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Taxonomy - Destaquinho

Em busca do sistema único de segurança pública

Sociólogo Tulio Kahn analisa um dos pontos da proposta de PEC do ministro da Justiça, Ricardo Lewandovsky

Tulio Kahn, sociólogo e consultor do Espaço Democrático Edição Scriptum   A partir de 2024, o Ministério da Justiça passou a divulgar mensalmente 28 indicadores criminais coletados dos 27 Estados. A série histórica mais recente e consistente de dados criminais nacionais vai de 2015 a maio de 2024, com a qualidade dos dados melhorando a partir de 2017. Este processo de coleta e disseminação de indicadores criminais teve início no final dos anos 1990, com o SINEP, e o aperfeiçoamento e ampliação do sistema – o último deles com o SINESP VDE em 2023 – é sinal da relevância atribuída aos dados para avaliação das políticas de segurança pública e gestão da segurança. Na proposta de PEC do ministro da Justiça, Ricardo Lewandovski, está incluído o desenvolvimento de um novo sistema padronizado e integrado de registros policiais, boletins de ocorrência e mandados de busca, sugerindo que a atual gestão busca melhorias nos sistemas existentes. Os indicadores atuais não se limitam aos 28 divulgados, uma vez que novos indicadores podem ser construídos com base neles: taxas por habitante ou veículos, razões entre indicadores, porcentagens, agregação de grupos indicadores e assim por diante. Assim, por exemplo, para tentar medir eventuais excessos na ação policial, o professor da Universidade de Nova York Paul Chevigny criou nos anos 1990 três interessantes indicadores, hoje clássicos: a razão entre criminosos mortos e feridos, a razão entre criminosos mortos e policiais mortos e a porcentagem de mortes em confronto dentro do total de mortes. Matematicamente, eles são bastante simples de ser calculados e o SINESP disponibiliza atualmente tanto o número de agentes policiais quanto o de suspeitos mortos em confronto, assim como o total de homicídios por Estado, sendo possível, portanto calcular dois destes indicadores propostos por Chevigny. A questão é saber se eles medem realmente o fenômeno subjacente (excessos na ação policial), se estão medindo alguma outra coisa e se medem de modo preciso. Em outras palavras, da validade e confiabilidade do constructo. O argumento do autor é que num conflito típico, os confrontos deixam mais feridos do que mortos. Confrontos com um padrão inverso – mais mortos que feridos – sugerem excesso policial. Do mesmo modo, num confronto típico, o esperado é que o número de mortos seja assemelhado entre as forças, ou ligeiramente maior para aquela que é mais bem treinada e equipada. Mas quando o número de mortos de um lado é muitas vezes superior ao de outro, isto sugere um desvio da normalidade. Finalmente, numa sociedade democrática, espera-se que as mortes em confronto com a polícia representem apenas uma pequena parcela dos homicídios. Quando esse percentual é muito elevado (a média no Brasil é de 14,5%, segundo o Sinesp, em 2023), temos novamente a sugestão de estamos diante de um descontrole do uso da força. É claro que existem problemas nestes raciocínios: por exemplo, uma queda forte nos índices de homicídio de um determinado Estado provoca, por definição, um aumento na porcentagem de mortes em confronto dentro do total de mortes, mesmo que em números absolutos as mortes em confronto estejam estáveis. Todavia, quando analisados em conjunto e contextualizados, estes três indicadores simples ajudam a dar uma dimensão do problema da violência policial num determinado local e período. O ponto aqui não é avaliar especificamente os indicadores de Chevigny, mas antes ilustrar o que se pode fazer a partir dos dados crus e o processo de geração de novos constructos conceituais: juntando homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, cria-se o novo conceito de CVLI – crimes violentos letais intencionais e assim por diante. Juntando apreensão de armas e de drogas e dividindo pelo número de policiais, temos talvez alguma medida de “esforço policial”. Juntando roubo a bancos, carga e tráfico de droga, temos talvez uma medida rudimentar de crime organizado? Estes novos constructos, quando válidos e confiáveis (isto é, relacionados ao conceito que procuram mensurar e medindo-o de forma adequada), são ferramentas heurísticas que jogam novas luzes sobre os temas, mostrando às vezes coisas que os indicadores isolados não revelam. Vale lembrar que além dos 28 novos indicadores divulgados pelo Sinesp, o governo federal realiza desde os anos 1990 a pesquisa Perfil das Polícias e o Censo Penitenciário Nacional, ambas contendo centenas de variáveis para o estudo do fenômeno criminal e para a gestão da segurança. Publica ainda esporadicamente dezenas de pesquisas isoladas, como a pesquisa nacional de vitimização e o Mapa das organizações criminosas ORCRIM atuando nos presídios (SISDEPPEN, 2023). Sinarm, Infoseg e Renavam são exemplos de outras bases de dados relevantes mantidas pelo Ministério da Justiça, entendidas como bases operacionais (são índices de consultas para agentes em campo) mas também podem ser utilizadas para análises estratégicas. O sistema de indicadores está longe de ser ideal – carece de qualidade, atualidade, granularidade – mas caminha gradualmente em direção a um sistema mais abrangente e qualificado. A Lei do SUSP de 2018 traz diversos artigos relativos a indicadores e bases de dados. Neste sentido, a ideia da PEC de constitucionalizar o SUSP pode ser um passo importante para institucionalizar e solidificar o "sistema único de segurança pública".   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Como funcionam os sistemas políticos do Reino Unido e da França?

Cientista político Rogério Schmitt mostra os detalhes das eleições recentes dos dois países europeus. Os desafios são parecidos com os nossos

Rogério Schmitt, cientista político e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum   Duas das mais importantes democracias europeias acabaram de realizar as suas eleições legislativas periódicas. Em 4 de julho (uma quinta-feira), o Reino Unido elegeu os 650 membros de sua Câmara dos Comuns. Quase simultaneamente, nos dois últimos domingos (30 de junho e 7 de julho), a França elegia os 577 membros de sua Assembleia Nacional. Apesar de terem sido eleições para o poder legislativo, elas também produziram impactos diretos sobre a composição dos governos dos dois países. De fato, os sistemas políticos do Reino Unido e da França são bem diferentes do brasileiro. Por isso, mais do que comentar sobre os vencedores e perdedores de cada disputa, gostaria de apresentar neste artigo – de forma didática – as principais regras de funcionamento de ambos os sistemas. Comecemos pelo Reino Unido (que inclui a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte). Os membros da Câmara dos Comuns são eleitos através do sistema conhecido no Brasil como “voto distrital puro”. Em cada um dos 650 distritos do país, elege-se o candidato individualmente mais votado (basta a maioria simples). Ao contrário do Brasil, a proporção de votos obtida por cada partido é irrelevante para o resultado das eleições. Na votação popular, o Partido Trabalhista elegeu nada menos que 411 deputados (63,2% do total), o mesmo número de distritos em que foi majoritário. Num distante segundo lugar, o partido Conservador elegeu 121 deputados (18,6%) do total. Na terceira posição, o partido Liberal Democrata elegeu 72 deputados (11,1% do total). E as 46 cadeiras remanescentes da Câmara dos Comuns ficaram distribuídas entre dez pequenos partidos e candidatos independentes. Como o voto distrital é um sistema orientado para a formação de maiorias legislativas, ele acaba produzindo enormes discrepâncias entre a composição do poder legislativo e as preferências do eleitorado. Apesar de terem feito quase dois terços dos deputados, os trabalhistas receberam apenas 33,7% dos votos populares. O contrário aconteceu com os conservadores, que tiveram mais votos (23,7%) do que cadeiras. No caso dos liberais-democratas (12,2% dos votos), houve equilíbrio. Mas os maiores prejudicados foram os partidos pequenos (cerca de 30) e os candidatos independentes que, conjuntamente, receberam os votos de 30,4% dos eleitores britânicos. O segundo aspecto relevante do sistema político do Reino Unido é o sistema de governo parlamentarista, no qual não há uma votação popular específica para a chefia do governo. O poder executivo é comandado pelo primeiro-ministro, que será sempre o líder do partido com o maior número de cadeiras na Câmara dos Comuns. Assim, já no dia seguinte à data da eleição, o rei Charles III nomeou o trabalhista Keir Stamer como o novo primeiro ministro do Reino Unido. A última eleição vencida pelos trabalhistas havia sido em 2005, e desde 2010 o Reino Unido havia sido governado por uma sucessão de cinco primeiros-ministros conservadores. Passemos então para as eleições na França, cuja cobertura pela imprensa brasileira foi muito maior do que a britânica. Cada um dos 577 deputados franceses representa um distrito eleitoral diferente, com a votação seguindo uma regra majoritária. No entanto, a votação acontece em dois turnos (em domingos subsequentes). No primeiro turno, elegem-se somente os candidatos que obtiverem a maioria absoluta (50% mais 1) dos votos em seus distritos. Nos demais casos, realiza-se um segundo turno apenas com os candidatos que ultrapassaram o patamar de 12,5% dos votos, onde se elege o nome com o maior número de votos. Este ano, apenas 76 deputados franceses foram eleitos no primeiro turno. O veredito sobre as 501 cadeiras restantes ficou para o segundo turno (por lá conhecido como ballotage). O aspecto mais interessante desse sistema é que, no segundo turno, há fortes incentivos para o voto estratégico (ou voto útil, no jargão brasileiro), para reduzir as chances de vitória de nomes com forte rejeição. E foi exatamente o que aconteceu. No primeiro turno, a coalizão de partidos de direita Reagrupamento Nacional obtivera 33,2% do voto popular, o que sugeria a possibilidade de o grupo formar maioria na Assembleia Nacional após o segundo turno. Na sequência, ficaram os partidos da coalizão esquerdista Nova Frente Popular (28,1% dos votos) e da coalizão Juntos, do presidente de centro Emmanuel Macron (com 21,3% dos votos). Para o segundo turno, estes dois últimos grupos se coordenaram para que, em cada distrito, apenas o candidato mais competitivo (de esquerda ou de centro) concorresse contra o candidato da direita. A estratégia funcionou. Os blocos de esquerda e de centro fizeram as duas maiores bancadas no legislativo francês, com 182 e 168 deputados, respectivamente. E a coalizão de direita (com 143 cadeiras) saiu das urnas apenas como a terceira força política do país. Por outro lado, pela primeira vez na moderna história francesa, nenhum grupo parlamentar conseguiu atingir sozinho a maioria absoluta de 289 deputados. Mas o sistema político francês tem uma segunda característica relevante: trata-se de um sistema de governo semipresidencialista, no qual o poder executivo é dividido entre um presidente eleito pelo voto popular (com mandato fixo de 5 anos, com direito a uma reeleição) e um primeiro ministro indicado pelo agrupamento majoritário na Assembleia Nacional. Na atual conjuntura, Macron está em seu segundo mandato (reeleito em 2022), e permaneceria na função qualquer que fosse o resultado das urnas agora. Mas ainda não se sabe quem será o próximo primeiro-ministro francês. No cargo há cerca de seis meses, Gabriel Attal (do mesmo partido de Macron) tende a ser substituído assim que a esquerda e o centro chegarem a um acordo para formar um governo de coalizão. Estes dois estudos de caso sobre o funcionamento da política em dois importantes países da Europa mostra que muitos dos desafios políticos enfrentados pelo Brasil são, na verdade, comuns a todos os regimes democráticos. As semelhanças conosco não terão sido meras coincidências.   Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Nova publicação do Espaço Democrático: 30 anos do Plano Real

Caderno de autoria do economista Luiz Alberto Machado está disponível para leitura on-line ou download no site da fundação

Redação Scriptum   O mais bem-sucedido plano de controle da inflação brasileira, o Real, está completando 30 anos. Em 1994, neste mesmo mês de julho, o cruzeiro real, moeda corroída pela hiperinflação, era substituído pelo real, que estabilizou a economia brasileira. A obra de engenharia econômica que colocou fim à inflação inercial do País é tema da mais recente publicação do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD –, intitulada Plano Real – 30 anos de um novo tempo, já disponível para leitura on-line ou download no site da fundação. O fascículo é de autoria do economista Luiz Alberto Machado, mestre em Criatividade e Inovação, consultor da Fundação Espaço Democrático, ex-presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo e conselheiro da Fundação Educacional Inaciana (FEI) e do Instituto Liberal. Machado faz um breve histórico do bom desempenho da economia brasileira do início do período republicano, desde o final do século 19 até o final da década de 1970, e prossegue descrevendo a década de 1980, que ficou conhecida como década perdida, que marca o início de um difícil período caracterizado pela perversa combinação de estagnação prolongada, inflação crônica e crise das dívidas. Por fim, aponta os principais aspectos da concepção e implantação do Plano Real e discorre sobre a trajetória da economia brasileira nos anos que se seguiram à implementação do plano de estabilização, com destaque para o tripé macroeconômico, composto pelo regime de metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal.

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Vida longa ao Real!

Imaginem se além dos problemas que enfrentamos, sobretudo no plano fiscal, tivéssemos instabilidade monetária, escreve Luiz Alberto Machado

Luiz Alberto Machadoeconomista e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum No dia 1° de julho de 1994, numa foto histórica, Itamar Franco, presidente da República, e Rubens Ricupero, que havia sucedido Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, apresentavam ao Brasil as cédulas de reais após troca das notas de cruzeiros reais em agência da Caixa Econômica Federal do Palácio do Planalto, em Brasília. A introdução da nova moeda significava a etapa decisiva de consolidação do Plano Real, que havia sido anunciado em 27 de fevereiro de 1994, quando o ministro da Fazenda ainda era Fernando Henrique Cardoso, trazendo como grande novidade a Unidade Real de Valor (URV), dotada de curso legal para servir exclusivamente como padrão de valor monetário. Esta etapa se estendeu até a entrada em circulação da nova moeda, que ocorreu no dia 1º de julho de 1994. O período de vida da URV foi curto e profícuo. Foi, além disso, a grande sacada da equipe responsável pela concepção do Plano Real: combater a inércia inflacionária que se alimentava da indexação dos preços por meio da radicalização da correção monetária ou uma aceleração da indexação. Nas palavras de Gustavo Franco, "uma vacina feita com o próprio veneno da inflação". Tinha início a mais longeva trajetória de uma moeda no Brasil, descontadas as duas primeiras: o real português ($), vigente de 1568 a 1833, correspondendo à etapa do Brasil-colônia; e ao real brasileiro (R), versão nacional da moeda portuguesa, vigente até 1942, quando foi substituído pelo cruzeiro (Cr$) durante o governo de Getúlio Vargas. Circulando até 1967, o cruzeiro havia sido a moeda de mais longa duração, com 25 anos, como se vê na tabela que se segue.                           Histórico de alterações de moeda no Brasil

Moeda Símbolo Período
Real Português $ 1568 a 1833
Real Brasileiro Rs 1833 a 1942
Cruzeiro Cr$ 1942 a 1967
Cruzeiro Novo NCr$ 1967 a 1970
Cruzeiro Cr$ 1970 a 1986
Cruzado Cz$ 28/02/1986 a 15/01/1989
Cruzado Novo NCz$ 16/01/1989 a 15/03/1990
Cruzeiro Cr$ 16/03/1990 a 31/07/1993
Cruzeiro Real CR$ 01/08/1993 a 30/06/1994
Real R$ 01/07/1994 até hoje
Fonte: BCB Essa sucessão de padrões monetários observada até 1994 é apenas uma das nefastas consequências da elevada inflação que caracterizou a economia brasileira desde que o País encerrou, na década de 1980 − conhecida como "década perdida" − um ciclo auspicioso de crescimento. Nas décadas de 1980 e 1990, a taxa anualizada de inflação chegou várias vezes aos três dígitos e, em 1992 e 1993, aos quatro dígitos. Para aqueles que não viveram esse período, reproduzo um parágrafo de um artigo escrito em 1992 pelo economista Eduardo Giannetti, que ilustra à perfeição que era aquele descalabro: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil.” Considerando que o Plano Real foi concebido como um plano de estabilização, que tinha por objetivo pôr fim ao longo período inflacionário − com momentos de hiperinflação − prevalecente na economia brasileira, alinho-me àqueles que acreditam que ele foi muito bem sucedido. Se o País passou a ter taxas pífias de crescimento desde a década de 1980, isso se deve à incapacidade de adotar políticas econômicas adequadas e à coragem de fazer as mudanças necessárias para tanto. A estabilização monetária é apenas um pré-requisito e, seguramente, cria condições favoráveis para o crescimento. Seria muito pior se, além dos problemas que já enfrenta, sobretudo no plano fiscal, vivêssemos ainda com instabilidade monetária. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.  

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