Antônio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático
Quintino Bocaiúva seguiu a carreira jornalística desde muito jovem, trabalhando em diversos jornais da Capital do Império. Acabou radicando-se no periódico O País, do qual foi um dos fundadores, em 1884, vindo a ser o seu grande inspirador. Nessa altura, já se consagrara como prócer republicano, ideal a que aderira desde a criação do Partido Republicano, em 1870. Graças à sua atuação no desfecho do movimento, caracterizado por José Maria dos Santos –no texto adiante –, pertenceu ao governo provisório, ocupando a pasta das Relações Exteriores.
Entre as primeiras tarefas de que se incumbiu, nessa condição, seria encetar negociações com a Argentina no tocante a litígio territorial. Entretanto, o tratado que firmou com o país vizinho foi considerado danoso aos interesses nacionais por conter demasiadas concessões à Argentina, sendo rejeitado pelo Congresso Nacional. Devido a isto, demitiu-se do governo.
Eleito senador pelo Estado do Rio de Janeiro, participaria da Assembleia Constituinte. Com a promulgação da Carta (24 de fevereiro de 1891), renunciou ao mandato, voltando à direção de O País.
Em 1899, foi reeleito senador, sendo subsequentemente escolhido para governar o Estado do Rio de Janeiro. Maçom, seria Grão Mestre da Loja Grande Oriente do Brasil entre 1901 e 1904. Retornou ao Senado em 1909.
Tornou-se aliado do conhecido caudilho gaúcho Pinheiro Machado (1851-1915), que o colocou na presidência do Partido Republicano Conservador, uma das tentativas frustradas de organizar um partido nacional.
Faleceu em 1912, aos 76 anos de idade.
A Fundação Casa de Rui Barbosa editou, em 1986, livro intitulado Ideias políticas de Quintino Bocaiúva.
A chamada “Questão Militar”
A chamada Questão Militar durou de 1883 até a proclamação da República (15 de novembro de 1889) – portanto, cerca de sete anos, com maior intensidade nos dois últimos. Iniciou-a o tenente coronel do Exército Sena Madureira, ao inserir nos jornais manifestação contrária à escravatura. Pronunciamentos políticos de militares eram proibidos. A punição consistiu em transferi-lo da capital, onde servia, para posto no Rio Grande do Sul.
O ambiente parecia serenado quando, em 1886, outro coronel (Cunha Matos) publicou críticas ao ministro da Guerra, no que foi secundado por Sena Madureira. Aproveitando a circunstância, este publicou novo artigo, onde denunciava a punição que lhe tinha sido imposta, embora esta, na verdade tivesse mais caráter simbólico que outra coisa. Em que pese a circunstância de que não traduzisse, como pretendia, qualquer caráter “odioso e mesquinho”. Tratava-se simplesmente de uma questão de disciplina militar.
O certo é que conseguiu transformar seu comportamento isolado em autêntico movimento que parecia expressar uma posição adotada pela alta hierarquia militar. Tal se deu com o posicionamento do Marechal Deodoro da Fonseca, contrário às punições e, deste modo, favorável a que os militares tivessem liberada a participação política.
O renomado historiador José Maria dos Santos (1877-1945), ao considerar o assunto, inovou grandemente na sua consideração ao chamar a atenção para o fato histórico de que, em todo o incidente descrito, destoa grandemente a posição conciliatória do governo e a intransigência revelada pelos coronéis. A novidade é que atribui esta a Quintino Bocaiuva e à influência alcançada na matéria pelo jornal O País.
Tenha-se presenta que José Maria dos Santos alcançara justificado reconhecimento como historiador com a obra síntese que intitulou Política Geral do Brasil (1930). Nessa mesma linha publicou o que seriam “subsídios para a história da República” (leia-se República Velha) com o título de Bernardino de Campos e o Partido Republicano Paulista (lançado postumamente, em 1960, na Coleção Documentos Brasileiros da José Olímpio).
Como mostra Jose Maria dos Santos, Quintino Bocaiuva teria adotado a posição de levar os coronéis a convencerem-se de que a monarquia, com vistas à própria sobrevivência, sentia-se incomodada com o prestígio alcançado pelo Exército em face do seu desempenho na guerra do Paraguai. Para pôr cobro a essa situação, dava mostras de que não recuaria nem mesmo diante do imperativo de alcançar a própria dissolução.
Sua análise é minuciosa e ocupa grande parte do prefácio da obra. Devido a isto optamos por apresentar breve resumo que, estamos certos, permitirá que o leitor avalie a sua consistência. Segue a transcrição.
A visão do problema de José Maria dos Santos
“O grande jornalista… nunca conseguiu ver os negócios do Brasil do ponto de vista realmente brasileiro, isto é, dentro de nossa evolução política normal, segundo aquela forma peculiar luso-americana. Ele pensava e escrevia como se a redação do seu jornal se colocasse, não na rua do Ouvidor, do Rio de Janeiro, mas na Calle Florida ou na Calle Corrientes, em Buenos Aires. Era no rio da Prata com os seus tribunos lidadores e as suas agitadas mutações governamentais, que ele se inspirava, de lá vindo os seus padrões políticos mais sugestivos e recomendados. Ali sim havia convicções, havia caráter, havia coragem nas ideias e firmeza nas atitudes. A sua preferência por aqueles costumes e processos era tão insistente e acentuada que, com frequência, foi posta em dúvida a sua nacionalidade. Durante a sua permanência em Buenos Aires, no correr da Guerra do Paraguai, encontrando-se ele ligado às nossas forças navais como funcionário da Fazenda, a sua assiduidade nos meios argentinos chegou a irritar seriamente os brasileiros. Daí lhe vieram mesmo alguns desagradáveis incidentes.” (edição citada, págs. 49, 50)
“Assentadas as suas ideias nestas bases sentimentais, não podia Quintino Bocaiuva conceber a nossa passagem da Monarquia para a República, segundo os nossos métodos habituais de evolução legal. O problema era por ele colocado nos seus dados iniciais do princípio do século XIX, quando a noção de liberdade se resumia para os povos hispano-americanos no simples repúdio do poder absoluto, representado no rei de Espanha, tomando portanto a forma de um conflito irreconciliável, solúvel apenas pelas armas. O processo evolutivo aqui desenvolvido entre a chegada de D. João VI e a Abolição era por ele eliminado, para serem tomados os oitenta anos correspondentes como simples expressão do nosso atraso perante as várias Repúblicas do continente. Admitir que a nossa Monarquia parlamentar indicasse um progresso qualquer sobre as confusas e atormentadas instituições hispano-americanas, parecia-lhe uma desprezível heresia, senão uma pura falsidade.”
‘O nosso aparelhamento legal, com as suas garantias liberais, era uma simples simulação por trás da qual existia apenas o irresistível poder pessoal do imperador.”
“É claro que, de semelhante ponto de vista, a nossa transformação política só pode ser de caráter militar.”
“E aí está como O País… foi se constituindo sobretudo em órgão da Questão Militar.”
“Podemos hoje aceitar com segurança que, se não fosse O País, jamais a Questão Militar se teria arrastado tão persistente e teimosa até o golpe de 15 de novembro.” (pág. 51)
“É preciso notar, entretanto, que o hábil e tenaz propagandista não ligava diretamente a agitação militar à sua revolução republicana. Tratava apenas de incompatibilizar o Exército com o governo imperial, como se abrisse uma fenda na qual a ideia de República se introduzisse como uma cunha para fazer ruir a Monarquia.” (pág. 51).
“Quem hoje consulta os números de O País, entre 13 de setembro e 15 de novembro de 1889, examina apenas o desenvolvimento metódico e seguro de um processo de intimidação. O Exército, a não deixar dúvidas, tinha que escolher entre a reação armada e a sua dissolução.” (pág. 56)