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Mortalidade materna: boas e más notícias para o Brasil
Januario Montone comenta a mais recente taxa de mortalidade materna brasileira, do Observatório de Saúde da Umane: apesar dos avanços, a desigualdade escandalosa mostra seu impacto
A política e suas “jabuticabas”
O Parlamento corre o risco de perder a confiança da sociedade, o país assistirá ao desperdício de bilhões de reais, escreve Vilmar Rocha sobre as emendas parlamentares
Vilmar Rocha, advogado, coordenador de Relações Institucionais da Fundação Espaço Democrático, é professor da UFG e ex-deputado federal Edição Scriptum As emendas parlamentares, que chegaram ao valor inédito de R$ 49 bilhões do orçamento este ano se tornaram um campo fértil para a politicagem e desperdício de dinheiro público, além de comprometer a essência republicana do instrumento, concebido para promover o desenvolvimento regional e atender às necessidades locais com obras estruturantes e serviços essenciais de forma controlada e transparente. São mais uma "jabuticaba" das nossas disfunções institucionais. Durante meus 20 anos como parlamentar, acompanhei a evolução das emendas, que inicialmente eram individuais e de bancada, não impositivas, e destinadas a projetos de relevância para a sociedade. Cada emenda passava por um processo de aprovação que incluía a elaboração de projetos, a assinatura de convênios e uma fiscalização criteriosa por parte de órgãos como a Caixa Econômica Federal. Esse sistema, apesar de imperfeito, assegurava que os recursos públicos fossem aplicados com responsabilidade e transparência. A transformação das emendas em impositiva, em 2019, desvirtuou completamente o propósito original deste instrumento, paralelo a um crescimento vertiginoso do valor destinado às emendas, que passaram a ser individuais e de bancada. Em 2015, R$ 9,7 bilhões do orçamento foram destinados às emendas; e em 2019 passou para R$ 17,7 bilhões. Com a chegada das chamadas emendas "Pix", que transferem o recurso diretamente para os municípios, sem a necessidade de um projeto prévio ou qualquer tipo de controle, o volume das emendas aumentou para R$ 36 bilhões, já em 2020, sendo que a maior parte eram emendas do chamado orçamento secreto. Abriram-se as portas para a aplicação desenfreada e pouco criteriosa dos recursos públicos. A situação é ainda mais grave quando consideramos que até entidades não governamentais podem ser beneficiadas por esses recursos, sem qualquer garantia de que o dinheiro será aplicado de forma responsável. O resultado é um ambiente propício ao desperdício e à corrupção, em que o interesse público é constantemente sacrificado em nome de acordos políticos e jogos de poder e que se estendeu aos orçamentos estaduais e municipais. E o que estava ruim por si só piorou com a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF), que tomou para si o papel de mediador político do conflito, este que deveria se limitar a interpretar a Constituição. O STF não é o locus adequado para resolver questões que dizem respeito à alocação de recursos públicos, decisões devem ser debatidas e resolvidas pelo Congresso Nacional. Ademais, a tentativa de acochambrar um acordo entre os três Poderes não resolve o problema de fundo e apenas perpetua a desordem e a falta de controle do uso do recurso orçamentário. A crise que enfrentamos exige uma verdadeira remodelação que eleve o caráter republicano do processo de execução, e cabe ao Congresso Nacional assumir sua responsabilidade de estabelecer regras claras, transparentes e respeitáveis para a aplicação dos recursos públicos. Sem alteração de rota, o Parlamento corre o risco de perder a confiança da sociedade, o país continuará a assistir ao desperdício de bilhões de reais que poderiam estar sendo aplicados em obras e serviços essenciais para a população.
Artigo publicado no jornal O Popular, de Goiânia, em 2 de setembro de 2024.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. Card link Another linkReforma tributária: o complexo e o Simples
Mecanismo criado para o IVA é burocrático e oneroso, acessível apenas às grandes empresas, escreve Guilheme Afif Domingos, presidente do Conselho Consultivo do Espaço Democrático
Guilherme Afif Domingos, presidente do Conselho Consultivo do Espaço Democrático e Secretário Especial de Projetos Estratégicos do Governo de São Paulo Edição Scriptum Ao contrário do que muitos acreditam, o Simples não é uma renúncia ou benefício fiscal, mas um modelo simplificado de recolhimento de tributos. A Receita Federal, de forma equivocada, inclui sua receita nas contas de renúncia fiscal, ignorando que se trata de um tratamento diferenciado consagrado na Constituição. Outro equívoco comum é pensar que extinguir ou inviabilizar o Simples aumentaria a arrecadação de tributos. Esquece-se que sua criação permitiu a formalização de milhões de empresas e o surgimento de muitas outras, além de estimular o empreendedorismo, especialmente entre mulheres, jovens e na área tecnológica, ao reduzir o custo da inovação. Essa visão distorcida tem gerado propostas para reduzir a abrangência do Simples com o intuito de arrecadar mais, dificultando, ainda, a correção de problemas enfrentados pelas empresas — especialmente a não correção, há muito tempo, de seus limites, e a criação de um mecanismo gradativo de saída do sistema. No momento, discute-se no Senado a proposta de reforma tributária, já aprovada na Câmara, que prejudica as empresas que utilizam o Simples, pois reduz sua competitividade. Isto porque, ficando no Simples, ela não aproveita o crédito do IVA pago nas fases anteriores, tendo que absorver esses custos, que aumentarão com a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado. Transferirão créditos apenas sobre o percentual efetivamente recolhido, o que reduz duplamente sua capacidade de competir. Perde, também, em relação aos produtos que têm isenção ou redução de alíquotas, como cesta básica e outros, o que afeta fortemente suas condições para competir no mercado desses produtos. O split payment (pagamento parcelado) também pressionará o capital de giro das empresas do Simples, que atualmente recolhem tributos no mês seguinte à venda, sem contar a burocracia dele resultante. Outra desvantagem é que as empresas do Simples gerarão menor cashback para o consumidor, impactando negativamente o varejo de menor porte. A solução proposta é simples: basta essas empresas saírem do Simples e adotarem o regime comum. Contudo, o mecanismo criado para o IVA é burocrático e oneroso, acessível apenas às grandes empresas. Os custos em termos de pessoal, tecnologia e financeiros para aderir ao novo sistema são extremamente elevados para as empresas menores. A alegação de que o fisco cuidará da parte burocrática parece frágil, pois, mesmo com uma plataforma pública para notas fiscais, as empresas precisam de controles internos robustos. A reforma tributária não considera que o sistema simplificado é um dispositivo constitucional, que deveria ser aprimorado e não inviabilizado. A questão central é saber se a sociedade quer manter o Simples ou aceita sua extinção em nome de um sistema que afetará menos de 5% das empresas, mas que provocará maior concentração econômica. As consequências da inviabilização do Simples seriam graves: muitas empresas voltariam à informalidade, outras reduziriam suas atividades ou fechariam, impactando diretamente o emprego formal e a arrecadação. A perda seria ainda maior pelo desestímulo ao empreendedorismo, com reflexos negativos na inovação, na complementaridade econômica e na função social desse segmento da classe média. Será essa a reforma que os empresários e a sociedade tanto esperam? Será para isso que o governo pretende criar quatro fundos com valores extremamente elevados, que, certamente, serão financiados por todos os contribuintes brasileiros?
Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 3 de setembro de 2024.
Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. Card link Another linkO envolvimento do crime organizado nas eleições
A infiltração na política representa uma grave ameaça para a sociedade, comprometendo a integridade das instituições democráticas
Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático Edição Scriptum A Justiça Eleitoral registrou mais de 458 mil candidaturas a prefeitos e vereadores para estas eleições municipais de 2024. Apesar da proximidade da disputa, 421 mil candidaturas ainda aguardam julgamento e apenas algumas centenas foram indeferidas ou tiveram pedido não reconhecidos pela Justiça. Mais do que uma alta probabilidade, é quase uma certeza estatística de que entre os candidatos temos pessoas envolvidas com o crime organizado. Algumas candidaturas serão barradas e outras deferidas. Das deferidas, algumas podem ser eleitas. O grande problema aqui é que não conhecemos estas quantidades e ficamos sabendo destas tentativas de infiltração nas eleições apenas por meio de casos que chegam à justiça e aos meios de comunicação. Mas não sabemos quantas conseguiram ultrapassar as barreiras de fiscalização. Casos notórios de envolvimento direto com o crime podem ser barrados, mas a grande dificuldade é identificar a candidatura de laranjas e financiados com recursos do crime, por traz da aparente ficha limpa. Nas eleições de 2024, pela primeira vez a Polícia Federal diz contar com “grupos especializados, destacados da Polícia Federal, com a missão única e exclusiva de monitorar os candidatos e a eventual relação deles com o crime organizado”.
Fonte: TSE – base baixada em 23 de agosto de 2024
Os incentivos ao ingresso na política são muitos: municípios controlam orçamentos vultosos e realizam licitações milionárias de lisura muitas vezes duvidosa. Representantes do crime organizado podem influenciar políticas, direcionar recursos públicos, facilitar negócios, corromper funcionários públicos. O universo da política no Brasil há muito tempo frequenta as páginas policiais. No Brasil, a fiscalização das candidaturas aos cargos eletivos cabe à Justiça Eleitoral, que é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), os juízes eleitorais e as Juntas Eleitorais. Dada a magnitude do processo, é muito difícil para a justiça eleitoral identificar e barrar candidaturas ligadas ao crime organizado, uma vez que ela não conta com unidades de investigação, dados ou expertise para realizar um trabalho proativo. Basicamente, o que a Justiça Eleitoral faz é verificar se a documentação do candidato está correta do ponto de vista processual legal. Nenhuma investigação social, nenhuma consulta ao Coaf ou análise de evolução patrimonial, nenhum cruzamento de dados, nenhuma verificação de fatos declarados ou busca por inconsistências ou outras práticas investigatórias. No Brasil, o registro de candidatura pode ser indeferido pela Justiça Eleitoral em uma série de situações previstas na legislação. O principal marco legal que orienta esses casos é a Lei Complementar nº 64/1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades, modificada posteriormente pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010). A Lei da Ficha Limpa estabeleceu que candidatos condenados por órgãos colegiados (como tribunais) em crimes graves, como corrupção, abuso de poder econômico ou político, lavagem de dinheiro, crimes contra a administração pública, entre outros, são inelegíveis por um período de oito anos. Em razão do princípio da presunção da inocência, a regra só vale em caso de condenação definitiva, e mesmo quem esteja respondendo a processos na Justiça pode se candidatar. A falta de documentos essenciais, como certidões criminais e declaração de bens também pode resultar no indeferimento. Se for comprovada falsidade nas informações prestadas, isso pode impedir o registro. Para burlar estes requisitos formais a estratégia é investir em candidaturas formalmente adequadas, embora um exame mais detalhado e aprofundado destes documentos já pudesse contribuir para barrar muitas candidaturas. Analisando as doações eleitorais nas eleições municipais de 2016 no Rio, o TSE identificou que das 730 mil doações, “300 mil apresentaram problemas junto à Receita Federal porque os doadores não tinham renda compatível para doações”, problema acirrado após a proibição de doações por pessoas jurídicas. Estamos falando em 41% de doações suspeitas! A análise sistemática das doações deveria ser norma e é preciso repensar seriamente, mais uma vez, a questão do financiamento das eleições no Brasil, de forma a conter o risco do financiamento pelo crime organizado e milícias. Ainda que impopular, a ideia do financiamento público das eleições deve ser pensada não apenas como uma forma de diminuir a influência do dinheiro nas eleições, venha ele de empresas, lobbies de empresas de armas e bets ou do crime organizado e milícias. Algumas regras eleitorais, sobre financiamento de campanha ou listas partidárias devem talvez ser repensadas, tendo em vista o risco de infiltração do crime nas campanhas. Algo que tem sido negligenciado, os partidos políticos também poderiam contribuir mais para separar o joio do trigo. Candidaturas precisam ser aprovadas em convenções partidárias e respeitar as normas internas de cada partido. E candidatos que não respeitam essas regras podem ter suas candidaturas indeferidas pelo partido. As normas internas dos partidos políticos são regulamentos e diretrizes estabelecidos por cada um para organizar e disciplinar suas atividades, incluindo o processo de escolha de seus candidatos para as eleições. Muitos partidos exigem que os candidatos estejam filiados ao partido por certo período antes de poderem se candidatar. Os partidos podem ter critérios específicos para selecionar seus candidatos, como análise de currículos, entrevistas, e avaliações de histórico político e moral, mesmo quando não exigidos expressamente pela justiça eleitoral. Assim por exemplo, partidos podem estabelecer quotas internas mais rigorosas para promover a representatividade feminina e de outros grupos minoritários, para além dos critérios legais. Normas internas podem exigir que os candidatos apresentem relatórios regulares de gastos de campanha para a liderança do partido, além do que é exigido pela Justiça Eleitoral. Ou seja, as regras eleitorais podem ser um mínimo necessário e não um critério absoluto para algumas exigências. Os partidos políticos podem estabelecer normas internas que exijam que seus candidatos não tenham processos na Justiça, mesmo que ainda não tenham sido condenados? Essa prática, embora não seja obrigatória pela legislação eleitoral brasileira, pode ser adotada pelos partidos como uma medida de precaução para preservar sua imagem pública, promover transparência e garantir a ética entre seus membros. Essa exigência pode ser vista como um compromisso proativo com a integridade, acima e além do que é legalmente requerido. Exigir que candidatos não tenham processos em andamento, mesmo sem condenação, pode ser visto como uma violação do princípio da presunção da inocência. Mas, em tese, os partidos têm a autonomia para definir suas próprias normas internas, e essa exigência não configura uma ilegalidade. A aplicação desta exigência precisaria ser baseada em critérios objetivos para evitar o uso arbitrário das normas internas. Por exemplo, definir claramente quais tipos de processos ou acusações são considerados impeditivos para candidatura pode ajudar a evitar abusos e garantir uma aplicação justa da regra. Candidatos geralmente precisam demonstrar alinhamento com os princípios e a plataforma do partido e normas internas podem prever a análise de discursos, postagens, entrevistas e ações passadas dos candidatos para garantir essa compatibilidade. Muitos partidos têm um código de ética que os candidatos devem respeitar. O problema é que assim com a Justiça Eleitoral, os partidos não contam com regras internas objetivas, códigos de ética ou com uma estrutura organizada para fazer estas verificações a fundo. O fato é que alguns casos recentes de tentativas de infiltração de candidatos ligados ao crime organizado nas eleições – diretamente ou através de financiamento -, mostram que não estamos apenas diante de uma possibilidade, mas já de uma realidade, cuja significância não conseguimos estimar. É preciso que tanto a Justiça Eleitoral quantos os partidos políticos, Ministério Público e polícias desenvolvam práticas e estruturas aptas a limitar estas tentativas de infiltração. A infiltração do crime organizado na política representa uma grave ameaça para a sociedade, comprometendo a integridade das instituições democráticas, a segurança pública, o desenvolvimento econômico e a coesão social. Ela implica em desvios de recursos públicos, aumento de custo e perda de eficiência dos projetos e serviços, perda de confiança nas instituições, coação e intimidação de eleitores e funcionários públicos, formulação de políticas públicas favoráveis ao crime, obstrução de medidas de combate ao crime, manipulação de contratos e licitações, piora do ambiente de negócios, entre outras consequências deletérias. Em longo prazo, talvez ainda mais relevante, o processo democrático é subvertido, uma vez que as eleições deixam de ser um reflexo da vontade livre e legítima do povo, sendo manipuladas para atender aos interesses de grupos criminosos. A influência do crime organizado na política pode corroer os valores democráticos fundamentais, como a justiça, igualdade perante a lei, e a transparência, conduzindo a um regime de governança caracterizado pela impunidade e pela ilegalidade. O fato é que alguns casos recentes de tentativas de infiltração de candidatos ligados ao crime organizado nas eleições – diretamente ou através de financiamento -, mostram que não estamos apenas diante de uma possibilidade, mas já de uma realidade, cuja significância não conseguimos estimar. O problema não está na quantidade de casos, que é anedótica diante de 458 mil postulantes, mas na seriedade das implicações. É preciso que tanto a justiça eleitoral quantos os partidos políticos, Ministério Público e polícias desenvolvam práticas e estruturas aptas a limitar estas tentativas de infiltração. Antes de PCC, CV, FDN, etc. se transformem em novas siglas no já complicado quadro partidário brasileiro. ESTE ARTIGO FOI PARCIALMENTE ESCRITO COM AJUDA DE I.A. Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. Card link Another link