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Debate intelectual pelo identitarismo é desserviço ao País

Fascículo disponível para leitura on-line ou download traz a íntegra da entrevista do cientista político Carlos Sávio Gomes Teixeira

Redação Scriptum   Agressivo e vazio, identitarismo atrasa o País é o título da mais recente publicação da série Diálogos no Espaço Democrático, editada pela fundação de estudos e formação política do PSD e já disponível para leitura on-line ou download no site. A publicação traz a íntegra da entrevista concedida pelo cientista político Carlos Sávio Gomes Teixeira ao programa Diálogos no Espaço Democrático, em abril de 2024. Carlos Sávio destacou, na conversa com os cientistas políticos Rogério Schmitt e Rubens Figueiredo, o sociólogo Tulio Kahn, a secretária nacional do PSD Mulher, Ivani Boscolo, e o jornalista Sérgio Rondino, âncora do programa de entrevistas, que o debate intelectual pelo identitarismo é um desserviço ao País, pois apesar de defender causas que têm valor, os militantes identitários deixam em segundo plano questões muito mais importantes, como a busca de um projeto nacional que estabeleça metas e modos para que o Brasil se torne uma nação mais justa, eficiente e moderna. Segundo ele, o radicalismo e a agressividade dos defensores das questões de gênero e raça vêm “envenenando” as relações políticas e inclusive favorecendo a ascensão de líderes extremistas, especialmente de direita. Doutor em Ciência Política pela USP e professor associado do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, Carlos Sávio tem mestrado em Ciência Política pela USP (2004) e em Comunicação, Imagem e Informação pela UFF. Para ele, é falsa a ideia de que a maioria dos intelectuais e professores de universidades comungam as mesmas propostas e atitudes dos militantes das questões de gênero e raça. “A maior parte dos acadêmicos torce o nariz para o identitarismo, mas os militantes dessa causa são mais agressivos na tentativa de impor suas ideias, sempre muito falantes, gritantes, com certa sanha fascista. Assim, a maioria opta pelo silêncio, porque teme represálias”, diz.

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Eleição municipal tem até deputado concorrendo a vereador

Cientista político Rogério Schmitt fez balanço das candidaturas de parlamentares nas eleições municipais

[caption id="attachment_38642" align="aligncenter" width="560"] O cientista político Rogério Schmitt acredita que o próprio sistema político oferece estímulo para que senadores e deputados disputem eleições municipais.[/caption]   Redação Scriptum   Quem renunciaria a um mandato no Congresso Nacional para se candidatar a vereador em sua cidade, ainda que seja uma capital de Estado? Pode parecer inverossímil, mas nas eleições de outubro próximo, sete deputados federais – suplentes que estão no exercício do cargo em Brasília – vão concorrer a uma cadeira nas câmaras municipais de São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, João Pessoa, Aracaju, Fortaleza e Valença. Este foi um dos aspectos levantados pelo cientista político Rogério Schmitt nesta terça-feira (21), na reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD –, quando fez um balanço dos deputados e senadores que disputarão as eleições municipais. Segundo Schmitt, quatro senadores e 83 deputados federais serão candidatos em seus municípios de origem este ano, dos quais 77 a prefeito, três a vice-prefeito e sete a vereador. “Apesar de os parlamentares candidatos serem menos de 15% do total de congressistas, todos os outros também estarão indiretamente envolvidos nas campanhas de seus aliados políticos nos municípios”, lembrou o cientista político, destacando que esta é a principal razão da criação daquilo que no jargão parlamentar é chamado de “esforço concentrado”: as sessões deliberativas nos plenários das duas casas são menos numerosas entre agosto e setembro, período de campanha. Schmitt acredita que o próprio sistema político oferece estímulo para que senadores e deputados disputem eleições municipais. “Eles podem permanecer o tempo todo no pleno exercício de seus mandatos; eleitos, precisam renunciar às cadeiras que ocupam na Câmara ou no Senado, mas garantem um novo mandato de quatro anos em seus municípios; derrotados, seguem cumprindo seus mandatos originais e teoricamente ampliam seu “recall” para a eleição seguinte”. Apesar do que o cientista político define como estrutura de incentivos para que concorram às eleições municipais, ele mostrou que desde o pico de participações, em 1996, quando 121 parlamentares concorreram, o número de candidaturas se estabilizou em torno de 80 no século 21.   [caption id="attachment_38643" align="aligncenter" width="560"] Tulio Kahn: primeiros estudos revelam que o desmatamento favorece o aumento da criminalidade[/caption]   Criminalidade x desmatamento O sociólogo Tulio Kahn, especialista em segurança pública, apresentou os primeiros resultados de um estudo que está produzindo, pelo qual tenta medir o impacto do desmatamento na criminalidade. Em seu levantamento, considerou os 772 municípios que fazem parte da Amazônia Legal, que cobre os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Nesta área de cinco milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a quase 60% do território nacional, é grande a atividade que promove o desmatamento, como a mineração legal e ilegal, as queimadas para aumentar a área de plantio e de pecuária e a extração legal e ilegal de madeira, por exemplo, que degradam o ambiente e produzem desarranjos sociais e econômicos. Kahn aplicou sobre a Amazônia Legal dados do Índice de Progresso Social (IPS Brasil 2024) – metodologia que avalia a qualidade de vida da população no Brasil de forma multidimensional, além das métricas tradicionais e paradigmas econômicos –, composto por 53 indicadores secundários exclusivamente sociais, ambientais e que medem resultados, não investimentos, todos de fontes públicas. De acordo com ele, os primeiros estudos revelam que o desmatamento favorece o aumento da criminalidade. “O crime organizado está envolvido em algumas das atividades lucrativas que promovem o desmatamento, além do tráfico de drogas”, disse. “E a disputa por esse mercado lucrativo entre as facções contribui para o crescimento dos homicídios”. Kahn lembrou que a partir do início dos anos 2000 a Amazônia Legal experimentou um novo ciclo de crescimento econômico, impulsionado pelo aumento dos preços das commodities no mercado internacional. A demanda crescente por soja, carne bovina e minerais, especialmente da China, gerou este boom. “Já vimos antes esse fenômeno em outras regiões e períodos e suas consequências no crescimento da violência”, apontou. “O crime organizado é apenas a cereja do bolo, cujo recheio é o crescimento rápido e desorganizado dos municípios da região”.

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Alçado a ditador há 90 anos, Hitler afetou rumos da política do Brasil

Documentos revelam que não foram poucos os admiradores do nazismo na Câmara e no Senado

Ricardo Westin, da Agência Senado

Edição Scriptum

Documentos históricos guardados nos Arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados, em Brasília, mostram que os rumos da política brasileira foram influenciados por Adolf Hitler (1889-1945). Ele se tornou o ditador da Alemanha nazista há exatos 90 anos.

Ainda que de forma involuntária e indireta, Hitler teve papel tanto na implantação quanto na derrubada do Estado Novo (1937-1945), a ditadura de Getúlio Vargas.

Os documentos da época indicam que não foram poucos os senadores e deputados brasileiros que, admiradores do governo de Hitler, defenderam a adoção de um governo autoritário no País.

Nos debates da Assembleia Nacional Constituinte encarregada de elaborar a Constituição de 1934, o deputado João Pinheiro (MG) declarou:

— Em plebiscito recente, 40 milhões de teutos [alemães] dispensaram exaltadamente os clássicos benefícios da liberdade e abraçaram com entusiasmo a ditadura imperialista de Adolf Hitler, sob a bandeira do fascismo alemão. Pergunto eu: não continua a ser a Alemanha de Hitler uma das mais altas expressões de civilização e cultura do mundo ocidental?

O plebiscito a que Pinheiro se referia ocorreu em 19 de agosto de 1934, logo após a morte do presidente Paul von Hindenburg, em 2 de agosto. Na consulta popular, os alemães decidiram que Hitler, chanceler (primeiro-ministro) desde o ano anterior, seria também o presidente. Com poderes supremos, o político nazista adotou o título de Führer (condutor, guia, líder).

De acordo com o deputado mineiro, a democracia não funcionava no Brasil porque a população não era educada, dado o sistema escolar deficiente. A solução, assim, seria adotar uma ditadura semelhante à alemã. Pinheiro disse:

— Tenhamos a coragem cívica e intelectual de proclamar que não é possível a prática de um governo democrático no Brasil dos nossos dias porque o governo do povo pelo povo pressupõe a existência da vontade popular arregimentada, independente e consciente.

[caption id="attachment_38602" align="aligncenter" width="560"] O chanceler Hitler e o presidente Hindenburg, líderes da Alemanha, em 1933[/caption]

Para o então deputado Álvaro Maia (AM), as ditaduras de extrema direita, como a fascista de Benito Mussolini e a nazista, eram essenciais para impedir o comunismo de tomar o poder.

Da tribuna da Constituinte, Maia leu trechos de uma carta pública escrita pelo arcebispo de Porto Alegre, que era nascido na Alemanha:

— Não foi passageiro o encanto que me produziu a carta pastoral de D. João Becker quanto à autópsia da atualidade brasileira. Escreveu: “Hitler, o grande remodelador da Alemanha, que salvou sua pátria das garras do bolchevismo, criou o Estado totalitário, apelando para o sentimento radical do arianismo e implantando a cruz suástica nas instituições públicas”.

Outro admirador do nazismo, o deputado Ferreira de Souza (RN) afirmou:

— Tinha de ser a Alemanha a barreira do mundo ocidental contra a infiltração do comunismo russo. Declaro a Vossas Excelências que, se um dia o Brasil chegar a esse ponto [ter comunistas fortes], não serei presidencialista nem parlamentarista. Serei partidário dos governos da força, serei partidário da ditadura, desde que tenhamos a felicidade de encontrar um ditador.

Ainda na Constituinte de 1934, o deputado Luís Sucupira (CE) afirmou que a Constituição que estava em elaboração deveria já prever as bases institucionais para a futura instalação de uma ditadura no Brasil:

— Sou contra a democracia liberal porque a julgo causadora de todos os males de que padece a civilização desde que foi implantada, em 1789, com a Revolução Francesa. Devemos procurar o amparo dos nossos companheiros [deputados constituintes] para as emendas que facilitem, mais tarde, o advento do Estado totalitário que desejamos.

[caption id="attachment_38603" align="aligncenter" width="560"] O ditador Getúlio Vargas em desfile em homenagem aos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutaram na Segunda Guerra Mundial[/caption]

O historiador e professor Fabio Koifman, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), afirma que para entender por que Adolf Hitler despertava simpatias no Brasil deve-se enxergar o contexto histórico da primeira metade da década de 1930:

— Hitler ainda não havia posto em prática aquela política de terror que hoje conhecemos muito bem. As Leis de Nuremberg, que permitiram a segregação e a posterior perseguição dos judeus, começaram em 1935. A Segunda Guerra Mundial, que teve o ditador nazista como grande culpado, estourou em 1939. O Holocausto, genocídio sistemático de judeus, começou no segundo semestre de 1941. Os parlamentares brasileiros não poderiam julgá-lo com base nesses acontecimentos posteriores.

Koifman explica que o fato de Hitler ser um ditador, por si só, não era considerado um motivo para reprovação geral naquele momento:

— Entendia-se que a democracia liberal havia fracassado em evitar a Primeira Guerra, o surgimento da União Soviética e o colapso mundial provocado pela crise de 1929. Além disso, o comunismo crescia no Brasil e no mundo, apoiado no crescente movimento operário e no aparente êxito da União Soviética, que, por estar isolada do comércio internacional, passou incólume pela crise de 1929. Preocupadas com tudo isso, as elites passaram a apostar em "regimes fortes" que tivessem mão firme contra o comunismo e fossem intervencionistas na economia. Esperavam, assim, preservar seus privilégios políticos e econômicos.

[caption id="attachment_38604" align="aligncenter" width="560"] Os ditadores fascistas Benito Mussolini, da Itália, e Adolf Hitler, da Alemanha, em 1940[/caption]

De acordo com os documentos dos Arquivos do Senado e da Câmara, os parlamentares brasileiros dos anos 1930 enxergavam outras qualidades no governo nazista. O deputado Aarão Rebelo (SC), por exemplo, que defendia a revogação do direito das mulheres ao voto, disse que o Brasil deveria se inspirar na Alemanha e estimulá-las a permanecer restritas à família e ao lar.

Ao longo da década de 1920, a chamada República de Weimar concedeu inúmeros direitos às mulheres alemãs. Mas uma pauta reacionária que incluía a contenção e a reversão desse tipo de avanço social ajudou a levar Hitler ao poder. Para os nazistas, o feminismo não passava de um estratagema dos comunistas para enfraquecer a sociedade e tomar o poder.

Num pronunciamento, Rebelo afirmou:

— Ainda há dias, o senhor Adolf Hitler, em discurso dirigido aos seus apaniguados, lembrou os grandes males causados pelo “feminismo”. Entre eles, destacou a desorganização da sociedade, o aumento do número dos sem-trabalho com a infiltração das mulheres nas atribuições dos homens e o relaxamento dos costumes. Até aludiu à prostituição. E concluiu dizendo que a salvação da Alemanha reside na preparação do cidadão nazista, começando pela educação doméstica confiada no lar à mulher.

Na Assembleia Nacional Constituinte, o deputado Xavier de Oliveira (CE) avaliou que os alemães agiam de forma acertada ao proteger a raça ariana e perseguir os demais grupos étnicos que viviam em seu país.

Ele apresentou uma emenda (não aprovada) para que a nova Constituição proibisse a migração de orientais e africanos para o Brasil. O deputado cearense argumentou que a ciência, para o bem das sociedades, desaconselhava a mistura da raça branca — segundo ele, majoritária no Brasil — com raças “inferiores”:

— [O cientista alemão ErnstKretschmer incrementou a biotipologia, baseando-a sobretudo na heredobiologia, daí nascendo a revolução política da Alemanha atual, de que Hitler é apenas o condutor, talvez inconsciente. Foram as ideias dele e de muitos outros sábios germânicos que, de seus laboratórios, provaram que é preciso defender a raça germânica.

  [caption id="attachment_38609" align="aligncenter" width="560"] Correio da Manhã noticia a morte de Hindenburg e a ascensão de Hitler em 1934, o golpe de Vargas em 1937, o suicídio de Hitler em 1945 e a derrubada de Vargas no mesmo ano[/caption]

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o deputado Teotônio Monteiro de Barros (SP) avaliou:

— Muitos dos nossos males [no Brasil] decorrem, em parte, da falta de uma consciência étnica comum. Lembra-me que, naqueles povos que têm uma consciência étnica nitidamente definida, profundamente marcada na sua existência, há sempre uma preocupação superior que paira não só sobre a vida particular dos cidadãos, mas também uma espécie de alma nacional que orienta a nacionalidade nos seus destinos. É coisa que nos tem faltado.

O deputado Góis Monteiro (AL), irmão do ministro da Guerra de Getúlio Vargas, disse admirar a Alemanha nazista por ter tolerância zero aos militares que ousassem imiscuir-se no mundo da política.

Ele fez essa observação quando criticava uma emenda que buscava dar o direito do voto aos soldados rasos:

— Na Alemanha de Hitler, o militar não vota nem é votado. Os tenentes que se manifestam [sobre política] são severamente punidos e os chefes que não souberam evitar que seus subordinados se deixassem atrair pelo vendaval político são convidados a deixar o Exército. Imagine-se o que irá por um regime de infantaria onde os majores e coronéis pendam por ideias conservadoras, os capitães sejam liberais e os tenentes sejam socialistas avançados. Surgirão, fatalmente, acontecimentos desastrosos. Decretaremos a anarquia e a dissolução hedionda para o Brasil.

O Brasil chegou a ter o seu próprio movimento fascista, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada por Plínio Salgado. Os integralistas vestiam um uniforme com a letra sigma (Σ), do alfabeto grego, bordada no braço. Salgado pretendia se candidatar a presidente da República na eleição prevista para 1938.

  [caption id="attachment_38610" align="aligncenter" width="600"] Protesto da União Nacional dos Estudantes (UNE) no Rio de Janeiro, durante a Segunda Guerra, satiriza Adolf Hitler e Benito Mussolini[/caption]

O fascínio por Hitler no Parlamento brasileiro, porém, não era unânime. Da tribuna, também partiram críticas ao ditador nazista.

O deputado Miguel Couto (DF), que era médico, disse que as guerras sempre deixavam um rastro destruidor de doenças e que, no caso da Primeira Guerra Mundial, um de seus legados foi justamente o nazismo:

— As doenças são próprias do pós-guerra, tanto nos indivíduos quanto nas nações. As tropas de Cromwell difundiram a sífilis pela Inglaterra. As campanhas de Napoleão disseminaram o tifo e o glaucoma por toda a Europa. A Alemanha, depois da guerra de 1870, foi atacada pela varíola. A Grande Guerra [a Primeira Guerra Mundial] contagiou o mundo inteiro com a encefalite letárgica. Nas nações, também houve o bolchevismo, o comunismo, o fascismo, o nazismo e todas as doenças em “ismo”, às quais gloriosamente temos escapado.

Para o deputado Odilon Braga (MG), a proteção da suposta pureza racial dos alemães evocada por Hitler não passava de um engodo:

— Hitler busca nas profundezas da ideologia ancestral dos germanos, por meio da exaltação racista elevada a culto nacional, o mistério de ocultas forças que justifiquem perante a Alemanha o assalto que ele deu ao poder.

[caption id="attachment_38611" align="aligncenter" width="560"] Plínio Salgado e integrantes da Ação Integralista Brasileira (AIB) no Rio de Janeiro, em 1935: fascismo à brasileira[/caption]

Apesar das críticas desse tipo, Getúlio Vargas percebeu o ambiente político brasileiro favorável à ditadura e sentiu-se à vontade para aplicar um autogolpe e dar início ao Estado Novo.

Em 1937, às vésperas do fim de seu mandato, ele cancelou a eleição presidencial que estava marcada para o ano seguinte, fechou o Senado e a Câmara, revogou a Constituição de 1934, impôs uma Carta autoritária e continuou no Palácio do Catete, a partir de então como ditador.

O pretexto de Vargas para o autogolpe de Estado foi proteger do Brasil do perigo comunista.

Em 1935, antes do autogolpe, o vice-presidente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Eduardo Espínola, numa das sessões preparatórias para a reabertura do Senado, que estava fechado desde a Revolução de 1930, conclamou os senadores a proteger a democracia e não seguir os passos das ditaduras europeias.

No mesmo discurso, Espínola enumerou características dos fascismos da Alemanha e da Itália que, poucos anos depois, acabariam sendo também características da ditadura do Estado Novo. O ministro citou o diplomata judeu britânico Herbert Samuel:

— Referindo-se aos golpes contra a democracia representativa, salienta o articulista [Samuel] que a ditadura não se detém: elimina pela força os seus adversários, abafa qualquer movimento que possa ameaçá-la, suprime a crítica de suas ações, engrandece os seus méritos, subtrai ao povo o conhecimento de suas falhas, desenvolve uma nova técnica para amoldar à sua feição as opiniões fluidas da geração que surge, censura os livros e só deixa conhecer os fatos históricos que podem justificar a sua doutrina. As universidades e as igrejas são forçadas a se manterem dentro da linha. Os órgãos de propaganda, como cinema, teatro, imprensa etc., dirigem-se a um só fim.

Até 1939, a Alemanha não representou uma questão para o Brasil. A nação nazista, pelo contrário, era um dos maiores parceiros comerciais brasileiros. O problema apareceu quando a Segunda Guerra Mundial estourou e o país foi instado a se posicionar. No início, Vargas se manteve neutro.

O presidente usou a neutralidade como moeda política. Ele, no fim, acabou se aliando aos Estados Unidos, à Inglaterra e à França contra a Alemanha, a Itália e o Japão. A posição foi assumida após os americanos liberarem dólares para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ) — que se tornou um marco da industrialização brasileira.

Como parte do acordo com os Estados Unidos, Vargas enviou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para o conflito na Europa. Os pracinhas brasileiros derrotaram soldados alemães em diversas batalhas no Norte da Itália e contribuíram para a vitória final dos aliados.

Prestes a ser capturado pelas tropas aliadas em Berlim, Adolf Hitler se suicidou em abril de 1945.

[caption id="attachment_38612" align="alignleft" width="412"] Propaganda do Estado Novo: culto à figura do ditador é característica dos fascismos[/caption]

 (Reprodução/Wikimedia Commons)

Terminada a Segunda Guerra Mundial, não se ouviram mais louvores a Hitler, nem ao nazismo. Nesse ponto, a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, pós-ditadura do Estado Novo, foi bastante diferente daquela de 12 anos antes. Em vez de elogiar, os parlamentares de 1946 se dedicaram a atacar o extinto regime alemão.

O deputado comunista Maurício Grabois (PCB-DF) afirmou que os parlamentares deveriam revogar o mais rapidamente possível a Constituição de 1937, imposta por Vargas:

— Foi outorgada num período em que Hitler estava conseguindo vitórias espetaculares na Europa. E argumentava-se naquele período sobre um suposto perigo comunista para o nosso povo. E a realidade está mostrando que não havia esse perigo. Como, então, podemos hoje manter essa Carta?

O deputado e escritor Jorge Amado (PCB-SP) concordou:

— Se tivéssemos de homenagear quantos concorreram para a feitura da Carta de 1937, teríamos, então, de exaltar a infame memória de Hitler e Mussolini, porquanto foram eles, mais a quinta coluna, os integralistas, os reacionários mais violentos e o próximo defunto, Oliveira Salazar [ditador de Portugal], os inspiradores desse código de castigos e limitações para o povo brasileiro.

Na Assembleia Nacional Constituinte de 1946, os parlamentares explicaram por que Adolf Hitler, que fora importante na implantação do Estado Novo, também foi decisivo na queda da ditadura varguista. De acordo com eles, tendo o Brasil lutado na Europa ao lado das democracias para sepultar os fascismos, era contraditório que o país continuasse sendo uma ditadura.

O deputado José Claudino (PCB-RJ) resumiu:

— A batalha pela democratização do Brasil não podia ser desligada da batalha da democracia mundial, ameaçada pelo nazifascismo. Ao declarar guerra ao Eixo e enviar os soldados expedicionários, o governo do Brasil dava os mais largos passos no caminho da democracia, pois estava tomando posição contra Hitler e Mussolini, que eram, em realidade, os artífices máximos da Carta de 1937 e do Estado Novo. Liquidar de uma vez para sempre o poderio militar do fascismo, no qual se apoiavam todos os fascismos, todas as ditaduras, toda a reação terrorista e obscurantista, eis o que era básico para a democracia brasileira.

As próprias Forças Armadas, que haviam participado da Segunda Guerra Mundial, encarregaram-se de derrubar o presidente Getúlio Vargas em 1945.

[caption id="attachment_38613" align="aligncenter" width="761"] Cena do filme O Grande Ditador, de Charles Chaplin, proibido no Brasil pelo governo de Getúlio Vargas[/caption]

Poucas semanas depois, paradoxalmente, o ex-ditador se elegeu senador pelo PSD do Rio Grande do Sul. Documentos do Arquivo do Senado mostram que ele foi acusado pelos colegas senadores de ter sido, antes do alinhamento com os Estados Unidos, simpático à Alemanha de Hitler. Vargas negou a acusação dando um exemplo:

— No princípio de 1938, o Brasil, por minha determinação, deixava de considerar persona grata o embaixador de Hitler, Sr. Karl Ritter, que exigia do governo brasileiro o funcionamento das seções do partido nazista em nossa terra. Num gesto de violência a que estava acostumado, o governo do Reich enviou ao Brasil, de regresso do Congresso de Nurenberg, o mesmo embaixador. Fiz comunicar que não seria permitido o seu desembarque e, ao mesmo tempo, [decidi] retirar o embaixador do Brasil em Berlim. Foi o Brasil a primeira nação do mundo a enfrentar o poderio de Hitler.

O senador Getúlio Vargas também teve de explicar por que não se declarou inimigo dos nazistas logo no princípio da Segunda Guerra Mundial:

— Hitler costumava afastar da vida os chefes de Estado que não se afastavam do seu caminho. Para que minha missão pudesse ser cumprida, precisava viver e contemporizar. A linha de neutralidade rigorosa era a única defesa.

Um senador disse que a simpatia de Vargas pelos nazistas era tão grande que, na presidência da República, ele chegou a proibir que o filme O Grande Ditador, sátira de Charles Chaplin a Adolf Hitler, fosse exibido nos cinemas brasileiros. Vargas, nesse ponto, preferiu calar.

O historiador Fabio Koifman, da UFRRJ, entende que, passados 90 anos, é importante que hoje as pessoas conheçam a história da chegada de Hitler ao poder e sua posterior transformação em ditador:

— Políticos que não têm apreço pela democracia não devem ser apoiados nunca, seja em nome do combate ao comunismo, seja em nome do combate à corrupção. Quando chegou ao poder, Hitler já havia publicado o livro Minha Luta, em que apresentou seu discurso de ódio contra os judeus e enumerou outras ideias que mais tarde colocaria em prática. Os alemães fizeram vista grossa para essas questões detestáveis e o apoiaram, considerando as promessas de reerguer a Alemanha e combater os comunistas.

Ele prossegue:

— Isso mostra que, quando a população concede poderes autoritários a alguém, ela não sabe aonde o ditador poderá chegar. A Alemanha chegou ao genocídio. Precisamos entender que a pior democracia é sempre melhor do que qualquer ditadura.

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A face pouco conhecida de Delfim Netto

Economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado contam histórias da convivência que tiveram com o ex-ministro

[caption id="attachment_38598" align="aligncenter" width="560"] O economista Roberto Macedo falou sobre a vida acadêmica de Delfim e o seu legado para a USP[/caption]     Redação Scriptum   O influente economista Antônio Delfim Netto, que morreu nesta semana, aos 96 anos, em São Paulo, foi o personagem da reunião semanal do Espaço Democrático – a fundação para estudos e formação política do PSD – nesta terça-feira (13). Dois consultores da fundação, os também economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, que conviveram com ele, fizeram depoimentos pessoais que mostram uma faceta diferente daquela que é apresentada em geral pela mídia – a do superministro de governos da ditadura militar – que foi favorável à instalação do AI-5 – que se converteu em conselheiro da esquerda com a redemocratização. O economista Roberto Macedo falou sobre a vida acadêmica de Delfim e o seu legado para a Universidade de São Paulo (USP), onde, em 1963, se tornou o primeiro professor titular formado pela própria Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “A faculdade havia sido formada na segunda metade da década de 1940 por professores que vieram de outras unidades da USP, da Filosofia, Sociologia, História, Engenharia e Direito, era um saco de gatos do ponto de vista acadêmico, não havia integração articulada como existe hoje”, lembrou Macedo. “E quando se tornou titular ele começou a fazer seminários com os professores para apresentar os avanços da ciência econômica no exterior, coisas como a macroeconomia do John Keynes e a microeconomia do pessoal neoclássico, o que influenciou os professores e mudou o perfil do curso”. Macedo destacou que Delfim gostava muito da área de pesquisas. “Ele incorporou à teoria muita estatística e econometria (ferramentas que usam a estatística para obter relações entre variáveis econômicas a partir da aplicação de modelos matemáticos), o que não era comum no Brasil”. E lembrou de uma disputa célebre entre ele e economistas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). “O Delfim pesquisou muito a agricultura brasileira e o pessoal da Cepal defendia a reforma agrária, dizia que a agricultura brasileira era atrasada, mas nos debates o grupo do Delfim levava vantagem por causa da fundamentação”. Ele conta que a partir dessas discussões, quando Delfim já estava no governo, foi constituída uma comissão para definir caminhos para a agricultura, da qual nasceu a ideia de diversificar a produção – que era muito concentrada no café –, adaptando os solos do cerrado, e incrementar as exportações. “Essas são as raízes do grande desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro”, enfatizou. Segundo o economista, Delfim Netto mudou a estrutura da Faculdade de Economia. “Ele teve papel importante, também, na criação dos cursos de pós-graduação”. O consultor do Espaço Democrático lembra que sempre recebia comentários – às vezes por mensagens, outras por telefonemas – dos artigos que publica quinzenalmente no jornal O Estado de S. Paulo. Macedo participou de uma entrevista com Delfim Netto para o canal do Youtube do Espaço Democrático, ao lado do jornalista Sérgio Rondino, em maio de 2018, quando abordou vários problemas brasileiros.   [caption id="attachment_38599" align="aligncenter" width="560"] O economista Luiz Alberto Machado contou que a filha de Delfim queria doar a biblioteca do pai para a FAAP, embora Delfim quisesse que seus livros fossem para a USP.[/caption]   Luiz Alberto Machado, que publicou esta semana, no site do Espaço Democrático, um artigo sobre passagens pessoais com o ex-ministro, detalhou um episódio importante: o processo de doação de sua notável biblioteca, composta por mais de 250 mil volumes. Machado foi professor da filha de Delfim Netto, Fabiana, na Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, e contou que ela queria doar a biblioteca para a instituição, embora Delfim quisesse que seus livros fossem para a USP. Em um almoço, ele deixou claro que estava atendendo a um pedido da filha, que por ele os livros iriam para a USP, mas que cederia desde que a FAAP atendesse a algumas condições para receber os volumes, dos quais cerca de 1 mil eram textos apostilados que foram encadernados e classificados, uma biblioteca de trabalho. “As condições eram: a adoção em bloco dos livros de economia, estatística, econometria, história e filosofia, sem partilhar em espaços diferentes, e tornar público o acervo”. A FAAP, então, pretendia adquirir um imóvel que era do próprio Delfim Neto, muito próximo da fundação, em São Paulo, para abrigar a biblioteca. “Só que naquele imóvel só caberiam 97 mil livros, o que acabou determinando que a coleção fosse para a USP”. Participaram da reunião semanal do Espaço Democrático, além dos economistas Roberto Macedo e Luiz Alberto Machado, os cientistas políticos Rubens Figueiredo e Rogério Schmitt, o sociólogo Tulio Kahn, o gestor público Januario Montone e os jornalistas Eduardo Mattos e Sérgio Rondino, coordenador de comunicação da fundação.

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