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O “assuntista”

Rubens Figueiredo fala sobre personagem sempre disposto a dar sua opinião sobre todo e qualquer assunto

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Um novo personagem desponta nesse mundo tão cheio de novidades que envolve a comunicação contemporânea. Trata-se do “assuntista”, uma espécie de “coach” de generalidades, alguém que consegue ter opinião sobre todo e qualquer assunto que frequentar a sobrecarregada pauta de discussão sobre tudo e todos que nos persegue do espreguiçar matinal ao derradeiro bocejo noturno. O “assuntista” é um ser logicamente inviável. Ele se propõe a ser um especialista universal – o que já configura uma contradição nos próprios termos da proposição. É impressionante a desenvoltura com a qual emite suas opiniões sobre temas desconhecidos e a quantidade de certezas que evoca. Aborda com convicção o que desconhece; O “assuntista” não aceita ser contrariado porque suas “ideias” estão solidamente fixadas na convicção. Isso é um perigo. O filósofo Friedrich Nietzsche disse que o pior inimigo da verdade não é a mentira; é a convicção. Fuja dos convictos, se deseja chegar perto da realidade. É no emaranhado das redes sociais que a criatura viceja e se reproduz, mas não só. A recente eleição de Trump multiplicou exponencialmente a quantidade de palpiteiros nos meios de comunicação tradicionais: jornalistas, os onipresentes advogados (anualmente, o Brasil forma algo em torno de 90 mil advogados), humoristas, fanfarrões. Todos se sentiram empoderados para dar seus “pitacos”. Esse ser intelectualmente teratológico tem ideias curtas e opiniões longas. É um chato. Quando encontra alguém mais qualificado no debate, socorre-se de alguma falácia e segue firme na sua postura de mestre do raciocínio e gerenciador da conexão entre os fatos. Quando eles começam sua performance, o melhor conselho é sair de perto.     Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

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Aquecimento global exige transição energética rápida e governança global

Ambientalista Eduardo Jorge falou no Espaço Democrático sobre os desafios para conter a crise climática

[caption id="attachment_38971" align="aligncenter" width="1137"] Eduardo Jorge no Espaço Democrático: crise ambiental é assunto da humanidade[/caption] Redação Scriptum 2024 deve entrar para os registros da ciência climatológica como o ano mais quente da história. Significa que a temperatura média máxima prevista apenas para 2050 pode ser batida 20 anos antes, em 2030. “Só existe uma saída: o aquecimento global é uma realidade e a humanidade tem que acelerar o processo de transição energética”, defende o médico sanitarista e ambientalista Eduardo Jorge, que fez exposição sobre o tema na reunião semanal do grupo de consultores do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (5), em São Paulo. Ex-secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente em São Paulo na gestão de Gilberto Kassab (2006 a 2012), candidato à presidência da República em 2014 e candidato a vice de Marina Silva na disputa de 2018, Eduardo fez uma longa reflexão sobre a política ambiental entre os séculos 18 e 20 para concluir que “todas as alternativas tem impacto climático, mas é indiscutível que o petróleo e o carvão são as piores delas”. Para ele, a questão do aquecimento só se resolve com governança global. “Não é mais uma questão de um país ou outro, tem que ser todos juntos”. Eduardo Jorge considera que o ambientalismo foi fomentado pelo romantismo, entre o final do século 18 e a primeira metade do século 19. “Os românticos questionavam o racionalismo excessivo, valorizavam o individualismo, as emoções, a religião e também a natureza”, lembrou, citando ícones como o escritor Johann Wolfgang von Goethe e o geógrafo e naturalista Alexander von Humboldt, ambos alemães. “O Alexander andou por toda a América do Sul, ficou amigo do Simón Bolívar, era um ecologista da sua época, que influenciou até mesmo Charles Darwin”, define. Ele destacou que a consciência de preservação ambiental começou a mudar apenas na passagem do século 19 para o 20, com o profundo impacto da Primeira Guerra e do desenvolvimento a qualquer custo. “Foi quando os Estados Unidos criaram seus primeiros parques nacionais e também o Serviço Nacional de Parques Americanos”, lembrou. Na segunda metade do século 20, encerrada a Segunda Guerra, a oposição entre capitalismo e comunismo não contribuiu para tornar maior a preocupação com o ambiente. “Comunistas e capitalistas se comportaram da mesma maneira ao longo do século, não tiveram responsabilidade ambiental”, aponta Eduardo. Mas ele destacou alguns pontos que levaram a discussão sobre o tema a um novo patamar. O principal deles foi o protagonismo da Organização das Nações Unidas (ONU) para debater a questão. “Nasceu da ONU a Conferência da Suécia, de 1972, que discutiu a governabilidade dos recursos ambientais, e dali também saiu a iniciativa de encomendar, no ano seguinte, um relatório que fez emergir a o conceito de sustentabilidade, de equilíbrio entre a economia, o ambiente e o social”, disse. Para ele, a questão ambiental, hoje, extrapola a discussão de viés política. “O aquecimento global, o ambientalismo não é causa única de um partido ou de uma ideologia”, diz ele. [caption id="attachment_38969" align="aligncenter" width="1024"] Eduardo Jorge: conter a crise do aquecimento é assunto de governança global[/caption]   Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático os cientistas políticos Rogério Schmitt e Rubens Figueiredo, o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, o advogado Roberto Ordine, o sociólogo Tulio Kahn, os economistas Luiz Alberto Machado e Roberto Macedo, a secretária do PSD Mulher nacional, Ivani Boscolo, e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático. Todos consultores e colaboradores da fundação do PSD.

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Defeitos e virtudes da PEC da Segurança pública

Sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, comenta pontos da proposta do governo federal

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum O governo federal reuniu um grupo de autoridades para apresentar sua proposta de PEC para a segurança pública. Por si mesma, a iniciativa de assumir mais responsabilidades sobre a segurança pública e convidar os governadores para discutir a questão deve ser elogiada. Como toda proposta de mudança nesta esfera, a PEC da segurança tem aspectos positivos e negativos. Em alguns pontos ela propõe medidas radicais – que correm o risco de não serem aprovadas – e em outros, lida com aspectos pouco relevantes do ponto de vista da redução da criminalidade. É preciso esperar para ver o que restará da proposta original quando for debatida e modificada pela sociedade e pelo Congresso, para avaliar seu impacto. Entre outros pontos, a PEC propõe constitucionalizar o SUSP e os fundos unificados de Segurança e Penitenciário, medida que pode garantir maior segurança institucional a estas regras, evitando que sejam extintos em futuras gestões. Mas a unificação dos fundos nacionais (o FUNAD ficou de fora da PEC) poderia ter sido acompanhada de um incremento considerável no montante, apontando, claro, de onde viriam os recursos, sempre escassos. O problema principal dos fundos nacionais não é contingenciamento de recursos, mas o seu volume insignificante, além da falta de bons projetos. Assim, estes fundos nacionais robustos seriam a cenoura para que os Estados seguissem as diretrizes nacionais, em vez de propor a obrigatoriedade para os Estados, como sugerido na PEC, item que dificilmente passará no Congresso como está formulado e que tem provocado resistência natural por parte dos governadores e das polícias. Trata-se de um cheque em branco, uma vez que não há como saber o que seriam estas diretrizes nacionais. E um risco, pensando em diretrizes federais como as que já vimos. Esta é a parte “radical” da proposta e que tem a função de transmitir a mensagem de que o governo federal quer fazer alguma coisa, mas a legislação atual não deixa. Ninguém, nem mesmo o governo, acredita na sua viabilidade – mesmo se o governo federal viesse a assumir todos os enormes custos da segurança, o que está longe de fazer (governo federal participa com apenas 1,6% dos gastos em segurança pública, segundo o Anuário FBSP, de 2023). Do lado menos radical da PEC estão os projetos como unificação de documentos de identidade, padronização de registros policiais, unificação de procedimentos policiais etc. iniciativas que se arrastam pelos corredores do Ministério da Justiça desde a minha época (2002) e nem precisariam de uma PEC para serem levados a cabo. Mas são ideias que continuam pertinentes, de baixo impacto (assim como o policiamento das hidrovias...) e que não devem enfrentar maiores oposições dos Estados ou do Congresso. Deixando de lado as propostas mais radicais e pouco realizáveis e as propostas de menor impacto, temos um grupo de propostas que são ao mesmo tempo relevantes e politicamente viáveis. Refiro-me aqui, por exemplo, à ideia de ampliar e explicitar as competências da PF/PRF para atuar em defesa do patrimônio federal, nos crimes ambientais, de milícia ou interestaduais, que me parecem o elemento mais relevante do pacote, uma vez que atribuem novas e relevantes tarefas aos órgãos federais. A PRF conta com mais de 12 mil policiais, um orçamento superior à soma dos fundos nacionais (R$ 4,8 bilhões), mas tem funções constitucionais bastante limitadas, que poderiam ser ampliadas. Eu incluiria neste rol de funções algumas atribuições atuais das Forças Armadas sobre a fiscalização de armas e proprietários, que as FAs não têm realizado a contento. Estas novas atribuições exigem mudanças constitucionais e precisarão de apoio no Congresso. Devem enfrentar resistências da bancada da bala e das polícias estaduais, que temem perder poder, mas acredito que possam ser aprovadas, se houver consenso na sociedade sobre sua importância e muita negociação. Gostaria de me deter sobre o que penso ser um equívoco conceitual da proposta, que assume que o modelo atual de segurança estadual é “efetivo” e tenta emulá-lo em nível federal. Assim, segundo a justificativa da PEC, “cumpre ressaltar que os Estados da Federação e o Distrito Federal atuam na área de segurança pública por meio de duas forças policiais distintas: polícia judiciária e polícia ostensiva... Esse modelo, considerado efetivo nos Estados, merece ser replicado no âmbito federal.” Ouso dizer que não merece. O que o governo percebe como mérito talvez seja justamente o cerne do problema de segurança brasileiro. O modelo de duas polícias (com duas “meias polícias” ou quatro quartos de polícias, se considerarmos as divisões de castas dentro de cada uma delas) é apontado por quase todos os especialistas em segurança como um fracasso em comparação com o modelo de polícia única e de ciclo completo – O que pensam os especialistas, 2017 e 2019. As polícias estaduais competem entre si, não compartilham informações, têm estruturas redobradas e conflito de competências, não investigam nem previnem crimes, são impregnadas pela corrupção e violência sistêmicas etc. Pelo menos alguma parte destas mazelas é responsabilidade da inexistência de uma polícia única de ciclo completo. A maioria dos policiais também percebe o problema e é favorável à polícia e carreira únicas e aprovam a ideia de poder alternar entre atividades judiciárias e ostensivas. Na pesquisa com especialistas – incluindo policiais civis e militares – realizada em 2017, 31,5% dos entrevistados se disse fortemente a favor da unificação e 28,7% a favor, somando os favoráveis à medida 60,2% (Kahn, Apontamentos para a reforma da segurança pública no Brasil, 2018). Corroborando as pesquisas feitas com especialistas e com a população sobre o tema, a maioria absoluta (70%) dos 5.600 policiais entrevistados em pesquisa sobre modelo de polícia de 2019, apoiou a unificação das policiais estaduais. Apenas 8% disseram que as polícias deveriam ser totalmente separadas ou ficar como está atualmente. Finalmente, 21% afirmaram que deveria existir maior integração entre as polícias. Parece haver um consenso de que existe pouca integração e em torno do desejo da unificação, quando analisamos o total da amostra (Kahn, Tulio, Seis teses equivocadas sobre a criminalidade brasileira e outros escritos, 2019). Opinião sobre a unificação e alternativas                                                     Fonte: Pesquisa Unificação das Polícias / Fundação Espaço Democrático O governo federal pode aproveitar a oportunidade para criar uma polícia federal única de ciclo completo – juntando numa mesma força a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Penal Federal. A Força Nacional de Segurança Pública teve sua existência ignorada na PEC, o que é uma evidência de que poderia ser tranquilamente extinta, assim como a Polícia Ferroviária Federal, caso esse novo modelo de polícia federal venha a ser criado. Nesta força federal unificada de ciclo completo, gerenciada por um Ministério da Segurança exclusivo, adotar-se-ia o ingresso único por baixo, com ascensão aos postos superiores apenas mediante cursos e concursos para progressão, extinguindo-se a carreira dos delegados bacharéis, tal como se dá atualmente na PRF. O projeto ainda está em discussão no governo e será debatido no Congresso e pela sociedade. Creio que uma mudança nesta direção seria um legado estruturante da atual gestão (cujo ministro, gosto de lembrar, foi meu professor). Essa polícia federal unificada poderia ser o modelo para eventualmente ser reproduzido nas polícias estaduais algum dia – desconstitucionalizando-se o modelo bipartido atual, engessado no art. 144, ao invés de trocar o nome da PRF para POF. Se a intenção é criar um sistema único e integrar as organizações policiais, o governo federal poderia começar integrando as suas próprias polícias. O País precisa de mudanças impactantes na área da segurança. Temos visto algumas poucas, desde que o governo federal passou a se dedicar com maior intensidade ao tema. Exemplos de mudanças estruturantes na segurança em âmbito nacional foram, na minha seleção pessoal: 1) A criação da Senasp, em 1997. 2) A criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Plano Nacional de Segurança Pública, em 2000. 3) A criação do Estatuto do Desarmamento em 2003. 4) A criação do SUSP, sua forma de financiamento via loteria e a criação do Ministério da Segurança, em 2018 – infelizmente de pouca duração. 5) A abolição da legislação bolsonarista sobre armas, em 2022. A PEC da Segurança de 2024 é ousada em vários aspectos e pode servir de base para discutir temas importantes. Contribui em maior ou menor medida para a criação e aperfeiçoamento das medidas 2, 3 e 4, o que me garante algum crédito, acredito, como razoável formulador de políticas públicas de segurança estruturantes. Ficam aí algumas sugestões para o aperfeiçoamento da proposta federal. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

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A ciranda da crise brasileira

Para Samuel Hanan, o Brasil reclama um compromisso firme e inadiável de combate à corrupção, mal que nunca deixou de existir no país

Samuel Hanan, ex-vice-governador do Amazonas, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum Nós brasileiros, temos uma expressão popular bem peculiar, muito usada quando queremos nos referir a uma situação em que se busca algo com bastante esforço sem, entretanto, alcançar resultado algum: “É o cachorro correndo atrás do próprio rabo”. Ela cabe perfeitamente para ilustrar a atual situação do país, em um momento em que uma série de medidas são tomadas – a mais barulhenta delas é a reforma tributária, em fase de regulamentação no Congresso Nacional – sem resultados efetivos até agora, mesmo passados 18 meses do início do novo governo. O País vem olhando muito para a busca de soluções sem tentar enxergar prioritariamente as causas da situação. O governo tem resistido a entender que o foco da crise está no gigantismo do Estado brasileiro e no desequilíbrio das contas internas. A máquina administrativa não para de crescer e de há muito as despesas primárias são maiores que as receitas. A primeira consequência, inafastável, é que o déficit público só faz aumentar. Dobrou de tamanho em 2023, fechando o ano em R$ 967 bilhões, ante R$ 480 bilhões registrados em 2022. Mais déficit público significa mais dívida pública, que já compromete de 77% a 79% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, somando cerca de R$ 9 trilhões. Com o aumento da dívida, sobem também os juros que o País tem de pagar ao mercado financeiro. E isso eleva a dívida pública. Vai-se, desta forma, alimentando o círculo vicioso porque se a dívida pública cresce, fica maior a taxa de risco do país, o que afasta os investidores externos e provoca aumento no spread/taxa de juros. Com tudo isso, fica menor o volume de recursos disponíveis para prestação de serviços essenciais à população – saúde, educação, habitação, saneamento e segurança, principalmente. Tais serviços vão se precarizando e ficam cada vez menos universais, criando frustração na população, que confiou nas promessas de campanha. A crise perdura há mais de 25 anos e tem várias origens, menos uma: a falta de recursos financeiros. Basta ver que os governos pós Constituição Federal de 1988 vêm dispondo de 32% a 34% do PIB (arrecadação tributária mais de 8% a 9% do PIB a título de déficit público financiado pelo caríssimo endividamento público). Entre as várias causas dessa situação há algumas muito evidentes, que coincidem com o pensamento de grande parte da população, a começar pela falta de um Plano de Metas acompanhado de avaliação periódica e transparente para fiscalização do eleitor. Somam-se a isso a tolerância à corrupção endêmica e a priorização da manutenção – e ampliação, sempre que possível – da fantástica fábrica de privilégios em benefício dos donos do poder, com a certeza de que governar é retirar direitos da população a fim de propiciar recursos para financiar a situação muito confortável de poucos. Além disso, temos a prática constante de escamotear a verdade, escondendo-a atrás da falta de transparência dos atos do governo, optando-se pela permanente venda de promessas que sabidamente não serão cumpridas, transformando-se em meras ilusões. Como se fosse coisa normal, cerca de R$ 1 trilhão está sendo subtraído anualmente dos serviços públicos da saúde, educação, segurança pública, habitação e programas sociais. Um bom exemplo de como a coisa pública não é levada a sério, mesmo nos setores mais sensíveis à sociedade, é o Plano Nacional de Educação, criado pela Lei nº 13.005, de 2014, com 20 metas nunca cumpridas na integralidade e agora substituídas pelo novo PNE de 2024. A meta 6 original previa que até 2016 seria oferecido ensino em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas, mas o Censo mostrou que em 2022 apenas 6,9% das escolas contavam com esse avanço. Outro caso: a meta 20 previa ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, 7% do PIB até 2019 e 10% do PIB em 2024. Mera ilusão: em 2023, o investimento em educação não passou de 5,5% do PIB, ficando, portanto, muito aquém da meta. A ciranda da crise segue girando e, diante do desgaste, o governo opta por criar narrativas, apontando vilões como os responsáveis pelos maus resultados, reeditando o discurso de heranças malditas, sem jamais realizar um mea-culpa. Parece haver uma necessidade incontrolável de seguir vendendo ilusões e, com isso, se acentua o distanciamento da verdade. É sempre possível, no entanto, transformar o círculo vicioso em virtuoso. Possível e necessário, para que o país não siga patinando e reencontre o caminho do desenvolvimento porque só assim a população poderá resgatar a esperança de uma vida mais digna. O ponto de inflexão, sem dúvida, é garantir mais transparência. É fundamental trabalhar com a verdade, enterrando-se de vez a prática de criação de narrativas que ao final se revelarão estéreis com a evolução dos fatos. O Brasil reclama também um compromisso firme e inadiável de combate à corrupção, mal que nunca deixou de existir no país, deixando um rastro de enormes prejuízos aos cofres públicos. Sem o seu combate sério e efetivo, sempre reinará a impunidade e permanecerá a sensação de que o crime compensa, em uma perigosa sinalização às novas gerações, afastando da boa política as pessoas de bem. Porém, meros discursos não bastam. São necessárias mudanças legislativas para tornar imprescritíveis os crimes cometidos contra a administração pública, impor maior rigor à Lei da Ficha Limpa, e reduzir drasticamente o número de pessoas com foro por prerrogativa de função. Estima-se que a corrupção consuma entre 2% e 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Embora o desejável fosse reduzir a perto de zero, admitindo- se realisticamente a redução pela metade, o Brasil teria uma economia de R$ 150 bilhões/ano em recursos públicos que hoje escoam pelo ralo. Apesar disso, há cerca de dois anos não se vê atuação nesse sentido. Os esforços da Polícia Federal parecem estar concentrados apenas na questão da venda de joias pelo ex-presidente e na apuração dos lamentáveis episódios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Enquanto isso, outros escândalos passam sem alarde, como os indícios de direcionamento de recursos orçamentárias para atender interesses particulares de um ministro de Estado; a polêmica concorrência para importação de 263 mil toneladas de arroz, vencida por empresas sem capacidade técnica e que acabou cancelada pelo governo; e a transação com concessão de energia térmica no Amazonas, envolvendo um passivo de bilhões de reais ao final assumido pelo governo e, é claro, pago pelo contribuinte. O grande humorista Jô Soares (1938-2022) dizia algo muito sério: “A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é coisa muito nossa”. Aprendamos com ele. Para interromper a ciranda da crise também é fundamental reduzir os gastos com funcionalismo público que hoje consomem 12,8% do PIB. Um grande avanço seria limitar essa despesa a 9,8% do PIB, média registrada pelos 37 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que poderia ser feito por meio da redução de privilégios e com os não-concursados, gerando economia de R$ 340 bilhões/ano. É essencial, ainda, reduzir os gastos tributários da União dos atuais 4,8% para 2% a 2,5% do PIB, o que garantia economia de R$ 320 bilhões/ano. Outra providência que se impõe é tornar as eleições menos onerosas. Isso pode ser feito limitando os recursos dos fundos partidário e eleitoral e acabando com a reeleição para cargos do Poder Executivo. Essas poucas – porém necessárias e contundentes – medidas seriam capazes de propiciar, sozinhas, a redução de despesas da ordem de R$ 810 bilhões/ano. Representariam um grande passo rumo à austeridade e à responsabilidade orçamentária, fundamentais para o Brasil superar a crise e visualizar um horizonte mais positivo para o país e sua população, com maior eficiência administrativa, mais desenvolvimento e menos pobreza. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

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