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O passado promete

O ex-ministro Pedro Malan disse, certa vez, que no Brasil até o passado é incerto. Jornalista Guilherme Fiúza levou a ideia ao seu mais recente livro, de ficção política, que Luiz Alberto Machado comenta

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Estado promotor de desigualdade

Nona economia do mundo, o Brasil é o sétimo país mais desigual do planeta. Responsável? O Estado, aponta o cientista político Rubens Figueiredo

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A tragédia se repete e a insensibilidade política permanece

Mortes se acumulam, populações inteiras perdem tudo o que construíram na vida, mas nada disso é capaz de sensibilizar a classe política, escreve Samuel Hanan

Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   A tragédia da inundação que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, devastando 428 municípios, deixando 107 pessoas mortas, mais de 130 desaparecidas, e afetando mais de 1,5 milhão de cidadãos – dos quais 159 mil desalojados (dados de 9 de maio) –, trouxe dor e sofrimento ao povo gaúcho e comoveu o País inteiro. Por sua magnitude, o desastre natural merece, obviamente, a sensibilização e a solidariedade nacionais. No entanto, o socorro amplo e imediato à população e a reconstrução das cidades não podem esconder algumas reflexões que precisam ser feitas para que tragédias como essa não se repitam e para que todos – a classe política em especial – tomem consciência sobre suas ações e omissões. As autoridades precisam buscar as causas do problema. No caso do Rio Grande do Sul, a gênese da tragédia não está nem no rio Guaíba nem no rio dos Sinos, e sim no Taquari que, com elevação do seu nível a mais de 32 metros – 6 ou 7 metros acima do normal e mais de 2 metros acima da maior enchente até então registrada, em 1941 – deságua boa parte no Guaíba. O relevo, a hidrografia da região metropolitana de Porto Alegre e, mais recentemente, o aquecimento global, dificultam o escoamento de água. De seu nascedouro em Cambará do Sul e Bom Jesus, aí com o nome de rio das Antas, em São Valentim do Sul, recebe as águas do rio Carneiro e então ganha o nome de Taquari, percorrendo, no total, 550 quilômetros do seu nascedouro até sua foz. Trata-se de um rio amplamente mapeado, mas que mereceu pouca atenção na compreensão sobre a tragédia gaúcha. Aliás, é estranho que, mesmo com todos os recursos técnicos hoje disponíveis, não se tenha conseguido evitar uma enchente de proporção ainda maior que a de 1941, mesmo tendo se passado 84 anos. Fica evidenciada a falta de políticas públicas de prevenção de acidentes, fator determinante na ocorrência, e repetição de tragédias. A capital Porto Alegre, embora tenha 68 quilômetros de diques, muros de contenção, comportas e bombas, há décadas faz manutenção precária desses equipamentos. As tragédias que vêm se sucedendo no Brasil ainda não convenceram a sociedade de que os desastres naturais são sempre consequência das ações antrópicas do homem, a espécie que todos ainda insistem em afirmar que é o único ser racional. O homem executa planos de ocupação dos solos das cidades brasileiras e não deixa áreas para permeabilidade e escoamento da água, constrói nas encostas, desmata, provoca o assoreamento dos leitos dos rios, polui as nascentes, invade as margens fluviais para construir barracos, emite gases de efeito estufa, destrói a natureza em nome do desenvolvimento. Tudo isso acontece graças à permissividade do poder do Estado e às políticas públicas equivocadas, elaboradas por quem vê o cidadão somente como contribuinte, sem enxergá-lo como ser humano, detentor de direitos e carente de bem-estar. Comprovação desse fato é que o Plano Nacional de Prevenção de Tragédias está sendo elaborado há 10 anos e nunca é concluído, numa eterna repetição de um faz-de-conta. Enquanto isso, as tragédias seguem se repetindo, com intensidade cada vez maior como mostram os episódios ocorridos nos últimos anos na região serrana do Rio de Janeiro, em Angra dos Reis, em Santa Catarina, na Bahia, no litoral Norte paulista e, agora, em quase 80% do Rio Grande do Sul. A pobreza e a fome ainda envergonham o País que continua alimentando a já enorme concentração de renda. As desigualdades regionais e sociais se acentuam e as promessas se repetem a cada eleição. A grande maioria da população conhece a verdade, mas prefere acreditar na mentira e naqueles que a pronunciam sem pudor. Continua atual o que escreveu o diplomata, historiador e jurista Joaquim Nabuco (1849-1910): “A classe política parece ter contraído, na bancarrota das promessas e dos compromissos, a faculdade de tornar-se insensível diante da miséria alheia”. Também vale uma reflexão sobre o alerta do economista e escritor norte-americano Harry Browne (1917/1986) para quem “O governo é bom em uma coisa. Ele sabe como quebrar as suas pernas, apenas para depois lhe dar uma muleta dizer: se não fosse pelo governo você não seria capaz de andar”. Metaforicamente, o governo “quebra as pernas” dos cidadãos tributando tudo sem oferecer, em contrapartida, educação decente, segurança pública eficiente, saúde de boa qualidade, saneamento básico universal e habitação amplamente acessível às famílias de baixa renda. Isso tudo é tirado da população e, então, o poder público oferece “muletas” como os programas do bolsa-família, auxílio-gás, vale-dignidade menstrual e, em caso de tragédias como a do Sul, autorização para saque emergencial do FGTS e antecipação da restituição do Imposto de Renda e do seguro-desemprego, vangloriando-se de tais “benesses”. Esse é o retrato do Brasil nas últimas décadas. Agora, diante da tragédia, o governo federal envia para o Congresso projeto pelo qual a União fica autorizada a furar o teto de gastos por meio de crédito extraordinário e renúncias fiscais necessárias para o enfrentamento da calamidade pública. Outra medida é a liberação de emendas parlamentares no valor de R$ 1 bilhão com a finalidade de socorrer o Rio Grande do Sul. Ajuda, é claro, porém poucas são as emendas de parlamentares que destinam recursos para prevenção, assim como são raras as liberações para essa finalidade. Obviamente, todo recurso financeiro é bem-vindo num momento de tragédia, mas ninguém propõe doar àquele estado parte do Fundo Eleitoral, de R$ 4,9 bilhões (aumentado em 92% em relação a 2020). Esta, sim, seria uma iniciativa elogiável do Congresso. Afinal, o valor das emendas sai do Orçamento da União. Do bolso dos parlamentares nada é destinado em socorro dos brasileiros do Sul. O Executivo também poderia, com base no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que discorre sobre uma sociedade justa e igualitária, destinar para o Rio Grande do Sul R$ 3 bilhões do orçamento da Lei Rouanet, com o apoio da classe artística, a maior beneficiada com essa legislação. Esse valor, somado a R$ 2,3 bilhões retirados do Fundo Eleitoral, representaria valor suficiente para a construção de mais de 20.000 residências para a população de baixa renda afetada pelas inundações no Sul. Outra medida essencial para aliviar o caixa do Governo do Estado sem necessidade de demora burocrática seria a suspensão por dois anos do pagamento dos encargos da dívida do Estado, o que poderia representar algo em torno de R$ 6 a 7 bilhões no período. É difícil, no entanto, esperar iniciativas dessa espécie do Executivo e do Legislativo. Como falado, nada se fez nesse sentido durante os últimos desastres ambientais e agora a história se repete. As tragédias se sucedem, as mortes se acumulam, populações inteiras perdem tudo o que construíram na vida, mas nada disso é capaz de sensibilizar a classe política, com olhos voltados menos para a população e mais para os recursos necessários na busca pelos votos. Alguém já disse que no Brasil vivemos em uma cultura de embalagens que despreza o conteúdo. Os governos vêm se especializando nisso.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Rio Grande do Sul é a trágica evidência do aquecimento global

Em debate no Espaço Democrático, ambientalista Gilberto Natalini afirma que a receita para enfrentar um futuro caótico depende de todos

 

Redação Scriptum

 

O aquecimento global é hoje uma questão indiscutível, um consenso científico mundial, e a tragédia no Rio Grande do Sul – potencializada pelos efeitos do El Niño, que altera pontualmente a distribuição de umidade e calor no planeta, em especial na zona tropical – apenas evidencia que se a humanidade não fizer sua parte, viveremos todos o caos. “Só no ano passado o Brasil registrou 12 eventos climáticos extremos, excesso de chuvas ou períodos prolongados de seca”, destacou o ambientalista Gilberto Natalini, ex-secretário municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo, em debate nesta terça-feira (14), na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD.

Vereador em São Paulo por cinco legislaturas, período ao longo do qual se envolveu intensamente com a questão do aquecimento global – foi proponente da Conferência de Produção Mais Limpa e Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo –, Natalini, que é médico, disse que ao longo do tempo se tornou uma espécie de “caixeiro viajante” das teses sobre as mudanças climáticas. Ele é autor do livro Lutas sem fim – 1970 a 2022, e coautor de Por uma São Paulo mais sustentável, com Marcelo Morgado Mudanças climáticas – Do global ao local, com Tatiana Tucunduva P. Cortese. “A ciência prevê isto há muito tempo e hoje, revelou uma pesquisa, 97% das pessoas sabem o que é o aquecimento global e conhecem seus impactos, mas só 27% dão algum tipo de contribuição pessoal para ajudar no enfrentamento do fenômeno”, diz.

Natalini diz que a receita para enfrentar o problema é conhecida: reduzir a emissão de gases que provocam o efeito-estufa no planeta. “Precisamos diminuir a queima de combustíveis fósseis, trocar por energias alternativas como elétrica, eólica e solar”, aponta. Embora o Brasil tenha uma frota de veículos pequena se comparada com os países desenvolvidos, ocupa hoje a quinta posição entre os maiores emissores de gases do efeito estufa. “As razões para esta classificação são conhecidas: o desmatamento e as queimadas”. Apesar de sua militância, Natalini é pessimista quando analisa em perspectiva: “O Congresso atual é um dos piores da nossa história”, diz. “Há nada menos do que 25 projetos de lei em tramitação para flexibilizar a legislação ambiental”.

Além de combater a principal causa do efeito estufa, ele diz que as cidades brasileiras precisam se adaptar para enfrentar o desafio de se tornarem lugares resilientes. “O Brasil está na era das cavernas: as chuvas não podem causar tragédias como a do Rio Grande do Sul e os períodos prolongados de seca não podem provocar estragos como ocorreu com a seca do Rio Negro, no ano passado”. Natalini chama a atenção, também, para o fato de muitas prefeituras brasileiras terem operações específicas de inverno para atender a população de rua, mas não têm acolhimento para o verão, para temperaturas acima de 32 graus. “Muitas dessas pessoas não têm nem água para beber”, lembra.

Ele destaca que as cidades serão mais ou menos preparadas de acordo com o engajamento de cada prefeito. “Os programas dependem do gestor”, afirma. E recorda da experiência vivida em São Paulo, entre 2005 e 2012, primeiro com José Serra, durante pouco menos de dois anos, e depois, durante outros seis, com Gilberto Kassab. “Foi o período em que a cidade teve a melhor política ambiental de sua história; triplicou as áreas verdes, com a criação de mais de 100 parques, muitos deles lineares, ao largo de córregos; criou a operação Defesa das Águas, que conteve a ocupação de áreas das represas Billings e Guarapiranga; e fez o programa Córrego Limpo”. Mas nos governos seguintes, lembra, esses programas não foram incentivados.

Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, os economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, o sociólogo Tulio Kahn, o médico Antônio Roberto Batista, a secretária nacional do PSD Mulher, Ivani Boscolo, o gestor público Januario Montone e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático.

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