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Todos, todas, todes
Acadêmico José Paulo Cavalcanti Filho questiona a idéia de adoção da linguagem neutra no idioma
José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras Edição: Scriptum O Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu no começo deste mês, ao tratar do tema linguagem neutra, que sua adoção “alteraria a estrutura do português que aqui se fala”. A conclusão foi de que “trata-se de um fenômeno ainda incipiente”, no Brasil de hoje, e “só pessoas ligadas ao núcleo em que nasceu usam” tal linguagem. O presidente da Academia Brasileira de Letras, Merval Pereira, também contra essa linguagem, declarou que “os documentos oficiais devem seguir as normas oficiais vigentes”. Ainda, que “professores não podem obrigar alunos a usar essa linguagem, por nada haver que obrigue a isso”. Trata-se de tema complicado. Por haver grupos, socialmente bastante ativos, que consideram ser a explicitação do preconceito. Sobretudo sexista. Não muitos ainda, graças. Um dogma, para esses, que sequer admitem questionamentos. A posição da ABL contra essa linguagem neutra é, por tudo, corretíssima. E cumpre ver a questão com mínimos de bom-senso. Nesse sentido, alinho alguns apontamentos que fui buscando, pelo caminho, aqui ou ali. Do ponto de vista da linguagem, cumpre anotar quatro regras bem simples: 1. Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos, quanto femininos, independentemente da letra final da palavra: agradável, doente, feliz, inteligente. 2. Algumas escolhas, dessa linguagem, não fazem qualquer sentido. Como dizer PresidentA. Por não haver nenhum PresidentO, no cargo. Há só PresidentE, que já é uma palavra neutra. Usada para qualquer gênero, O presidente, A presidente. 3. Terminar uma palavra com a letra “E” não importa seja, necessariamente, neutra. Basta ver a alface, o elefante. 4. Na essência, não faz diferença mudar a vogal temática de substantivos e adjetivos, em busca de uma linguagem neutra. Que o gênero, regra geral, não é definido pela palavra, mas pelo artigo que acompanha essa palavra: o motorista, o poeta, a ação, a impressão. Para conseguir a neutralidade, por isso, precisaríamos criar também um artigo neutro. Só que a língua portuguesa não aceita esse gênero neutro. Seria necessário, então, mudar o próprio idioma, todo ele, para combater o dito preconceito e usar a tal linguagem neutra. É muito. Não vale a pena. Em resumo, perdão para quem pense diferente, melhor continuar tudo como está. E deixar esse debate para mais tarde. P.S. Mexer na língua é sempre complicado. Em 1938 se discutia, na Academia Brasileira de Letras, o Acordo Ortográfico entre Brasil e Portugal. E o pernambucano Manuel Bandeira era contra. Certo dia, irritado com um debate sobre a eliminação de todos os acentos diferenciais, saiu mais cedo e os repórteres perguntaram o que achava daquilo tudo. Ele respondeu, na hora, ‒ Por mim, tudo bem; que, para o poeta, a forma é fôrma. Deu um risinho e completou ‒ Agora escrevam isso aí sem o acento diferencial. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkThink tanks
Luiz Alberto Machado escreve sobre o crescimento dos centros de pensamento no Brasil e destaca a atuação do Espaço Democrático, a fundação do PSD
Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum Participei, nos dias 13 e 14 de outubro, de um evento em Belo Horizonte intitulado LibertyCon 2023. Promovido pelo Students For Liberty Brasil, foi um evento organizado por jovens para jovens de diversas entidades interessadas em defender e fortalecer a liberdade em todas as suas dimensões. Ministrei palestra sobre "A influência da Liberdade Econômica para a prosperidade das nações", juntamente com o professor Ubiratan Iorio, num painel organizado pelo Instituto Liberal – que, na ocasião, lançou oficialmente o livro comemorativo aos seus 40 anos em defesa da liberdade¹. No material de divulgação do evento, fui qualificado como consultor do Espaço Democrático. Tanto o Instituto Liberal como a Fundação Espaço Democrático são think tanks, tipo de instituição de importância muito valorizada em diversos países desenvolvidos e que vem tendo sua relevância aos poucos reconhecida também no Brasil. E o que são think tanks? De acordo com a Fundação Getulio Vargas, "think tank pode ser definido como instituição que se dedica a produzir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos”. No mundo, há quase oito mil em 187 países, segundo divulgação anual da Universidade da Pensilvânia. Essas instituições pautam debates sociais por meio da publicação de artigos, estudos e participação de seus integrantes na mídia. Além disso, os “think tanks também projetam alternativas e efeitos de possíveis impasses da sociedade". Já para a FIA Business School, "um think tank é uma organização preocupada em criar e disseminar conhecimento sobre os mais variados temas, como política, economia, saúde, segurança, ciência, entre outros. Normalmente, é associado a uma ponte entre os centros de ensino e as comunidades responsáveis por colocar em prática os estudos desenvolvidos. Outro ponto importante é que os think tanks estão relacionados a assuntos de interesse público". Um estudo detalhado e de excelente qualidade sobre think tanks foi publicado em 2019 como texto para discussão pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De autoria de Salvador Teixeira Werneck Vianna, Danilo Santa Cruz Coelho e Alexandre dos Santos Cunha, técnicos de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), tem por título "Desenhos organizacionais e atuação de think tanks governamentais: uma análise comparativa internacional". No estudo, sobretudo em seu segundo capítulo, "Think tanks: um conceito, várias definições" encontram-se contribuições atualizadas de valiosos especialistas. De acordo com o dicionário Merriam-Webster, um think tank é formalmente definido como “um instituto, corporação ou grupo organizado para estudar um determinado assunto (por exemplo, uma questão política ou um problema científico) e fornecer informações, ideias e aconselhamento/assessoramento”. Já Kwon e Wei² fornecem uma definição semelhante, e igualmente genérica, ao fazerem a caracterização de um think tank como “um instituto, corporação ou grupo organizado para pesquisa interdisciplinar, geralmente voltada para clientes governamentais e/ou comerciais”. Rich³, por sua vez, define think tanks como "organizações sem fins lucrativos, independentes e sem interesse, que produzem (e se baseiam em) conhecimentos e ideias para obter apoio junto à sociedade e ao governo para influenciar as políticas públicas". Para os autores do estudo, porém, a definição mainstream corrente, e atualmente mais difundida, é de McGann4, para quem think tanks “são organizações voltadas para assessoramento, análise e pesquisa em políticas públicas sobre questões domésticas e internacionais, permitindo, assim, que os formuladores de políticas e o público tomem decisões informadas sobre políticas públicas”. Nesta acepção, think tanks podem ser instituições afiliadas a outras (universidades, ministérios etc.) ou independentes, estruturadas como órgãos permanentes. Atuam como pontes entre as comunidades acadêmicas e de formulação de políticas e entre o Estado e a sociedade civil; traduzem a pesquisa aplicada e básica em uma linguagem compreensível, confiável e acessível aos formuladores de políticas e ao público em geral. O Partido Social Democrático (PSD), que acaba de completar 12 anos de existência, tem no Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política, um de seus diferenciais como partido político, uma vez que, diferentemente do que se observa em outras agremiações partidárias, ele promove intenso e contínuo debate das questões nacionais e internacionais, utilizando modernas ferramentas de comunicação para coletar, discutir e apresentar propostas, colocando-se como ouvinte atento das demandas da sociedade e procurando, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento do País e de seus cidadãos. 1 BERLANZA, Lucas (org.). Instituto Liberal: Quatro décadas em defesa da liberdade. Santo André, SP: Armada, 2023. 2 KWON, T.; WEI, J. The expanding field of think tank organizations: a comparative study of the U.S., China, and Korea. Washington University in St. Louis, May 2013. Disponível em: 3 RICH, A. Think tanks, public policy, and the politics of expertise. Cambridge University Press, 2004. 4 MCGANN, J. G. 2017 Global Go To Think Tank Index Report. [s.l.]: [s.n.], 2018. (TTCSP Global Go To Think Tank Index Reports, n. 13). Disponível em: https://repository.upenn.edu/think_tanks/13> . Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Card link Another linkO técnico Tite e a ética na política
Se as circunstâncias mudam, não há porque permanecer amarrado a declarações dadas em circunstâncias distintas, escreve Rogério Schmitt
Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum O treinador da seleção brasileira nas duas últimas Copas do Mundo de futebol masculino – o gaúcho Tite – assumiu oficialmente o comando da equipe do Flamengo no último dia 9 de outubro, após algumas semanas de negociações. A contratação do técnico pelo clube mais popular do País foi cercada por uma interessante polêmica, que utilizarei, no entanto, apenas como gatilho para tratar de um tema bem tradicional da teoria política. O motivo da polêmica foram duas entrevistas concedidas por Tite no segundo semestre do ano passado, ainda enquanto treinava a seleção brasileira. Em agosto de 2022, no Flow Podcast, afirmou que “toda equipe brasileira que pensar no Tite como técnico, esquece, ele não vai treinar. Pode escrever onde vocês quiserem, me chamem de mentiroso e sem palavra, que não vai ter". Algum tempo depois, em outubro, Tite declarou ao Lance! o seguinte: “Não vou trabalhar no Brasil no ano que vem. Definitivamente. Não vou. Tenho a minha palavra. ‘Ah, reconsiderei porque... Não, não tem reconsiderar’”. Muitos jornalistas esportivos e torcedores chamaram a atenção para uma alegada contradição entre as declarações de Tite em 2022 e a decisão de treinar o Flamengo em 2023. O técnico não teria pecado pela falta de ética ao não cumprir a sua própria promessa? E é justamente nesse ponto que acredito que a moderna teoria política pode nos ajudar. Vou recorrer a um dos autores mais citados no debate sobre a relação entre a ética e a política: o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Weber nos apresentou a clássica distinção entre o que chamou de a “ética da convicção” (o conjunto de normas e valores que orientam o comportamento de todos nós na esfera privada) e a “ética da responsabilidade” (o conjunto de normas e valores que orientam a decisão dos políticos a partir de suas posições como governantes ou legisladores). Segundo Weber, quanto maior for o nosso grau de inserção na arena política, maior será o afastamento entre as nossas convicções pessoais e a adoção de comportamentos orientados pelas circunstâncias. Em sua famosa conferência “A política como vocação”, organizada em 1919 pela Universidade de Munique, Weber escreveu que “Não podemos prescrever a ninguém que deva seguir uma ética de fins absolutos ou uma ética de responsabilidade, ou quando uma e quando a outra (...) Uma ética de fins últimos e uma ética de responsabilidade não são contrastes absolutos, mas antes suplementos, que só em uníssono constituem um homem genuíno - um homem que pode ter a vocação para a política”. Nesta mesma fonte, encontramos outra célebre passagem weberiana: “Pode-se dizer que há três qualidades determinantes do homem político: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção. Paixão no sentido de 'propósito a realizar', isto é, devoção apaixonada a uma 'causa' (...) Com efeito, a paixão apenas, por sincera que seja, não basta. Quando se põe a serviço de uma causa, sem que o correspondente sentimento de responsabilidade se torne a estrela polar determinante da atividade, ela não transforma um homem em chefe político. Faz-se necessário, enfim, o senso de proporção, que é a qualidade psicológica fundamental do homem político. Quer isso dizer que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas (...) Há um inimigo vulgar, muito humano, que o homem político deve dominar a cada dia e cada hora: a muito comum vaidade. Ela é inimiga mortal de qualquer devoção a uma causa, inimiga do recolhimento e, no caso, do afastamento de si mesmo”. Assim, no exercício da atividade política, uma pessoa pode perfeitamente mudar de opinião ao longo do tempo, sem cair em contradição. Se as circunstâncias mudam, não há porque permanecer amarrado a declarações dadas em circunstâncias distintas. É o caso, por exemplo, de promessas feitas com toda a sinceridade durante uma campanha eleitoral que, no entanto, venham a se mostrar inviáveis ou indesejáveis no exercício real do governo. A ética da responsabilidade é, portanto, tão válida como a ética da convicção. A coerência a ser buscada é também em relação à realidade externa, e não somente em relação aos pensamentos internos. Portanto, ao menos do ponto de vista da teoria política, já está resolvida há mais de um século o tipo de situação vivida pelo técnico Tite (apesar das visíveis diferenças entre a arena política e a arena futebolística). Vale recordar, finalmente, que as entrevistas de Tite ocorreram antes da Copa do Mundo do Qatar (em novembro e dezembro de 2022), e antes das subsequentes negociações fracassadas do treinador brasileiro em assumir o comando de algum time europeu em 2023. As circunstâncias, portanto, mudaram. Na entrevista coletiva concedida no Ninho do Urubu em 16 de outubro, as palavras do próprio Tite foram “Eu prefiro colocar que foi um 'ajuste de datas', respeitando todas as colocações diferentes”. Seria Tite um leitor de Max Weber? 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Card link Another linkBrasil carece de sistema eficiente de inteligência
Para Tulio Kahn, passou da hora de o Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência, ao menos para confrontar as ameaças do crime organizado
Tulio Kahn, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição: Scriptum A história está cheia de exemplos de falhas catastróficas dos serviços de inteligência antes de atentados, guerras ou tentativas de golpe. Apesar de todo aparato tecnológico e bilhões investidos em inteligência, os Estados Unidos foram incapazes de prever os atentados da Al Qaeda, em 11 de setembro de 2001. Israel não detectou a movimentação do Hamas antes dos atentados de 7 de outubro – apesar de alertas do Egito – e também não anteviu a invasão do Egito e Síria na Guerra de Yom Kipur, em outubro de 1973, apesar de alguns indícios prévios. Tampouco os serviços de segurança brasileiros conseguiram se antecipar às invasões na Esplanada dos Ministérios, em 8 de janeiro deste ano, ou os atentados do PCC, em 2006, em São Paulo. É claro que os órgãos de segurança já conseguiram se antecipar e frustrar inúmeros ataques e atentados, muitos dos quais jamais saberemos – e é por isso que todos os países investem em estruturas de inteligência, em especial para lidar com o terrorismo, crime organizado e potências inimigas. Mas estes eventos simbólicos ilustram as centenas de falhas a que estão sujeitos os órgãos de segurança e as consequências catastróficas destes erros. Estamos citando aqui grandes “operações”, que certamente deixaram rastros de seu planejamento, mas que apenas posteriormente vieram à luz. Eventos desta magnitude não são como um raio em dia de céu azul: demandam recursos e tempo para serem planejados e quase sempre deixam pistas, mas que não foram corretamente interpretadas, em tempo hábil, pelos responsáveis pela segurança. Os motivos das falhas podem ser muitos: ausência de uma estrutura eficiente de inteligência, falta de uma doutrina de inteligência, excesso de confiança na tecnologia, falta de coordenação entre órgãos responsáveis, erros de avaliação, ausência de informações ou às vezes excesso de informações, para mencionar somente alguns. Existem, assim, diversos itens que precisam ser revistos e aperfeiçoados, de investimentos a treinamentos, o eventual retorno a algumas práticas clássicas de inteligência baseadas em fontes humanas (humanit), o estabelecimento de uma rede eficiente de trocas de informações, aperfeiçoamento da legislação antiterrorista etc. Estes fracassos servem de lições, duras, para rever procedimentos e estratégias e a comunidade de inteligência de todo o mundo, neste momento, se debruça sobre eles. Dado o baixo padrão de eficiência demonstrado pelas polícias e forças armadas brasileiras para lidar com o crime organizado, contrabando, tráfico de drogas e armas, migração ilegal e controle de fronteiras terrestres, alguém acredita que o setor de inteligência brasileiro teria capacidade para impedir atentados terroristas como os perpetrados contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) e embaixada israelense em Buenos Aires, nos anos 1990, caso ocorressem no Brasil? É sabido que parte do financiamento e planejamento logístico destes atentados passou pela embaixada iraniana em Brasília e que na região da tríplice fronteira existe uma conexão entre o crime organizado e membros de grupos terroristas como o Hamas e o Hezbolah. Para ficar apenas neste caso célebre, em 1992 as investigações revelaram que o coordenador das operações terroristas na Argentina agiu a partir de Foz do Iguaçu. fazendo uso de um telefone atribuído a um certo XXXXXXX (Nisman & Burgos 2013b, p. 9). Esse mesmo número de telefone foi conectado a várias ligações telefônicas feitas pelo grupo operacional do atentado (Nisman & Burgos 2013a, p. 25 e p. 565). O relatório aponta ainda que o attaché Civil da Embaixada do Irã em Brasília entre 1991 e 1993, Jaffar Saadat Ahmad-Nia, era um agente da inteligência iraniana (VEVAK). Segundo depoimentos constantes do relatório, o. Jaffar teria ido à Argentina para ajudar a resolver potenciais problemas logísticos do grupo operacional para os atentados. De qualquer forma, independentemente da acusação, os registros demonstram que Jaffar entrou na Argentina no dia anterior aos ataques e retornou no dia posterior ao ataque à embaixada Israelense em Buenos Aires (Nisman & Burgos 2013b, p. 27). Existem inúmeros registros de atividades, desde a passagem de Moshen Rabbani pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, em 1984. Tanto a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) quanto a Polícia Federal acompanharam, em 1995, a presença de Khalid Sheikh Mohammed no Brasil. Preso em Guantánamo, ele ficou conhecido como a mente por trás dos ataques de 11 de setembro e esteve ligado a vários ataques da Al Qaeda entre 1993 e 2003. De acordo com a famosa 9/11 Commission Report, Mohammed esteve em Foz do Iguaçu em 1995, para encontrar com um contato indicado por Mohamed Atef (Abu Hafs), à época chefe operacional da Al Qaeda (9/11-Commission 2005, p. 148). Ainda em 2016, durante a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil, a agência antiterrorismo da Polícia Federal monitorava nada menos do que 42 indivíduos suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Não é o caso de relatar aqui a tentativa de entrada e a passagem, pelo Brasil, de inúmeros suspeitos pelo envolvimento com o terrorismo, nas últimas décadas. Basta saber que eles atuam por aqui e que num momento de acirramento da conjuntura internacional no Oriente Médio, assim como a Argentina foi o Brasil pode ser alvo de algum atentado. Conheci de perto as estruturas de inteligência federal e do Estado de São Paulo, suas capacidades e deficiências, ambas seriamente sub-dimensionadas, sub-financiadas e incapazes de lidar com este tipo de ameaça. O Brasil não é alvo por conta de sua histórica postura de neutralidade durante os conflitos no Oriente Médio e não pelo receio de detecção e antecipação pelos órgãos de segurança. Passou da hora de o Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência. Se não para lidar com o perigo remoto do terrorismo, ao menos para confrontar a ameaça imediata que o crime organizado e radicais impõem ao estado democrático de direito e à qualidade de vida da população. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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