposição, o MDB lançou em 1973 a “anticandidatura” de Ulysses Guimarães à presidência da República, como forma de demonstrar que, com eleições indiretas, não havia democracia no País. Em uma disputa absolutamente desigual, com imprensa censurada e recursos de campanha e acesso aos meios de comunicação mal distribuídos, a eleição do general Ernesto Geisel para a sucessão de Médici em janeiro de 1974 foi confirmada no colégio eleitoral, recebendo 400 votos contra 76 de Ulysses e 21 nulos.

[caption id="attachment_38935" align="aligncenter" width="860"] Posse de Geisel na Presidência da República[/caption]

Porém, o ano acabaria muito diferente do que havia começado.

A facilidade com que Geisel foi eleito no colégio eleitoral e o resultado das eleições de 1970 deram a impressão de que o governo e a Arena possuíam não apenas os votos no Congresso, mas também a simpatia popular. Como observou Wanderley Guilherme dos Santos, “os políticos do partido arenista interpretaram mal os resultados das eleições” de 1970. Registros na imprensa ao longo do ano, observou o historiador André Jacobina, demonstram o “excessivo otimismo” que tomava conta do governo e da Arena.

O consultor legislativo do Senado Arlindo Fernandes, porém, assinala que já havia sinais de desgastes no apoio da população aos militares. Além das medidas de exceção, Fernandes destaca o impacto do primeiro choque do petróleo, em 1973, quando o preço do barril da commodity saltou de cerca de US$ 3 para mais de US$ 11 em pouco tempo, com impactos em toda a economia mundial, especialmente em países importadores do produto, como o Brasil.

A elevação das taxas de juros internacionais, liderada pelos Estados Unidos, para combater a inflação ocasionada pelo aumento do preço dos combustíveis e da energia, também teve graves efeitos para o Brasil. Isso porque o desenvolvimento do país durante o milagre econômico havia sido impulsionado pelo endividamento externo para investimento em grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói, hidrelétricas, a Usina Nuclear de Angra dos Reis, a Rodovia Transamazônica e ferrovias.

[caption id="attachment_38936" align="aligncenter" width="560"] Obra de construção da rodovia Transamazônica[/caption]

— Os salários perderam poder de compra com a desvalorização cambial e a inflação, expondo o fato de que o milagre econômico não distribuiu a renda no Brasil, que continuava muito desigual — afirma Fernandes.

Do ponto de vista político, então, as eleições diretas em 1974 seriam um raro momento para a população expressar seu sentimento com relação ao governo.

Cautela e mudança de estratégia

Mesmo com pouca representação, o MDB desempenhava o seu papel de “partido consentido”, como na anticandidatura de Ulysses. Para 1974, a sigla se preparou e fez convenções para as eleições para o Senado e a Câmara dos Deputados. No entanto, em muitos Estados, as maiores lideranças do partido preferiram assegurar uma eleição para deputado federal, escolhendo para a disputa ao Senado nomes com menos tradição política.

— Há casos como o do Rio Grande do Norte, em que o MDB indicou Agenor Maria, um agricultor e feirante, ex-marinheiro que participou na Segunda Guerra Mundial, com pouca experiência política, para concorrer com Djalma Marinho, deputado federal desde a década de 1950, presidente da Comissão de Constituição e Justiça. A surpresa foi geral quando Agenor Maria foi eleito — afirma Arlindo Fernandes.

Outros nomes como Orestes Quércia, em São Paulo, Itamar Franco, em Minas Gerais, Marcos Freire, em Pernambuco, Leite Chaves, no Paraná, e Lázaro Barbosa, em Goiás, menos conhecidos, acabariam representando o MDB nas urnas e, depois de eleitos, firmaram-se como nomes importantes em seus estados e nacionalmente.

[caption id="attachment_38937" align="aligncenter" width="560"] O deputado Ulysses Guimarães em evento de sua “anticandidatura” presidencial em 1973[/caption]

Eleito para o Senado pelo Rio de Janeiro em 1974, Roberto Saturnino Braga, que morreu recentemente, em setembro de 2024, confirma que a avaliação geral era de que a oposição não conseguiria fazer frente ao partido governista naquele ano em uma eleição majoritária.

— Ninguém no MDB queria aceitar [ser candidato ao Senado] porque o Paulo Torres, o adversário [da Arena], era considerado imbatível. A Arena, na eleição anterior, de quatro anos antes, tinha dado uma lavagem no MDB. E o Amaral Peixoto [líder emedebista fluminense da época] me fez um apelo, dizendo que eu prestaria um serviço para o partido — declarou Saturnino em entrevista à Rádio Senado em 2014.

As escolhas feitas nas convenções do MDB são uma mostra de como as expectativas não apenas do governo e da Arena, mas também dos próprios emedebistas, não detectaram o potencial da oposição nas urnas.

Houve casos em que o MDB sequer havia apresentado candidatos a deputado federal suficientes para preencher todas as vagas a que teve direito pelos votos obtidos pelo quociente eleitoral, como revela o jornalista Sebastião Nery no livro As 16 derrotas que abalaram o Brasil, de 1975, em que apresenta os resultados e um resumo dos candidatos e das disputas em cada estado.

Mesmo sem uma avaliação precisa do prestígio que teria nas urnas, o MDB demonstrou, nas eleições de 1974, que estava disposto a ocupar o espaço de oposição — e de resistência democrática — ao regime militar, ainda que sem eleições diretas para presidente e para governador, com censura e liberdades cerceadas.

Campanha na TV

Segundo Pedro Simon, eleito em 1974 deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo MDB com mais de 140 mil votos, o partido usou todas as brechas do regime para antagonizar com a ditadura. Ainda que houvesse censura, o ex-senador destaca a ocupação do espaço possível na imprensa e a possibilidade de, pela primeira vez, fazer campanha no rádio e na TV. Em muitos estados os debates entre candidatos tiveram grande impacto entre os eleitores.

— A possibilidade de os candidatos aparecerem na TV foi uma novidade comparável ao que a introdução da internet e das redes sociais representou no debate eleitoral de hoje — avalia o consultor Arlindo Fernandes.

A campanha no rádio e na TV naquela ocasião não era nada parecida com o que é feito hoje em dia. Não havia produção e os candidatos davam entrevistas e participavam de debates ao vivo.

— Os programas não eram gravados. Eram transmitidos ao vivo. Cada dia era uma emissora. Os candidatos iam para lá e davam o seu recado ao vivo. Não tinha marketeiro, não tinha gravação, não tinha nada. Era realmente gratuito: custo zero — narrou Saturnino à Rádio Senado por ocasião dos 40 anos da eleição de 1974.

O ex-senador Paulo Brossard, eleito pelo MDB no Rio Grande do Sul, contou a sua experiência em um debate eleitoral em 1974. Em certo momento, ele perguntou ao seu adversário, Nestor Jost, da Arena, se confirmaria a declaração de que aplicaria o artigo 477 do Código Penal. Ao que Jost manteve sua afirmação, Brossard levou o seu exemplar do Código Penal a Jost e o fez ver que aquele artigo não existia naquela legislação. “Ele ficou desconcertado”, disse Brossard, eleito pelo MDB, também em entrevista à Rádio Senado em 2014. O ex-senador e jurista morreria poucos meses depois da entrevista, em abril de 2015.

O meio de comunicação disponível para os candidatos, no entender de Simon, explica parte da história. Ele entende que a mensagem do MDB, de denúncia da ditadura e defesa das liberdades democráticas, era o que encontrava respaldo entre os eleitores.

— Os nomes [candidatos] da revolução não tinham o que dizer. Eles vinham de uma grande vitória e não ofereciam nada para a população. O governo, com o fim daquele milagre econômico, das grandes obras, não consistia em mais nada. A economia ia mal, os militares estavam numa confusão dos diabos, não tinham nenhum comando. Eles passaram a perder a credibilidade. Foi uma decomposição do regime — afirmou Simon, lembrando que a inflação alta e a queda no poder aquisitivo da população caracterizaram o período militar.

  [caption id="attachment_38938" align="aligncenter" width="560"] Senador por Alagoas Teotônio Vilela, da Arena[/caption]

Mesmo quem não era do MDB adotou na campanha a bandeira da liberdade e da abertura política. Esse foi o caso do senador por Alagoas Teotônio Vilela, da Arena, reeleito em 1974.

— O velho Teotônio já tinha um discurso liberal, a favor da distensão, que era também o discurso do MDB, que teve grande aceitação no Brasil inteiro. Foi uma avalanche [na direção] do MDB — reconhece Teotônio Vilela Filho, filho do "Menestrel das Alagoas". Por estar mais afinado com o discurso de oposição ao regime, Teotônio pai migrou para o MDB no meio do mandato, em 1979, expondo ainda mais a ditadura.

Para Teotônio Filho, aquela eleição já era o sinal de que o regime militar estava esgotado e que a população aprovava a abertura democrática, um primeiro passo para que, no futuro, a democracia pudesse voltar.

— Foi um processo longo. As coisas na política não acontecem de uma hora para a outra — disse Teotônio Filho, que teve dois mandatos como senador, de 1995 a 2006, e, em sequência, foi governador de Alagoas por oito anos.

Desdobramentos da eleição de 1974

Surpresa ou não, fato é que as bancadas do MDB no Senado e na Câmara haviam aumentado significativamente a ponto de conquistar direitos assegurados às minorias, como propor CPIs e dificultar a aprovação de legislação que exige maioria qualificada como de propostas de emenda à Constituição (PEC) — que na época precisavam de dois terços dos votos para serem aprovadas. Essa situação incomodou os militares e atrapalhou os planos de Geisel para a sua abertura “lenta e gradual”.

— A eleição de 1974 mostra o crescimento da insatisfação popular com a ditadura, mas também demonstra que a ditadura subestimou a necessidade de repressão naquele momento. A ditadura acreditava que teria uma vitória esmagadora e que não precisaria fazer força para apoiar a Arena — avaliou o historiador André Jacobina em entrevista à Agência Senado.

Os reflexos do resultado eleitoral acenderam alertas no regime militar. Ainda que Geisel reconhecesse o recado das urnas naquele pleito em mensagem à população em dezembro de 1974, nos próximos anos o presidente deixa claro que não iria permitir que a abertura democrática, como idealizada por ele, saísse do controle.

Com efeito, o governo logo adotou medidas direcionadas a evitar uma nova vitória da oposição. Em julho de 1976, pouco antes das eleições municipais de novembro, Geisel sancionou a Lei Falcão (Lei 6.339, de 1976), batizada com o nome de seu ministro da Justiça e autor da nova legislação, Armando Falcão.

O texto alterava o Código Eleitoral vigente, reduzindo a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV ao mínimo possível. Nada de debates e entrevistas. Como propaganda, os candidatos poderiam apenas oferecer um retrato com poucas linhas para se apresentar. As eleições transcorreram sem que os eleitores pudessem participar do debate eleitoral como em 1974 e, na abertura das urnas, a Arena obteve mais de 53% do total de votos, mantendo a prefeitura da maioria dos municípios (não havia eleições em 142 cidades, consideradas áreas de segurança nacional).

A maior reação do governo Geisel à ascensão do MDB viria no ano seguinte, em 1977. Diante da resistência do Congresso em aprovar a PEC de sua autoria que reformaria o Judiciário, Geisel fechou o Legislativo por duas semanas em abril daquele ano. Além da reforma do Judiciário, o presidente decretou um conjunto de medidas que ficou conhecido como "Pacote de Abril", que incluía, além da reforma judicial, mudanças nos procedimentos do Senado e da Câmara para facilitar a aprovação de medidas de interesse do governo, criando ainda a figura do “senador biônico": um dos três senadores das bancadas estaduais seria eleito pelas assembleias legislativas, a maioria delas controlada pela Arena.

Plebiscito da ditadura

Nessas cinco décadas, entre novembro de 1974 e os dias de hoje, muitas análises foram feitas sobre o significado daquelas eleições em que os candidatos da oposição ao regime militar, abrigados no MDB, venceram 73% das cadeiras em disputa para o Senado.

André Jacobina cita em sua tese de mestrado que cientistas políticos como Eliézer Rizzo de Oliveira e Raymundo Faoro interpretam que as eleições “sinalizavam muito mais um protesto contra o regime do que identificação com o MDB. O MDB estaria canalizando votos de insatisfação com o regime, e não aprovação do partido de oposição em si”.

Esse caráter plebiscitário, comum quando ditaduras oferecem oportunidades de a população se manifestar através do voto, afirmam os autores, também teria estado presente nas eleições de 1970, resultando em uma aprovação ao regime militar. Porém, quatro anos mais tarde, as urnas trouxeram a mensagem inversa, de repúdio à ditadura e ao fracasso de sua política econômica.

Um dos slogans usados pelo MDB naquela campanha transferia justamente à população a avaliação da situação política e econômica: “Vote no MDB. Você sabe porquê” (primeira imagem desta reportagem).

  [caption id="attachment_38939" align="aligncenter" width="560"] Tancredo, Brizola e Simon no Rio Grande do Sul em 1984[/caption]

E, naquele momento, o MDB era o único partido de oposição, cuja criação foi consentida pela ditadura, que podia canalizar aquele sentimento em 1974 e pelos anos seguintes, até a retomada da democracia.

— A partir dali, ganhamos as eleições nos principais Estados no Brasil, um movimento que continuou até a vitória no colégio eleitoral, em janeiro de 1985, com a eleição de Tancredo [Neves] para a Presidência da República, e na Constituinte, que nos deu a Constituição atual e o regresso à democracia, onde nós estamos hoje. Começou ali, em 1974 — resume Pedro Simon.

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