Antônio Paim, historiador e colaborador do Espaço Democrático
De certa forma ofuscado graças à notabilidade alcançada por seu filho homônimo, o Barão do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco, foi personalidade central na história política do País. Depois de alcançar grande nomeada nas questões relacionadas ao Prata, cuja relevância seria tornada patente devido às dimensões assumidas pela Guerra do Paraguai, equacionou e deu passos decisivos no encaminhamento das reformas essenciais de que carecia o País. Tal se deu como presidente do Conselho de Ministros, cargo exercido durante cerca de cinco anos – período mais longo de permanência no cargo –, na primeira metade da década de 1870.
Ao contrário do comum dos políticos de sua época, em geral formados em Direito, José Maria da Silva Paranhos diplomou-se em ciências matemáticas na Real Academia Militar, tornando-se professor da então recém-organizada Escola Central, que consumava, naquele estabelecimento de ensino superior, a separação entre a formação militar e o curso de engenharia. No momento em que, naqueles círculos, tinha lugar a aproximação ao positivismo – que iria transformar o discurso acerca da ciência numa peça de retórica, sobretudo política –, demonstraria o pleno entendimento de que o País não poderia descurar do desenvolvimento científico propriamente dito. Nesse particular, como veremos, tinha uma visão harmoniosa do conjunto da problemática educacional, como de resto iria demonstrar nas outras reformas que viria a introduzir.
Começou a carreira política em 1845, aos 26 anos de idade, como deputado à Assembleia Provincial do Rio de Janeiro. Dois anos depois elegeu-se para a Câmara dos Deputados, reelegendo-se em sucessivas legislaturas. Foi presidente da Província do Rio de Janeiro. Desde os anos 1850 exerceu vários cargos diplomáticos relacionados à Bacia do Prata. Graças à familiaridade adquirida com personalidades e problemas da região, terminada a Guerra do Paraguai, coube-lhe a incumbência de organizar o novo governo que, em conformidade com o desejo expresso do Brasil, assegurasse a independência do país, preservando, ao mesmo tempo, a convivência pacífica com os vizinhos.
Ocupou ainda as pastas da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e da Fazenda. Em 1862, passou a integrar o Senado. Tornara-se uma das figuras mais proeminentes do Partido Conservador.
Ao ascender à chefia do governo, no começo de 1871, Paranhos tinha plena consciência de que, apaziguada a situação internacional, na Bacia do Prata – ponto mais sensível nessa matéria –, era imprescindível empreender o caminho das reformas no interior do País. Decidiu-se por começar pela mais relevante e, ao mesmo tempo, a mais sensível e polêmica: a eliminação do trabalho escravo. Naquela altura, já se esboçara em São Paulo o esquema de transição para as atividades agrícolas, em especial as plantações de café, carro-chefe das exportações, pela introdução do sistema de meação, exigente de mão-de-obra de outro tipo, isto é, constituída de imigrantes familiarizados com a prática da agricultura.
O presidente do Conselho começou por uma proposição que, aparentemente corresponderia a uma forma de protelar a solução do problema: tornar livres os filhos de escravos, através da providência que passou a história com o nome de Lei do Ventre Livre. Provocou debates dos mais acalorados na Câmara dos Deputados, ensejando o surgimento de dissidência no próprio Partido Conservador. A discussão arrastou-se ao longo dos meses de julho e agosto. A oposição às ambições reformadoras de Paranhos, gestada em suas próprias hostes, assumiu tais proporções que, no ano seguinte, obteve a dissolução e a correspondente convocação de eleições.
No que se refere à Lei do Ventre Livre, tendo encontrado oposição moderada no Senado, viria a ser promulgada a 28 de setembro.
Avaliação tornada pública em seguida à Abolição, que teria lugar em 1888, indica que a Lei do Ventre Livre reduzira substancialmente o contingente de escravos no país, redução essa que, se estimou, seria da ordem de 1,6 milhão de cativos. Na altura em que foi decretada, os escravos eram estimados como equivalendo a entre 3,5 milhões e 4 milhões. A população do país em 1872, quando teve lugar o primeiro recenseamento – cuja efetivação seria determinada justamente por Paranhos –, era pouco inferior a 10 milhões.
A par disto, o Gabinete Rio Branco instituiu um fundo especial para financiar a alforria. Iniciada a utilização desses recursos, sob a sua presidência do Conselho, teria continuidade nos governos subsequentes. De modo que, quando veio a abolição, somente em parte iria ser afetada a produção agrícola, à época, a mais relevante.
De igual relevância são as providências concomitantes no terreno da imigração. Na biografia que lhe dedicou o Visconde de Taunay, afirma-se: “A introdução de colonos europeus também muito prendeu a atenção do estadista. Numerosos foram os atos fomentadores da imigração, para diferentes partes do Império, e vários contratos com aliciadores de imigrantes, num total de muitas dezenas de milhares de pessoas. Par e passo se legislara sobre terras devolutas, tendo-se em vista a localização dos novos habitantes do País” Leve-se em conta que, notadamente em São Paulo – que marchava para ser o maior produtor de café –, introduzira-se uma nova relação de trabalho, os chamados contratos de parceria (ou de meação), que acabaram por promover a formação de camada média entre os produtores agrícolas.
Ainda no plano da modernização econômica do país o Gabinete deu continuidade à política de estímulos à construção de ferrovias. Além da expansão da Estrada de Ferro D. Pedro II, destinada a atender ao Vale do Paraíba, devendo ligar-se a Minas Gerais, decretou-se a criação da Rede Ferroviária do Rio Grande do Sul. A marinha mercante nacional, a indústria e construção naval e a navegação de cabotagem também mereceriam a devida atenção.
O Barão de Mauá, que se notabilizara pelo espírito empreendedor, foi autorizado a construir e explorar um cabo telegráfico submarino entre o Brasil e Portugal, de que se esperava viessem a ser agilizadas as comunicações com a Europa. Nessa mesma linha, o Gabinete liderado por Paranhos conseguiu impor a abolição do obsoleto sistema de pesos e medidas português, providência tornada lei em 1862 e que vinha sendo ignorada. Conseguiu tornar efetiva a adoção do sistema métrico decimal. A iniciativa provocaria tumulto e revolta em vários pontos do país, movimento que passou à história com o nome de Quebra Quilos. Mas acabou por tornar-se prática usual.
Lançou as bases da reforma administrativa, começando-a pelo Poder Judiciário e pela Fazenda.
Em que pese o significado das iniciativas referidas, o propósito maior do Visconde do Rio Branco iria expressar-se na reforma do ensino. Iniciou-a pela instrução primária, tendo em vista torná-la, no Município Neutro (como então se denominava o território abrangido pelo Rio de Janeiro, parte integrante da Província do mesmo nome), uma espécie de modelo a ser seguido no resto do País. Além da parte curricular, modernizou as instalações e introduziu programas de formação e aprimoramento do magistério.
Nesse particular, no que se refere ao ensino médio, a tradição brasileira consistia em que o governo central se concentrava no Colégio Pedro II (Rio de Janeiro), cuja sistemática deveria ser obrigatoriamente seguida pelos Liceus Provinciais. Ainda assim, o País dispunha de poucos estabelecimentos desse nível. Para atender a essa circunstância, existiam cursos chamados “preparatórios”, oferecidos de diferentes formas, para ingresso nos estabelecimentos (isolados) de ensino superior. Como nem todas as províncias dispunham desse tipo de faculdade, os exames de seleção (então chamados de “exames de preparatórios”, somente com a criação de Universidades, muito posterior, denominados de “vestibular”) limitavam-se às cidades em que se situavam. Atendendo a uma aspiração generalizada, o Gabinete Paranhos criou comissões esse tipo nas diversas capitais.
No ensino superior, voltou-se preferentemente para a formação científica centrada na Matemática e na Física. Transformou em Escola Politécnica a Escola Central, resultante da divisão ocorrida na Real Academia Militar. Tratou de atribuir-lhe uma configuração que não a limitasse à formação técnica, tornando-a igualmente um centro de pesquisa física e matemática. Essa condição da Escola de Engenharia iria ensejar, nas décadas iniciais do século 20, debates dos mais animados. O certo é que assim se preservou a tradição, configurada na Real Academia, de efetivação de estudos matemáticos. Com idêntico espírito, criou ainda a Escola de Minas de Ouro Preto.
De um modo geral, a figura do Visconde do Rio Branco está presente na História do Brasil tão somente por ter ocorrido, durante o período em que presidiu ao Conselho, a famosa Questão Religiosa. Como se sabe, diz respeito à prisão dos bispos que se recusaram a acatar decisão governamental obrigatória, factível em conformidade com a regra denominada de padroado, segundo a qual os prelados eram funcionários públicos, cabendo ao monarca escolher os bispos a serem nomeados pelo Vaticano, bem como autorizar a divulgação de documentos pontifícios no País. Tratava-se, certamente, de uma limitação da autoridade da Igreja, mas que fazia parte de uma velha tradição, consagrada nas concordatas (denominação do acordo regulando as relações entre os chamados poderes espiritual e temporal). A Paranhos não restava outra alternativa que não propor a punição. O imperador a submeteu ao Conselho de Estado, que igualmente a recomendou.
Como não poderia deixar de ser, o ato promoveu o estremecimento das relações com o Vaticano, sanado mais tarde. Sendo o Visconde do Rio Branco Grão Mestre da Maçonaria, na historiografia subsequente chegou-se a sugerir que se tratava de manifestação de seu anticlericalismo, insinuação de todo improcedente. No século 19 a Maçonaria serviu sobretudo para promover o governo representativo e a ideia liberal. Naquele período, era de praxe que o título de grão-mestre fosse atribuído a personalidades que se destacaram nesse mister que, naturalmente, tivessem simultaneamente afinidade com a instituição. O Duque de Caxias, que substituiu a Paranhos na chefia do governo, era igualmente grão-mestre, não obstante o que, coube-lhe precisamente sanar a disputa com o Vaticano, o que, por si só, demonstra a inconsistência da atribuição.
O Visconde do Rio Branco faleceu em 1880, aos 61 anos de idade. No ano anterior, por ocasião do seu regresso da Europa, seria acolhido por estrondosa manifestação popular, numa demonstração do reconhecimento da notável contribuição que deu ao equacionamento de candentes problemas, de cuja solução dependia o progresso do país.