Antonio Paim, filósofo e historiador (*)
As teorias políticas da Idade Média versam basicamente sobre as relações entre os poderes temporal e espiritual, em consequência da feição religiosa assumida pela cultura ocidental neste primeiro momento de afirmação. O assunto foi magnificamente caracterizado por Gaetano Mosca (1858-1941) em sua obra clássica “História das doutrinas políticas” (1898).
Tenha-se presente que o conhecimento da obra de Aristóteles e de outros pensadores de sua época seria efetivada pelos árabes, que ocupavam parte da Península Ibérica. E, de igual modo, que a ideia de “batizar-se Aristóteles”, para dizê-lo em linguagem popular, tenha ocorrido a um pensador árabe, Averrois. Sua execução seria atribuída a São Tomás de Aquino, que realizou obra monumental nesse empreendimento.
No texto precedente, Gaetano Mosca refere como participante desse debate a Dante, autor da “Divina Comédia”. Sem embargo da posição proeminente que ocupa na literatura, sua participação no debate teórico que ora registramos proporciona uma ideia bastante clara do seu teor.
Dante escreveu um tratado de filosofia, que intitulou de “O Banquete”, ensaios de natureza científica e uma obra política em que toma partido na grande disputa que então tinha lugar.
No exame das relações entre os poderes espiritual e temporal, duas são as posições adotadas. A primeira afirma a separação entre os dois. No plano espiritual, dá-se o domínio da Igreja; e, no temporal, o do governante. A segunda preconiza a franca superioridade eclesiástica em matéria temporal.
Dante denominou o seu tratado político de “Monarquia”. Inclina-se pela independência dos dois poderes. Contudo, a “Divina Comédia” é que lhe granjeou a fama conquistada.
O seu túmulo, em Ravena, ainda que a cidade se distinga pela magnitude de seus monumentos históricos, encontra guarida na preferência da visitação turística.
As teses que defende em sua obra são resumidas a seguir. Afirma que para a humanidade poder desenvolver suas possibilidades intelectuais, isto é, seu potencial de progresso, é necessário que a paz reine em toda a parte. Admite-se que haja concluído aquela obra no ano de 1308, quando se dá a invasão da Itália por Henrique VII de Luxemburgo. A manutenção da paz entre os estados, prossegue, somente será alcançada quando o mundo venha a ser governado por um só homem, devendo este soberano ser o imperador romano, ao qual todos deverão obedecer.
Diz, textualmente, que o império universal corresponde à vontade de Deus. Justamente para torná-lo realidade, Deus fez com que os romanos conquistassem o mundo. Como prova da vontade divina apresenta a circunstância de que Jesus Cristo haja nascido no alvorecer do Império. Os milagres que os romanos atribuíam aos deuses do paganismo, na verdade, provinham do Deus dos cristãos, que ajudava aos romanos desde que lhes havia dado a missão de unificar o mundo.
Tenha-se presente que existia o Sacro Império Romano Germânico. Entretanto, somente a partir de Frederico III da Áustria (reinou de 1440 a 1493), a instituição se consolidou e passou a ter uma estrutura mais ou menos estável.
O fato de que tal tenha ocorrido muito depois da morte de Dante não impede de reconhecer que a aspiração por ele apresentada deveria corresponder à esperança generalizada no seio da elite, notadamente em face da crise que vinha de se abater sobre a Igreja com a mudança forçada do Papa para Avignon (1309), de que resultaria o grave cisma com a existência de (aparente) duplicidade no Papado entre 1378 e 1417.
Outro argumento que serviu para popularizar a obra de Dante consiste no seguinte: aos que justificam a subordinação do poder temporal à Igreja, invocando as teorias astronômicas e comparando o Papa ao Sol e o Imperador à Lua, Dante lembra que, se a Lua é iluminada pelo Sol, não deve a este o seu movimento.
(*) Este texto faz parte da série de 10 artigos escritos por Antônio Paim no início de 2021, pouco antes de sua morte
Revisão final de Rogério Schmitt