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Taxonomy - Manchete secundária
Primeiro prefeito de São Paulo, Antônio Prado priorizou centro histórico
A gestão transformou a região que na época era um emaranhado de ruas estreitas com escritórios, hotéis, restaurantes e cafés
[caption id="attachment_38628" align="aligncenter" width="560"] Antônio da Silva Prado havia sido vereador, deputado geral, senador e ministro de duas pastas, Agricultura e Negócios Estrangeiros.[/caption]
Texto Estação do Autor com Folha de S.Paulo
Edição Scriptum
Com exceção de um curto intervalo entre de 1835 e 1838, no período regencial, São Paulo só passou a ser comandada por prefeitos no final do século 19. Até então, a cidade era administrada por vereadores ou presidentes de província. Em 1898, foi aprovada uma lei municipal que reinstituiu os cargos de prefeito e vice-prefeito. Não eram ainda eleitos pelo voto popular, a escolha cabia ao legislativo municipal.
Reportagem de Naief Haddad, publicada na Folha de S.Paulo (assinantes), mostra a trajetória do político e homem de negócios Antônio da Silva Prado e seu legado como o primeiro prefeito de São Paulo no período republicano. Durante o Império, Prado havia sido vereador, deputado geral (o equivalente a deputado federal), senador e ministro de duas pastas, Agricultura e Negócios Estrangeiros.
Prado também se destacou no setor privado. Além do negócio do café, foi um dos fundadores da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo e da Vidraria Santa Maria, entre outras atividades.
Ao chamar o jovem Victor Silva Freire para a função de engenheiro-chefe da prefeitura, Prado "procurava dar, pela primeira vez, um caráter técnico ao planejamento da cidade", escreveu o jornalista Roberto Pompeu de Toledo no livro "A Capital da Vertigem - uma História de São Paulo de 1900 a 1954".
Sua administração ficou marcada, entre outras obras, pela construção do Theatro Municipal. A gestão priorizou o que hoje chamamos de centro histórico da cidade, na época um emaranhado de ruas estreitas com escritórios, hotéis, restaurantes, cafés e redações de jornais. Alargou ruas como a Quinze de Novembro, a mais movimentada de São Paulo, e a Álvares Penteado. Promoveu grandes mudanças na praça da República e no Jardim da Luz, e contratou um paisagista belga para criar os jardins diante do Museu do Ipiranga.
Mercado de apostas on-line pode movimentar até R$ 68 bilhões por ano no Brasil
Consumo popular e igrejas já sentem o impacto das chamadas bets, que atraem principalmente os mais humildes e beneficiários do Bolsa Família
Redação Scriptum com Brazilian Journal
As apostas on-line estão levando bilhões de reais de brasileiros e começam a drenar inclusive dinheiro que ia para o consumo popular e as igrejas. Reportagem de Giuliano Guandalini e Geraldo Samor para o Brazil Journal revela que, impulsionada por aplicativos de celulares, a jogatina digital consome uma parcela crescente do orçamento dos brasileiros – principalmente entre os mais humildes e beneficiários do Bolsa Família. Estimativas do Banco Itaú indicam que o valor total desembolsado passe de R$ 68 bilhões ao ano. Para fazer as estimativas, os analistas do time de macroeconomia do Itaú usaram dados da balança de pagamentos divulgados pelo Banco Central.
Os gastos dos brasileiros com as taxas de serviços para os prestadores estrangeiros dos serviços de apostas mais o valor para compor o prêmio somaram uma transferência total de R$ 68,2 bilhões. Já os prêmios recebidos teriam sido de R$ 44,3 bilhões. O Itaú concluiu que a receita das empresas de apostas no Brasil fique entre R$ 8 bilhões e R$ 20 bilhões ao ano.
Empresários do varejo ouvidos pelo Brazil Journal acreditam que os números do Itaú estão subestimados porque além das apostas esportivas, existe o cassino eletrônico dos jogos de azar, como o ‘Jogo do Tigrinho.’ Varejistas acreditam que o mercado de apostas está entre R$ 60 bi e R$ 100 bi.
Outro setor que está sofrendo é a indústria da fé. Igrejas evangélicas têm reclamado da queda nas doações, com muitos pastores relatando que a queda tem a ver com o crescimento das apostas.
Planejamento urbano é chave na solução de crises globais
Brasileira Anacláudia Rossbach assumiu o cargo de diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos
[caption id="attachment_126355" align="aligncenter" width="560"] Para Anacláudia Rossbach, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável passa por algo que parece simples, mas vem se tornando cada vez mais complexo: ter um teto.[/caption]
Texto Estação do Autor com ONU News
Edição Scriptum
Em entrevista concedida a ONU News, a recém-nomeada diretora executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a brasileira Anacláudia Rossbach, fala sobre a importância do planejamento urbano e da inclusão dos jovens para enfrentar desafios como a crise habitacional e as mudanças climáticas.
Economista, Anacláudia carrega uma experiência de mais de 20 anos trabalhando em assentamentos urbanos precários e informais, habitação social e políticas urbanas, além de projetar e implementar estratégias para organizações públicas, sociais e privadas com partes interessadas locais, nacionais e internacionais.
Ela falou sobre sua atuação na Prefeitura de São Paulo, cidade brasileira mais populosa, e em programas habitacionais de larga escala como o PAC Urbanização de Favelas e Minha Casa Minha Vida, que impulsionaram iniciativas de moradia no Brasil. Anacláudia acompanhou o desenho e o processo de desenvolvimento desses programas e como funcionou a coordenação entre os diversos órgãos do governo federal. Houve um plano de habitação com a participação da sociedade civil, setor privado, academia, setores profissionais organizados, governos locais. Ela entende que, apesar de não serem programas perfeitos, impactaram famílias que tiveram suas vidas transformadas morando hoje em casas em bairros integrados à cidade.
Para a nova diretora executiva, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável passa por algo que parece simples, mas vem se tornando cada vez mais complexo: ter um teto. Ela também aponta a importância de incluir os jovens para encontrar soluções para a crise habitacional. Rossbach afirma que informações e dados sobre como a juventude se relaciona com as cidades é fundamental para a criação de políticas públicas futuras que sejam efetivas. E aposta no planejamento urbano e na organização do território da cidade como uma chave importante para enfrentar as grandes batalhas globais.
Alçado a ditador há 90 anos, Hitler afetou rumos da política do Brasil
Documentos revelam que não foram poucos os admiradores do nazismo na Câmara e no Senado
Ricardo Westin, da Agência Senado
Edição Scriptum
Documentos históricos guardados nos Arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados, em Brasília, mostram que os rumos da política brasileira foram influenciados por Adolf Hitler (1889-1945). Ele se tornou o ditador da Alemanha nazista há exatos 90 anos.
Ainda que de forma involuntária e indireta, Hitler teve papel tanto na implantação quanto na derrubada do Estado Novo (1937-1945), a ditadura de Getúlio Vargas.
Os documentos da época indicam que não foram poucos os senadores e deputados brasileiros que, admiradores do governo de Hitler, defenderam a adoção de um governo autoritário no País.
Nos debates da Assembleia Nacional Constituinte encarregada de elaborar a Constituição de 1934, o deputado João Pinheiro (MG) declarou:
— Em plebiscito recente, 40 milhões de teutos [alemães] dispensaram exaltadamente os clássicos benefícios da liberdade e abraçaram com entusiasmo a ditadura imperialista de Adolf Hitler, sob a bandeira do fascismo alemão. Pergunto eu: não continua a ser a Alemanha de Hitler uma das mais altas expressões de civilização e cultura do mundo ocidental?
O plebiscito a que Pinheiro se referia ocorreu em 19 de agosto de 1934, logo após a morte do presidente Paul von Hindenburg, em 2 de agosto. Na consulta popular, os alemães decidiram que Hitler, chanceler (primeiro-ministro) desde o ano anterior, seria também o presidente. Com poderes supremos, o político nazista adotou o título de Führer (condutor, guia, líder).
De acordo com o deputado mineiro, a democracia não funcionava no Brasil porque a população não era educada, dado o sistema escolar deficiente. A solução, assim, seria adotar uma ditadura semelhante à alemã. Pinheiro disse:
— Tenhamos a coragem cívica e intelectual de proclamar que não é possível a prática de um governo democrático no Brasil dos nossos dias porque o governo do povo pelo povo pressupõe a existência da vontade popular arregimentada, independente e consciente.
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Para o então deputado Álvaro Maia (AM), as ditaduras de extrema direita, como a fascista de Benito Mussolini e a nazista, eram essenciais para impedir o comunismo de tomar o poder.
Da tribuna da Constituinte, Maia leu trechos de uma carta pública escrita pelo arcebispo de Porto Alegre, que era nascido na Alemanha:
— Não foi passageiro o encanto que me produziu a carta pastoral de D. João Becker quanto à autópsia da atualidade brasileira. Escreveu: “Hitler, o grande remodelador da Alemanha, que salvou sua pátria das garras do bolchevismo, criou o Estado totalitário, apelando para o sentimento radical do arianismo e implantando a cruz suástica nas instituições públicas”.
Outro admirador do nazismo, o deputado Ferreira de Souza (RN) afirmou:
— Tinha de ser a Alemanha a barreira do mundo ocidental contra a infiltração do comunismo russo. Declaro a Vossas Excelências que, se um dia o Brasil chegar a esse ponto [ter comunistas fortes], não serei presidencialista nem parlamentarista. Serei partidário dos governos da força, serei partidário da ditadura, desde que tenhamos a felicidade de encontrar um ditador.
Ainda na Constituinte de 1934, o deputado Luís Sucupira (CE) afirmou que a Constituição que estava em elaboração deveria já prever as bases institucionais para a futura instalação de uma ditadura no Brasil:
— Sou contra a democracia liberal porque a julgo causadora de todos os males de que padece a civilização desde que foi implantada, em 1789, com a Revolução Francesa. Devemos procurar o amparo dos nossos companheiros [deputados constituintes] para as emendas que facilitem, mais tarde, o advento do Estado totalitário que desejamos.
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O historiador e professor Fabio Koifman, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que para entender por que Adolf Hitler despertava simpatias no Brasil deve-se enxergar o contexto histórico da primeira metade da década de 1930:
— Hitler ainda não havia posto em prática aquela política de terror que hoje conhecemos muito bem. As Leis de Nuremberg, que permitiram a segregação e a posterior perseguição dos judeus, começaram em 1935. A Segunda Guerra Mundial, que teve o ditador nazista como grande culpado, estourou em 1939. O Holocausto, genocídio sistemático de judeus, começou no segundo semestre de 1941. Os parlamentares brasileiros não poderiam julgá-lo com base nesses acontecimentos posteriores.
Koifman explica que o fato de Hitler ser um ditador, por si só, não era considerado um motivo para reprovação geral naquele momento:
— Entendia-se que a democracia liberal havia fracassado em evitar a Primeira Guerra, o surgimento da União Soviética e o colapso mundial provocado pela crise de 1929. Além disso, o comunismo crescia no Brasil e no mundo, apoiado no crescente movimento operário e no aparente êxito da União Soviética, que, por estar isolada do comércio internacional, passou incólume pela crise de 1929. Preocupadas com tudo isso, as elites passaram a apostar em "regimes fortes" que tivessem mão firme contra o comunismo e fossem intervencionistas na economia. Esperavam, assim, preservar seus privilégios políticos e econômicos.
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De acordo com os documentos dos Arquivos do Senado e da Câmara, os parlamentares brasileiros dos anos 1930 enxergavam outras qualidades no governo nazista. O deputado Aarão Rebelo (SC), por exemplo, que defendia a revogação do direito das mulheres ao voto, disse que o Brasil deveria se inspirar na Alemanha e estimulá-las a permanecer restritas à família e ao lar.
Ao longo da década de 1920, a chamada República de Weimar concedeu inúmeros direitos às mulheres alemãs. Mas uma pauta reacionária que incluía a contenção e a reversão desse tipo de avanço social ajudou a levar Hitler ao poder. Para os nazistas, o feminismo não passava de um estratagema dos comunistas para enfraquecer a sociedade e tomar o poder.
Num pronunciamento, Rebelo afirmou:
— Ainda há dias, o senhor Adolf Hitler, em discurso dirigido aos seus apaniguados, lembrou os grandes males causados pelo “feminismo”. Entre eles, destacou a desorganização da sociedade, o aumento do número dos sem-trabalho com a infiltração das mulheres nas atribuições dos homens e o relaxamento dos costumes. Até aludiu à prostituição. E concluiu dizendo que a salvação da Alemanha reside na preparação do cidadão nazista, começando pela educação doméstica confiada no lar à mulher.
Na Assembleia Nacional Constituinte, o deputado Xavier de Oliveira (CE) avaliou que os alemães agiam de forma acertada ao proteger a raça ariana e perseguir os demais grupos étnicos que viviam em seu país.
Ele apresentou uma emenda (não aprovada) para que a nova Constituição proibisse a migração de orientais e africanos para o Brasil. O deputado cearense argumentou que a ciência, para o bem das sociedades, desaconselhava a mistura da raça branca — segundo ele, majoritária no Brasil — com raças “inferiores”:
— [O cientista alemão Ernst] Kretschmer incrementou a biotipologia, baseando-a sobretudo na heredobiologia, daí nascendo a revolução política da Alemanha atual, de que Hitler é apenas o condutor, talvez inconsciente. Foram as ideias dele e de muitos outros sábios germânicos que, de seus laboratórios, provaram que é preciso defender a raça germânica.
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Seguindo a mesma linha de raciocínio, o deputado Teotônio Monteiro de Barros (SP) avaliou:
— Muitos dos nossos males [no Brasil] decorrem, em parte, da falta de uma consciência étnica comum. Lembra-me que, naqueles povos que têm uma consciência étnica nitidamente definida, profundamente marcada na sua existência, há sempre uma preocupação superior que paira não só sobre a vida particular dos cidadãos, mas também uma espécie de alma nacional que orienta a nacionalidade nos seus destinos. É coisa que nos tem faltado.
O deputado Góis Monteiro (AL), irmão do ministro da Guerra de Getúlio Vargas, disse admirar a Alemanha nazista por ter tolerância zero aos militares que ousassem imiscuir-se no mundo da política.
Ele fez essa observação quando criticava uma emenda que buscava dar o direito do voto aos soldados rasos:
— Na Alemanha de Hitler, o militar não vota nem é votado. Os tenentes que se manifestam [sobre política] são severamente punidos e os chefes que não souberam evitar que seus subordinados se deixassem atrair pelo vendaval político são convidados a deixar o Exército. Imagine-se o que irá por um regime de infantaria onde os majores e coronéis pendam por ideias conservadoras, os capitães sejam liberais e os tenentes sejam socialistas avançados. Surgirão, fatalmente, acontecimentos desastrosos. Decretaremos a anarquia e a dissolução hedionda para o Brasil.
O Brasil chegou a ter o seu próprio movimento fascista, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada por Plínio Salgado. Os integralistas vestiam um uniforme com a letra sigma (Σ), do alfabeto grego, bordada no braço. Salgado pretendia se candidatar a presidente da República na eleição prevista para 1938.
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O fascínio por Hitler no Parlamento brasileiro, porém, não era unânime. Da tribuna, também partiram críticas ao ditador nazista.
O deputado Miguel Couto (DF), que era médico, disse que as guerras sempre deixavam um rastro destruidor de doenças e que, no caso da Primeira Guerra Mundial, um de seus legados foi justamente o nazismo:
— As doenças são próprias do pós-guerra, tanto nos indivíduos quanto nas nações. As tropas de Cromwell difundiram a sífilis pela Inglaterra. As campanhas de Napoleão disseminaram o tifo e o glaucoma por toda a Europa. A Alemanha, depois da guerra de 1870, foi atacada pela varíola. A Grande Guerra [a Primeira Guerra Mundial] contagiou o mundo inteiro com a encefalite letárgica. Nas nações, também houve o bolchevismo, o comunismo, o fascismo, o nazismo e todas as doenças em “ismo”, às quais gloriosamente temos escapado.
Para o deputado Odilon Braga (MG), a proteção da suposta pureza racial dos alemães evocada por Hitler não passava de um engodo:
— Hitler busca nas profundezas da ideologia ancestral dos germanos, por meio da exaltação racista elevada a culto nacional, o mistério de ocultas forças que justifiquem perante a Alemanha o assalto que ele deu ao poder.
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Apesar das críticas desse tipo, Getúlio Vargas percebeu o ambiente político brasileiro favorável à ditadura e sentiu-se à vontade para aplicar um autogolpe e dar início ao Estado Novo.
Em 1937, às vésperas do fim de seu mandato, ele cancelou a eleição presidencial que estava marcada para o ano seguinte, fechou o Senado e a Câmara, revogou a Constituição de 1934, impôs uma Carta autoritária e continuou no Palácio do Catete, a partir de então como ditador.
O pretexto de Vargas para o autogolpe de Estado foi proteger do Brasil do perigo comunista.
Em 1935, antes do autogolpe, o vice-presidente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Eduardo Espínola, numa das sessões preparatórias para a reabertura do Senado, que estava fechado desde a Revolução de 1930, conclamou os senadores a proteger a democracia e não seguir os passos das ditaduras europeias.
No mesmo discurso, Espínola enumerou características dos fascismos da Alemanha e da Itália que, poucos anos depois, acabariam sendo também características da ditadura do Estado Novo. O ministro citou o diplomata judeu britânico Herbert Samuel:
— Referindo-se aos golpes contra a democracia representativa, salienta o articulista [Samuel] que a ditadura não se detém: elimina pela força os seus adversários, abafa qualquer movimento que possa ameaçá-la, suprime a crítica de suas ações, engrandece os seus méritos, subtrai ao povo o conhecimento de suas falhas, desenvolve uma nova técnica para amoldar à sua feição as opiniões fluidas da geração que surge, censura os livros e só deixa conhecer os fatos históricos que podem justificar a sua doutrina. As universidades e as igrejas são forçadas a se manterem dentro da linha. Os órgãos de propaganda, como cinema, teatro, imprensa etc., dirigem-se a um só fim.
Até 1939, a Alemanha não representou uma questão para o Brasil. A nação nazista, pelo contrário, era um dos maiores parceiros comerciais brasileiros. O problema apareceu quando a Segunda Guerra Mundial estourou e o país foi instado a se posicionar. No início, Vargas se manteve neutro.
O presidente usou a neutralidade como moeda política. Ele, no fim, acabou se aliando aos Estados Unidos, à Inglaterra e à França contra a Alemanha, a Itália e o Japão. A posição foi assumida após os americanos liberarem dólares para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ) — que se tornou um marco da industrialização brasileira.
Como parte do acordo com os Estados Unidos, Vargas enviou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para o conflito na Europa. Os pracinhas brasileiros derrotaram soldados alemães em diversas batalhas no Norte da Itália e contribuíram para a vitória final dos aliados.
Prestes a ser capturado pelas tropas aliadas em Berlim, Adolf Hitler se suicidou em abril de 1945.
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(Reprodução/Wikimedia Commons)
Terminada a Segunda Guerra Mundial, não se ouviram mais louvores a Hitler, nem ao nazismo. Nesse ponto, a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, pós-ditadura do Estado Novo, foi bastante diferente daquela de 12 anos antes. Em vez de elogiar, os parlamentares de 1946 se dedicaram a atacar o extinto regime alemão.
O deputado comunista Maurício Grabois (PCB-DF) afirmou que os parlamentares deveriam revogar o mais rapidamente possível a Constituição de 1937, imposta por Vargas:
— Foi outorgada num período em que Hitler estava conseguindo vitórias espetaculares na Europa. E argumentava-se naquele período sobre um suposto perigo comunista para o nosso povo. E a realidade está mostrando que não havia esse perigo. Como, então, podemos hoje manter essa Carta?
O deputado e escritor Jorge Amado (PCB-SP) concordou:
— Se tivéssemos de homenagear quantos concorreram para a feitura da Carta de 1937, teríamos, então, de exaltar a infame memória de Hitler e Mussolini, porquanto foram eles, mais a quinta coluna, os integralistas, os reacionários mais violentos e o próximo defunto, Oliveira Salazar [ditador de Portugal], os inspiradores desse código de castigos e limitações para o povo brasileiro.
Na Assembleia Nacional Constituinte de 1946, os parlamentares explicaram por que Adolf Hitler, que fora importante na implantação do Estado Novo, também foi decisivo na queda da ditadura varguista. De acordo com eles, tendo o Brasil lutado na Europa ao lado das democracias para sepultar os fascismos, era contraditório que o país continuasse sendo uma ditadura.
O deputado José Claudino (PCB-RJ) resumiu:
— A batalha pela democratização do Brasil não podia ser desligada da batalha da democracia mundial, ameaçada pelo nazifascismo. Ao declarar guerra ao Eixo e enviar os soldados expedicionários, o governo do Brasil dava os mais largos passos no caminho da democracia, pois estava tomando posição contra Hitler e Mussolini, que eram, em realidade, os artífices máximos da Carta de 1937 e do Estado Novo. Liquidar de uma vez para sempre o poderio militar do fascismo, no qual se apoiavam todos os fascismos, todas as ditaduras, toda a reação terrorista e obscurantista, eis o que era básico para a democracia brasileira.
As próprias Forças Armadas, que haviam participado da Segunda Guerra Mundial, encarregaram-se de derrubar o presidente Getúlio Vargas em 1945.
[caption id="attachment_38613" align="aligncenter" width="761"]
Poucas semanas depois, paradoxalmente, o ex-ditador se elegeu senador pelo PSD do Rio Grande do Sul. Documentos do Arquivo do Senado mostram que ele foi acusado pelos colegas senadores de ter sido, antes do alinhamento com os Estados Unidos, simpático à Alemanha de Hitler. Vargas negou a acusação dando um exemplo:
— No princípio de 1938, o Brasil, por minha determinação, deixava de considerar persona grata o embaixador de Hitler, Sr. Karl Ritter, que exigia do governo brasileiro o funcionamento das seções do partido nazista em nossa terra. Num gesto de violência a que estava acostumado, o governo do Reich enviou ao Brasil, de regresso do Congresso de Nurenberg, o mesmo embaixador. Fiz comunicar que não seria permitido o seu desembarque e, ao mesmo tempo, [decidi] retirar o embaixador do Brasil em Berlim. Foi o Brasil a primeira nação do mundo a enfrentar o poderio de Hitler.
O senador Getúlio Vargas também teve de explicar por que não se declarou inimigo dos nazistas logo no princípio da Segunda Guerra Mundial:
— Hitler costumava afastar da vida os chefes de Estado que não se afastavam do seu caminho. Para que minha missão pudesse ser cumprida, precisava viver e contemporizar. A linha de neutralidade rigorosa era a única defesa.
Um senador disse que a simpatia de Vargas pelos nazistas era tão grande que, na presidência da República, ele chegou a proibir que o filme O Grande Ditador, sátira de Charles Chaplin a Adolf Hitler, fosse exibido nos cinemas brasileiros. Vargas, nesse ponto, preferiu calar.
O historiador Fabio Koifman, da UFRRJ, entende que, passados 90 anos, é importante que hoje as pessoas conheçam a história da chegada de Hitler ao poder e sua posterior transformação em ditador:
— Políticos que não têm apreço pela democracia não devem ser apoiados nunca, seja em nome do combate ao comunismo, seja em nome do combate à corrupção. Quando chegou ao poder, Hitler já havia publicado o livro Minha Luta, em que apresentou seu discurso de ódio contra os judeus e enumerou outras ideias que mais tarde colocaria em prática. Os alemães fizeram vista grossa para essas questões detestáveis e o apoiaram, considerando as promessas de reerguer a Alemanha e combater os comunistas.
Ele prossegue:
— Isso mostra que, quando a população concede poderes autoritários a alguém, ela não sabe aonde o ditador poderá chegar. A Alemanha chegou ao genocídio. Precisamos entender que a pior democracia é sempre melhor do que qualquer ditadura.
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