Antonio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático
Tendo chegado ao poder em decorrência das eleições presidenciais de outubro de 1955, em meio à crise que se avolumava desde a volta de Getúlio Vargas ao poder, entremeada de golpes e contragolpes de Estado, Juscelino Kubitschek conseguiu colocar o País no grandioso projeto de industrialização e da mudança da Capital. O slogan que pretendia refleti-lo dizia: “50 anos em 5”. Não tendo conseguido fazer o sucessor nas eleições presidenciais de outubro de 1960, com a renúncia do vencedor dessas eleições (Jânio Quadros), reacendeu-se a crise pela incapacidade de João Goulart dar continuidade àquele projeto. O alcance mobilizador do ideal de Revolução Industrial seria demonstrado pelo fato de os governos militares o terem retomado, conseguindo mesmo certa popularidade – graças ao que passou a ser conhecido como “milagre econômico” –, em que pese o clima de repressão.
Concluiu o curso de medicina em 1927, aos 25 anos de idade, porém a sua ambição era seguir carreira política. Achando-se ligado ao grupo getulista no poder, durante o Estado Novo ocupou o cargo de prefeito da capital mineira, de 1940 a 1945, tendo realizado uma administração excepcionalmente bem sucedida.
Com a redemocratização, formou desde logo na agremiação conservadora bafejada por Vargas, o Partido Social Democrático (PSD). Kubitschek tornou-se deputado federal com expressiva votação.
Elegendo-se governador de Minas Gerais em outubro de 1950, alcançaria um posto apto a projetá-lo nacionalmente. Nesse posto, deu início ao seu projeto de industrialização, começando com obras de infraestrutura.
Construíram-se centrais elétricas de certo porte, distribuídas pelas principais regiões em que se subdividia o estado. Em 1951 organizou-se a holding que iria congregá-las, a Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG).
Simultaneamente, atraiu o grupo siderúrgico alemão Mannesmann, que implantou uma siderurgia nas proximidades da Capital, empreendimento que, por sua vez, daria origem a diversas empresas de menor porte. Implantou ainda uma rede integrada de rodovias e deu continuidade aos projetos em curso destinados a promover a modernização da agricultura. Nesse particular, daria importante passo à frente com a organização de empresa dedicada à produção de fertilizantes.
Em 1954, chega ao auge a crise desencadeada a partir da eleição de Vargas para a presidência, culminando com o seu suicídio.
Apesar da perplexidade que parece haver se apossado da elite dirigente, o país marcha para a eleição presidencial de outubro de 1955. Juscelino Kubitschek é o nome que se impõe ao PSD. Tão logo isto se faz evidente, a oposição a Vargas, que na altura detém o poder, tudo fará a fim de inviabilizá-la, inclusive tentando obter o veto militar. Desta vez configurou-se uma clara divisão no próprio Exército. Seria um primeiro sinal de que a ingerência militar na política fatalmente iria acabar por dividir as Forças Armadas em facções.
Formalizada a chapa Juscelino Kubitschek (PSD)- João Goulart (PTB) são tomadas várias iniciativas para evitar que se tornasse vitoriosa. Tentou-se inclusive introduzir a exigência de maioria absoluta, rejeitada pelo Parlamento.
Nas eleições de outubro de 1955, a chapa PSD-PTB obteve 36% dos votos e a da oposição udenista 30%. Derrotada, esta tentou impugnar tais resultados nas instâncias judiciais competentes, sem êxito. Passa, então, a pregar abertamente o golpe militar, que acabou sendo impedido pela própria cúpula militar.
Em que pese o acirramento da divisão com que se defrontava o País em função da posse de Kubitscheck, este soube apaziguar os espíritos. Em seu governo ainda houve rebeliões militares, que o governo derrotou, mas não perseguiu os revoltosos nem lhes atribuiu maior importância.
O País iria ser conquistado para um grandioso projeto de modernização econômica. O governo lançou o chamado Programa de Metas, que se destinava, em primeiro lugar, a implantar no País infraestrutura energética e de transportes. Grandes eixos de estradas de rodagem foram construídos. Seguia-se a indústria de base (siderurgia, construção naval e setor de máquinas e equipamentos) e a automobilística. Metas relacionadas à alimentação e à educação completavam o programa.
Estudos da Fundação Getúlio Vargas indicam que entre 1957 e 1960 o Brasil registrou crescimento médio anual pouco abaixo de 8%.
O outro grande projeto de Kubitschek seria a construção de Brasília. Seu governo culminaria com a vigência de clima de ampla liberdade. Conseguiu fazer cessar a obsessão anticomunista, a pretexto da qual muita arbitrariedade se cometeu no País nos anos anteriores do denominado “interregno democrático”.
Em que pese os artifícios utilizados para a importação de equipamentos, requeridos pela industrialização em curso, sem cobertura cambial, a situação do balanço de pagamentos era periclitante. Dependia estritamente do café, dado que a pauta de exportações não se diversificara. Ao mesmo tempo, o governo não se dispunha à prática de austeridade, exigência das instituições financeiras internacionais para suprir os recursos requeridos pela manutenção do fluxo normal de importações. A inflação começava a refletir-se no bolso da população, à vista do generalizado aumento de preços. A oposição conseguiu atribuir o fenômeno às evidências de corrupção em órgãos públicos. Na verdade, o agigantamento do Estado, graças à intervenção em sucessivos setores econômicos, seria inevitavelmente acompanhada da possibilidade de cobrança de comissões por funcionários públicos.
Configurou-se, portanto, um quadro desfavorável ao governo nas eleições de outubro de 1960. Lançado candidato pela União Democrática Nacional, o governador de São Paulo, Jânio Quadros, conduziu uma campanha muito bem feita, adotando uma vassoura como símbolo, instrumento com base no qual efetivaria a imprescindível “limpeza” do aparelho estatal, pondo a correr o aumento do custo de vida. Alcançou uma vitória esmagadora.
O desdobramento do quadro é conhecido: renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961; posse tumultuada do vice (João Goulart) e isolamento do governo, que culminou com o movimento militar de março de 1964.
Kubitschek elegeu-se senador por Goiás nas eleições parlamentares extraordinárias realizadas em junho de 1961. Na crise que antecedeu o movimento de março de 1964 intercedeu junto a João Goulart no sentido de preservar a legalidade, atuando o presidente, de modo claro, para restaurar a hierarquia militar, que estava sendo francamente violada. Ao que parece, contudo, Goulart subestimou a gravidade da situação e persistiu no erro, sendo deposto.
Juscelino Kubitschek tornar-se-ia vítima da repressão desencadeada pelos militares. A 8 de junho de 1964 teve o mandato cassado, acrescido da perda de direitos políticos por dez anos, exilando-se na Europa. Regressou em outubro de 1965, quando se deu novo endurecimento do regime, com a dissolução dos partidos políticos e a adoção do bipartidarismo. Novamente perseguido, no mês seguinte, Kubitschek afastou-se do país para somente regressar em 1967. Nessa altura, o próprio Carlos Lacerda e outros ex-dirigentes udenistas empenhavam-se na Constituição do que se chamou de Frente Ampla, de composição civil, com vistas ao afastamento dos militares do poder, movimento que passa a contar com o apoio de Kubitschek. Contudo, o Ato Institucional número 5 (dezembro de 1968) iria de fato introduzir no Brasil uma ditadura repressiva, que entre outras arbitrariedades decretou a ilegalidade da Frente Ampla. O próprio Carlos Lacerda foi encarcerado. Kubitschek decidiu então abandonar em definitivo qualquer tipo de atuação política.
Juscelino Kubitschek faleceu em acidente de automóvel em agosto de 1976, pouco antes de completar 74 anos de idade. Nessa altura, estava no poder o general Ernesto Geisel, empenhado no que ele mesmo denominaria de “abertura lenta e gradual”. Numa demonstração clara de que o seu projeto era para valer, decretou luto oficial por três dias, primeira homenagem que os militares prestariam a uma personalidade importante de nossa história a que haviam injustamente perseguido.