Ao contrário do que seria de fato a sua essência, Napoleão apresentou-se como continuador da Revolução e conseguiu emitir sinais contraditórios. Internamente, o eixo de seu governo consistia em manter a ordem e reprimir todo tipo de manifestação que assumisse abertamente caráter oposicionista mas ao mesmo tempo introduziu várias reformas afeiçoadas ao que na época era denominado de constitucionalismo, depois chamado de regime liberal. Nos primeiros quatro anos manteve inclusive o governo republicano, proclamando-se Imperador somente em 1804. Dotou o país de uma nova organização administrativa. Manteve a divisão em Departamentos (equivalentes ao que seriam os nossos estados federados), criados pela Revolução, mas restaurou prefeitos para as maiores cidades e alcaides para as menores.
Ao conjunto tornou “delegados do Governo Central”, isto é, de livre nomeação de Paris. Suprimiu o sistema de juízes eleitos, mas manteve a independência do Judiciário, tornando vitalícios os cargos da magistratura. Elaborou Código Civil, consagrando os princípios essenciais vigentes no sistema inglês como a igualdade perante a lei, a liberdade pessoal, a inviolabilidade da propriedade, sem contudo deixar de viola-los tratando-se de reprimir opositores e sem distinguir, dos que sonhavam restaurar o Antigo Regime, aqueles que contestavam a possibilidade de coexistência de princípios liberais com governo autoritário, centralizador e todo poderoso. O certo entretanto é que granjearia a auréola de salvador nacional, dada a magnitude de que se revestira a aspiração de livrar-se do assembleismo. A postura de Napoleão, durante um largo ciclo histórico, conseguiu que se associasse à anarquia a idéia de democracia.
Caberia a Benjamin Constant (1767/1830) criar um corpo de doutrina tornando explícito que não se tratava mais de defender o sistema constitucional (liberal) contrapondo-o à monarquia absoluta. Esta, na França, já pertencia ao passado. Agora se trataria de dissociar a doutrina liberal do “liberalismo” da ditadura militar de Napoleão.
Constant formularia, em caráter pioneiro, a doutrina da representação como sendo de interesses. Reconhecendo-lhes o caráter inelutavelmente conflituosos, a missão do sistema político residiria em organizar a livre negociação entre tais interesses. Levando em conta a necessidade de favorecer a conciliação entre o impulso de progresso e o peso das tradições nacionais, o sistema adequado seria a monarquia constitucional, concebida e estruturada com vistas à observância dos citados princípios. Cumpria assegurar ao Monarca determinadas atribuições a fim de proporcionar equilíbrio entre as forças em disputa. Chamou-o de Poder Neutro (Moderador no modelo brasileiro), completando-se com duas outras instituições concebidas com idêntico propósito, a saber: Câmara representativa da opinião popular, periódica, outra de duração longa, incumbida não de frear o progresso, como se imaginaria na atualidade, mas em evitar precipitações nos avanços do mesmo modo que retrocessos na marcha segura para maior liberdade e igualdade. Caberia ao grupo denominado de “liberais doutrinários” desenvolver essas idéias e plasmá-las, quando a situação lhes favorecesse o que viria a acontecer como indicaremos.