Antonio Paim, filósofo e historiador (*)
Platão nasceu em Atenas, em 425 ou 427 a.C., no seio de uma das famílias importantes, tendo recebido educação humanista e se encaminhava para a literatura. Por volta dos 20 anos, passou a integrar o círculo de discípulos de Sócrates, o que o levou a redirecionar seus planos. Sócrates (470-399 a.C.) era mestre de retórica, atividade muito estimada na época em decorrência da prática democrática, que exigia, dos que eram considerados cidadãos, a participação no debate de determinadas questões cuja resolução lhes estava afeta. Aqueles professores eram denominados sofistas, termo que não tinha a conotação pejorativa que veio a adquirir.
Sócrates introduziu mudança radical na filosofia grega ao preferir trazer a debate questões gerais relacionadas à moral e à política, enquanto os filósofos precedentes ocupavam-se de desvendar a origem e o curso do mundo físico. Não deixou textos escritos, sendo a obra de Platão justamente uma das fontes de seu pensamento.
Sócrates foi condenado à morte, acusado de atentar contra a religião da cidade e corromper a juventude. O evento serviu de comprovação, a Platão, do caráter corrompido do regime ateniense. Dedicou-se, desde então, a propor um sistema filosófico que lhe permitisse formar pessoas capazes de proporcionar novo direcionamento ao mundo grego.
A proposta de Platão para o ordenamento político da sociedade encontra-se no diálogo que se denominou República, onde formula o ideal de um Estado perfeito. Contudo, os estudiosos entendem que outros textos precisam ser considerados para a plena compreensão da posição doutrinária a que chegou. Nesse conjunto, costuma-se privilegiar as cartas nas quais relata suas sucessivas tentativas de influir nos destinos políticos de Siracusa, que era então a principal cidade da Sicília, exercendo influência sobre o conjunto.
Ao estudioso parecerá interminável a discussão encetada no diálogo acerca da justiça. Basta dizer que somente no Livro III emerge a necessidade de imaginar a formação de uma cidade e as profissões imprescindíveis. Por essa via chega-se à necessidade de ser formada a elite dirigente da cidade. Tenha-se presente que, na Grécia Antiga, os governos formavam-se nas cidades.
A descrição do processo educacional dessa elite parecerá igualmente interminável. Caberia destacar a crítica aos textos de Homero, que são parte integrante da civilização grega. Como se sabe, os deuses ali presentes por vezes comportam-se como cidadãos comuns. Será enfatizada a educação musical e a ginástica.
As pessoas selecionadas para formar o que viria a ser uma autêntica casta terão uma habitação comum. Não terão propriedades e a alimentação ali servida seria como uma espécie de salário. Tomarão as refeições juntos e viverão em comum como soldados em campanha.
Na cidade que busca uma organização perfeita haverá, no grupo dirigente, a comunidade das mulheres, a comunidade dos filhos e de toda a educação, assim como as ocupações em tempos de guerra e de paz. Será reconhecido como soberano aquele que revelar-se o melhor como filósofo e como guerreiro.
Aos líderes da cidade é admitido mentir no interesse da própria cidade. A todas as demais pessoas não será lícito esse recurso. Não pode receber presentes, tampouco ter ambições.
Karl Popper (1902-1994) publicou, em 1945, “A sociedade aberta e seus inimigos”, num momento em que o caráter totalitário da União Soviética se achava obscurecido por sua participação na guerra ao lado dos aliados ocidentais.
A sociedade aberta é uma conquista da civilização, e corresponde ao sistema concebido e praticado pelo homem maduro, que recusa ser tratado como criança pelo Estado, que aceita todas as suas responsabilidades (entre as quais inclui não apenas direitos, mas também deveres), e que reconhece a impossibilidade do paraíso terrestre.
No entendimento de Popper, a civilização começa com sociedades fechadas, organizadas em bases tribais, repousando as relações sociais na rigidez dos costumes, geralmente fundados em crenças mágicas.
Na Grécia iniciou-se uma outra experiência: a de criar um espaço para a responsabilidade pessoal. A obra de Platão está destinada a obstar essa mudança. Popper enxerga na teoria política platônica a origem do totalitarismo, razão pela qual submete-a a crítica.
Platão desenvolve a teoria de que os seres e as instituições existentes são cópias imperfeitas de ideias imutáveis, cumprindo reconstituí-las como ideal a fim de dispor de uma espécie de arquétipo. No caso do Estado, o ideal deveria refletir aqueles aspectos presentes aos Estados existentes.
O critério para identificá-los consiste nas estruturas que se tenham revelado mais duradouras, isto é, que impeçam as mudanças. A origem destas provém da desunião da classe governante, cumprindo, portanto, substituí-la pelo sábio (filósofo). O modelo que estaria mais próximo do Estado ideal seria Esparta, onde vigorava uma espécie de ditadura dos mais experientes.
(*) Este texto faz parte da série de 10 artigos escritos por Antônio Paim no início de 2021, pouco antes de sua morte
Revisão final de Rogério Schmitt