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Defesa civil precisa ser valorizada no País

Sociólogo Tulio Kahn destaca que o Brasil gasta muito para enfrentar tragédias e pouco na prevenção delas

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Protagonismo das economias asiáticas

Apesar das elevadas taxas recentes de crescimento, países asiáticos ainda estão longe dos EUA, escreve Luiz Alberto Machado

Luiz Alberto Machado, economista e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

Há algumas décadas o bom desempenho econômico da Ásia tem chamado a atenção do mundo.

Primeiro foi o Japão, que conseguiu, com incrível rapidez, superar as enormes dificuldades ocasionadas pela derrota na Segunda Guerra Mundial e se transformar numa das maiores potências econômicas do planeta na década de 1970.

Em seguida, houve grande repercussão do acelerado crescimento de algumas economias do sudeste asiático, que se tornaram conhecidas pelo nome de Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong e Taiwan¹.

Com o excepcional crescimento econômico posterior às reformas introduzidas por Deng Xiaoping a partir de dezembro de 1978, suficiente para transformá-la na segunda maior economia do mundo e maior parceira comercial do Brasil, é natural que as atenções tenham se voltado para a China, que se tornou “a bola da vez”.

Escrevendo o livro China: o renascimento do império (Editora Planeta do Brasil, 2006) ainda nos anos de elevado crescimento do país, Cláudia Trevisan, que foi por duas vezes correspondente internacional na China, observou (2006, p, 23):

Na China, tudo tem a medida de seu 1,3 bilhão de habitantes, a maior população do mundo, equivalente a um quinto das pessoas que cobrem o planeta. Quando essa massa humana se move, os tremores que provoca se propagam a milhares de quilômetros de distância. E ela nunca se movimentou tanto quanto nos últimos 30 anos, período no qual liderou o ranking do crescimento global, multiplicou por quatro o tamanho da sua economia, tirou milhões de pessoas da pobreza e promoveu o mais intenso processo de urbanização já visto na História.

Prosseguindo, afirma (2006, pp. 23-24):

Mudanças que países desenvolvidos demoraram cem anos [ou mais] para experimentar, a China viveu em um quarto de século. A mesma geração que demonizou o Ocidente, a burguesia e o capitalismo durante a Revolução Cultural abraçou com fervor a economia de mercado e o consumo, depois que o Partido Comunista decidiu iniciar reformas e se abrir ao exterior, em dezembro de 1978.

O período de crescimento acelerado se estendeu de 1979 a 2008, quando o crescimento médio do país foi de 9,8% ao ano, sendo que de 2001 a 2007 o crescimento médio foi de 10,5%.

A China, porém, não escapou dos efeitos da crise financeira mundial que teve origem no segmento das subprime nos Estados Unidos, de tal forma que seu crescimento no primeiro semestre de 2009, anualizado, caiu para 6,1%.

De lá para cá, a China vem tendo taxas de crescimento que oscilam entre 4,5% e 6.5%, exceção feita à época da pandemia do coronavírus - que teve sua origem exatamente no país. Nessa época, como de resto em todo o resto do mundo, a taxa de crescimento sofreu acentuada redução.

Atualmente, a China vem enfrentando dificuldades para reenergizar a sua economia, que já foi a locomotiva global, mas que atualmente se depara com a queda no consumo das famílias que poupam sua renda, com receio pelo alto endividamento que assombra o mercado imobiliário após a quebra da gigante do setor Evergrande Real Estate Group.

O extraordinário desempenho da economia chinesa ofuscou o desempenho de outro grande país da região, tanto em extensão territorial como em população, a Índia.

É natural que as maiores taxas de crescimento econômico sejam de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, nos quais a base é consideravelmente mais baixa e as oportunidades de investimento com elevado grau de retorno sejam amplas.

Exemplo disso é que em 2018, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos cinco países com maior taxa de crescimento do PIB, quatro eram do continente africano, Ruanda, Líbia, Etiópia e Costa do Marfim, sendo a Índia a única representante do continente asiático.

Entretanto, agora é a Índia que vem atravessando uma fase de crescimento fenomenal, saindo da nona para a quinta posição de maior economia do mundo. No primeiro trimestre de 2024, a Índia registrou a impressionante taxa de crescimento do PIB de 8,2%. Apesar deste avanço, a pobreza ainda não foi reduzida, pois cerca de 780 milhões de pessoas (60% de sua população) ainda vive com menos de US$ 3,00 por dia.

Interessante observar que o elevado crescimento recente da economia indiana não se refletiu no resultado das eleições concluídas na semana passada, nas quais, contrariando as previsões da maioria dos analistas e do próprio primeiro-ministro Narendra Modi, seu Partido Bharatiya Janata (BJP), embora vencedor, perdeu terreno obtendo 63 cadeiras a menos no Parlamento.

Para Fareed Zakaria, "sob o governo de Modi, a economia da Índia cresceu, mas suas instituições democráticas sofreram muito". Ele conclui seu artigo em O Estado de S. Paulo, do dia 8 de junho de 2024 da seguinte forma:

Muitos observadores sofisticados do mundo geralmente elogiam os homens fortes, que governam os países mais pobres e podem construir estradas e fazer as coisas rapidamente. Mas o eleitor indiano médio parece entender instintivamente que, em longo prazo, o pluralismo, a cooperação e a diversidade são as características distintivas da Índia e sua vantagem duradoura.

Tanto a China como a Índia continuam tendo pela frente o desafio de transformar crescimento econômico, que leva em conta apenas aspectos quantitativos, indicados pela variação do PIB, em desenvolvimento, que além dos aspectos quantitativos, leva em conta também os qualitativos, indicados pela melhora do padrão de vida do grosso da população, incluindo fatores como saúde, educação e renda per capita, variáveis utilizadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ao calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A semelhança entre China e Índia pode ser observada na dificuldade enfrentada pelos dois países de distribuir melhor a riqueza. As posições destacadas dos dois países quando se considera apenas o PIB de cada um se altera completamente quando se considera o IDH. Em ranking recentemente divulgado pelo PNUD, a China ocupava o 79º lugar, enquanto a Índia se encontrava apenas no 132º lugar.

A combinação de elevado crescimento com manutenção de parcela significativa da população vivendo na pobreza não é recente e foi mostrada por Jean Drèze e Amartya Sen no livro Glória incerta: a Índia e suas contradições (Companhia das Letras, 2015). No livro, os autores procuram mostrar que o crescimento econômico pós-independência, embora com oscilações, foi robusto, principalmente a partir de 1990, quando ficou abaixo apenas do da China. O grande problema é que esse crescimento acelerado não foi acompanhado pela melhora dos indicadores sociais, já que a Índia permanece apresentando enormes desigualdades e níveis baixíssimos de saúde e de educação.

Referindo-se à diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento ressaltam Drèze e Sen (2015, p. 59):

O desenvolvimento não é apenas o aumento de objetos inanimados de conveniência, tal como um crescimento do PIB (ou das rendas pessoais); tampouco é uma transformação geral do mundo à nossa volta, como a industrialização, o avanço tecnológico ou a modernização social. O desenvolvimento é, em última análise, o progresso da liberdade humana e da capacidade de levar um tipo de vida que as pessoas tenham razão para valorizar².

Embora esse mesmo fenômeno possa ser encontrado em outros países da própria Ásia, da África e da América Latina, Drèze e Sen observam que o caso da Índia é único (2015, p. 236):

Todos os países do mundo apresentam desigualdades de diversos tipos. Na Índia, entretanto, há uma mistura peculiar de divisões e disparidades. Poucas nações enfrentam desigualdades tão extremas em tantos aspectos, que se estendem desde os desequilíbrios econômicos até enormes disparidades de casta, classe e gênero. As castas desempenham um papel especial na distinção da Índia em relação ao resto do mundo.

Os melhores desempenhos em termos de crescimento do PIB em 2023 ante 2022, de acordo com a Austin Rating, foram: Mongólia (7,1%), Índia (6,7%), Irã (6,4%), Malta (5,6%), Filipinas (5,6%), China (5,2%), Indonésia (5,0%), Vietnã (5,0%), Turquia (4,5%) e Islândia (4,2%). Portanto, sete dos 10 países com maior crescimento pertencem ao continente asiático³.

Em que pese as elevadas taxas recentes de crescimento anual de países asiáticos, quando se observa o ranking dos países pelo tamanho de seu PIB, verifica-se que a realidade é bem diferente, com os Estados Unidos ostentando ainda uma liderança por folgada margem. Segue-se a relação dos 10 maiores PIBs do mundo em 2023:

1º) Estados Unidos - US$ 26,94 trilhões;

2º) China - US$ 17,70 trilhões;

3º) Alemanha - US$ 4,42 trilhões;

4º) Japão - US$ 3,73 trilhões;

5º) Índia - US$ 3,73 trilhões;

6º) Reino Unido - US$ 3,33 trilhões;

7º) França - US$ 3,04 trilhões;

8º) Itália - US$ 2,18 trilhões;

9º) Brasil - US$ 2,17 trilhões;

10º) Canadá - US$ 2,11 trilhões.

 

Desses 10 países, apenas três não são considerados desenvolvidos: China, Índia e Brasil. Neles, porém, independentemente das desigualdades e dos problemas estruturais, verifica-se a relevante combinação de dois recursos básicos de produção: grande extensão territorial e numerosa população.

 

[1] Posteriormente, o mundo testemunhou também o bom desempenho da Indonésia, da Malásia e, em menor escala, Filipinas e Vietnã

[2] A relevância da liberdade na concepção de desenvolvimento para Amartya Sen fica evidente em seu livro Desenvolvimento como liberdade.

[3] O Brasil alcançou a 14ª colocação no ranking de melhor desempenho do crescimento do PIB no ano de 2023 ante 2022.

   

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Privatizar praias, a fake do ano

A possibilidade de qualquer privatização das praias é nenhuma, escreve o jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho, que pergunta: de onde saiu esse Prêmio Nobel das Fake News?

José Paulo Cavalcanti Filho, jurista e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

Edição Scriptum

Lisboa. O começo desse desvario foi uma troca de farpas, no Instagram, entre a atriz global Luana Piovani e o jogador Neymar, da seleção brasileira. Ela, com modestos 5,4 milhões de seguidores, não tinha o que perder; ele com muito mais, 221 milhões, sim; e os dois, com inveja de Cristiano Ronaldo, o ser humano mais seguido no planeta, com 631 milhões ‒ mais de US$ 3 milhões por postagem e faturamento no aplicativo, ano passado, de US$ 107 milhões.

Nesse descaminho logo se uniram, a Luana, muitos ambientalistas ansiosos por fama que acusam um Projeto de Emenda Constitucional, já aprovado pela Câmara e hoje no Senado, de permitir a “privatização das praias”. E a imprensa do Sul, contritamente, por ser um discurso politicamente correto. Certo ou errado?, não estão nem aí. O problema é que nenhum deles ‒ nem o jogador, nem a atriz, nem os radicais ambientalistas, nem quase nenhum jornalista ‒, nenhum deles teve sequer curiosidade para ler a tal PEC. Vamos ao passado que, como na conhecida marchinha de carnaval, recordar é viver.

Nosso Brasil ainda fazia parte de Portugal quando, por conta das frequentes invasões estrangeiras que aqui sofremos ‒ de Espanha, França e Holanda ‒, cuidou o Reino de proteger as embocaduras dos rios buscando evitar o desembarque de tropas, cavalos e armamentos pesados. Veio daí também a definição de nosso mar territorial, não por acaso a distância do alcance máximo de um tiro de canhão, em 6 milhas marítimas (passando, em 1970, a 200 milhas).

Em 1726, ordem régia de Dom João V, O Magnânimo, estabeleceu que ninguém pudesse alargar suas casas “um só palmo para o mar” sem licença do Reino. E já no Brasil República, com o Decreto 4.105 (de 22.02.1868), afinal ficou explicitada uma das razões básicas dessa reserva de terras, o interesse na “defesa militar”. Porque ali, nessas áreas, poderia ser necessário postar canhões, importante defesa ante as embarcações estrangeiras da época, algo que não seria possível caso houvesse alguma construção no local.

Mas não apenas isso. Também importante e até mais, num País sufocado por sua dívida com a Inglaterra (herança de nossa Independência), foi o “aumento das rendas públicas”. Levando a enorme reação dos súditos. Inclusive no Recife; quando, em 1902, certo dr. Ferrer protestou dizendo que “foi insidiosamente aumentado o patrimônio da nação, em detrimento do público. Bem saberes que hoje procura-se sofisticar a Constituição tirando insidiosamente para a União tudo”.

Com aquele decreto, segundo o § 1o do seu art. 1º, passaram a ser “terrenos de marinha todos os banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis que vão até a distância de 15 braças craveiros (33 metros) para a parte de terra”. Uma pequena faixa, pois. Que, com o tempo, foi se alterando: aos poucos desaparecendo (em caso de regressão marítima); ou, ao contrário, ficando mais longe da água (quando as areias vão aumentando). Além dos aterros.

Trata-se de uma invenção brasileira, bom lembrar. Para comparar, nos demais países, a área que permanece em domínio público é tão somente aquela necessária “ao exercício dos direitos ordinários de acesso e vista”. Sem um padrão único. Em Portugal e Argentina, por exemplo, apenas 8 metros. No Chile, 20. Em Alemanha, Bélgica, Espanha, França e Inglaterra, 50. Só que, neles, define-se apenas áreas de domínio público, jamais interferindo naquelas usadas por seus habitantes. Nenhum espaço privado sendo alcançado pelo poder público, nesses países.

Terrenos de marinha são aqueles, portanto, que se situam numa faixa de 33 metros a partir da preamar média (preamar é corruptela que vem de pleno mar) de 1831. A média das grandes marés que ocorreram excepcionalmente nesse ano. Tudo como regulado, hoje, pelo Decreto-Lei 9.760/1946. Com problemas graves, como o fato de que terrenos sujeitos a “Ocupação” (quase todos, que só uns poucos são “Aforados”) não podem ser hipotecados. Impedindo financiamentos. E vedada a Usucapião (Código Civil, art. 102), que admite a regularização de imóveis por conta do tempo. Embora, em Pernambuco, o Tribunal de Justiça venha permitindo essa usucapião no regime da ocupação.

Para evitar dúvidas, vale ressaltar, praias são bens públicos (Lei 7.661/1988). E continuam sendo. O que, salvo bem poucas áreas protegidas (vegetação, vida marinha), garante o pleno acesso a elas pelo público. Sem nenhum impedimento possível. Com PEC ou sem PEC.

Agora, o que nos interessa, onde se situam essas terras no Brasil? Basicamente, subindo, só em Belém, Vitória e Santos. Além do Recife, claro, que foi uma cidade feita sobre áreas alagadas. Como no poema de Edmir Domingues, uma Cidade Submersa.

O resto do Brasil nem sabe do que se trata. Apenas (ou sobretudo) as cidades que sofrem com isso. Sobretudo por conta dos enormes custos, para os particulares, no pagamento anual de foros (hoje, de 0,6% sobre o valor do imóvel) ou taxa de ocupação (2% desse valor), mais laudêmio (5%) em caso de transferência dos imóveis. O curioso, e aqui temos a razão pela qual o governo apoia o projeto, é que o peso financeiro do SPU, ao cobrar, é sempre maior que o valor arrecadado.

A PEC 3/2023 (que sucedeu a 39/2011) nasceu dessa necessidade, incorporando 12 projetos apresentados desde 2008. Era (e é) um tema latente, que interessa a todos os brasileiros. O resultado foi um bom texto, tecnicamente. E sabe o amigo leitor quantas palavras dedica, tal PEC, à privatização das praias? Ou que, de alguma forma, poderiam ter alguma repercussão nisso? Nenhuma. Dá para acreditar?

Tudo está muito bem estruturado em só quatro artigos. O que é do Governo Federal, permanece com ele (art. 1º, I); o que é afetado por Estados e Municípios, também com eles, sem custos (art. 1º, II); os em mãos dos particulares, em direito de ocupação e aforamento, áreas que já eram usadas por esses particulares, mediante pagamento (art. 1º, III, IV). Nada mais, na PEC, afora poucas regras operacionais.

Sem contar que, hoje, a compra de imóveis aforados já vem sendo regularmente feita mediante o pagamento de 17% sobre o valor do imóvel. Ocorrendo normalmente, com imóveis aforados. Sem nenhum problema. Sem alardes. Sem protestos. E sem nenhuma acusação, por ecologistas ou imprensa, de que as praias estão sendo privatizadas.

Em resumo, a possibilidade de qualquer privatização das praias é nenhuma. Zero. Então, cabe perguntar, de onde saiu esse Prêmio Nobel das Fake News, de que praias poderiam ser privatizadas?, eis a questão. Ninguém sabe. Talvez só no barraco da atriz global, para prejudicar um desafeto. E de ambientalistas querendo aparecer, sem se preocupar com a veracidade das teses que defendem. E de jornalistas despreparados que sequer leram os projetos que criticam.

O resultado é que a PEC vai, quase certamente, ir mofar nas gavetas; que os senadores não vão querer, em ano eleitoral, se ligar a um projeto que virou impopular na mídia. O Brasil de hoje está ficando raso. Parece até com a máxima de Fernando Pessoa (texto sem título, nem data), “como sempre, saltamos e erramos”. É pena.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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Setor de saúde suplementar vai passar por mudanças importantes

Gestor público Januario Montone falou sobre os problemas no setor de saúde suplementar

 

    Redação Scriptum   A recente crise no setor de saúde suplementar, deflagrada pela decisão das operadoras de planos de saúde de romper contratos de forma unilateral e deixar sem cobertura pessoas idosas, em tratamento e com necessidades especiais, é o sinal de que o modelo de estruturação da saúde no Brasil está às vésperas de mudanças importantes. O alerta foi feito nesta terça-feira (11) durante reunião semanal do Espaço Democrático pelo consultor e gestor público Januario Montone, fundador e primeiro presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab. Montone, que recentemente publicou artigo sobre o tema no site da fundação para estudos e formação política do PSD, mostrou um detalhado histórico de como os problemas vem se acumulando no setor de saúde suplementar desde a aprovação da Lei dos Planos de Saúde, em 1998 – então, as operadoras ofereciam planos com cobertura reduzida, excluindo dos contratos procedimentos em áreas como oncologia. Segundo ele, o Projeto de Lei 7419, que é relatado pelo deputado federal Duarte Jr. (PSB), entrará em discussão agora no Congresso, a partir do episódio dos cancelamentos unilaterais, e pode mudar muitas regras. Montone apontou que o nó no sistema se originou em várias frentes diferentes. A primeiras delas, no mercado. “As operadoras nunca aceitaram a regulamentação do setor, reduziram as vendas de planos individuais e buscaram alternativas para fugir da regulação”, disse. Por outro lado, não menos importante, segundo ele a sociedade nunca aceitou o conceito de mutualismo e sempre exerceu forte pressão para que a cobertura dos planos de saúde seja feita sem regras e sem limites. “Não é possível o sistema se sustentar desta maneira, não é assim em nenhum lugar do mundo”, enfatizou. Do lado do governo, segundo ele a Agência Nacional de Saúde (ANS) não atuou para o desenvolvimento do setor, falhou na regulação e facilitou as distorções do mercado, como a introdução dos falsos planos empresariais para três vidas, que na verdade são planos familiares. “Além disto, o Ministério da Saúde oscilou entre ignorar o setor ou desfigurar a regulação”, disse. Por fim, não menos importante, está a ação do Judiciário, que adotou a visão de que tudo tem que ser atendido, tanto pelo sistema público quanto pelo privado. Montone acredita que a solução para o imbróglio dos planos de saúde passa necessariamente pelo surgimento de uma liderança política forte que possa levar à convergência de interesses entre as operadoras e os consumidores. “O primeiro passo seria as operadoras se reconstruírem como empresas de saúde, cuidando da manutenção da saúde das pessoas e não dos eventos”, defende. Ele acredita que com a saúde digital isso seria possível, já que ela permite acompanhar o dia a dia de uma pessoa e tratar a saúde, evitar a doença ou o agravamento dela. A mudança do modelo de remuneração do mercado é outro ponto que precisa ser discutido. “Não dá para o hospital ganhar por atendimento feito porque isso valoriza a doença, não a saúde, e é aí que está o descontrole financeiro”, destacou. Ele elogiou o modelo das Organizações Sociais: “Um grande avanço no SUS porque oferecem um pacote de atendimento a um conjunto de indicadores, de metas, e não por serviço individual prestado”. O aumento do poder regulatório da ANS sobre os hospitais e outros prestadores é outro ponto levantado por ele, que também atribui ao Ministério da Saúde a liderança estratégica da reformulação do setor e da integração público privado. “É absurdo que não seja o ministério que lidere os debates do Projeto de Lei 7419”, disse. “A regulação do setor privado só saiu, em 1998, quando o governo assumiu a frente nas negociações”. Por fim, Montone defende que o governo, Congresso e Judiciário construam uma consciência social de que é impossível entregar tudo para todos na área da saúde. “Esta ideia está nos impedindo de entregar o mínimo para todos ao não equalizar um atendimento de qualidade para todo mundo”, disse. “Gastamos orçamentos incríveis para fazer atendimentos muito localizados, dispersos e impossíveis de serem planejados, ao sabor das circunstâncias”. Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático o superintendente da fundação, João Francisco Aprá, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, os economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação do Espaço Democrático.

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