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{ ARTIGO }

A polêmica sobre a representatividade dos Estados na Câmara

Cientista político Rogério Schmitt escreve sobre a ideia de ajustar as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados ao novo censo

 

Rogério Schmitt, cientista político e coordenador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

 

 

O IBGE divulgou recentemente os primeiros resultados do Censo Demográfico 2022, que revelou oficialmente quais foram os Estados que perderam população desde o Censo de 2010 e também quais foram os que tiveram crescimento populacional no mesmo período.

Como seria de se esperar, esses novos dados sobre a dinâmica populacional brasileira trouxeram de volta o debate político sobre a necessidade de possíveis ajustes no tamanho das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, cuja composição regional permanece a mesma desde a década de 1990.

Esse debate precisa ser feito com muito cuidado. Existe um lugar comum circulando por aí, já há muito tempo, que diz que a atual distribuição de cadeiras na Câmara entre os Estados favoreceria Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em detrimento de Sudeste e Sul.

Tal hipótese não só não encontra apoio nos dados empíricos como também frequentemente aparece associada a uma outra, fortemente carregada de ideologia, que seria a suposta submissão do Brasil “moderno e urbano” ao Brasil “rural e oligárquico”.

Não precisamos recorrer a teorias da conspiração para entender a verdadeira natureza da questão. A origem real da distorção no tamanho das bancadas estaduais na Câmara Federal se encontra na Constituição de 1988. Por um lado, ela estabeleceu um critério de proporcionalidade entre a população de cada Estado e o respectivo número de deputados federais.

Por outro lado, a Constituição também determinou que nenhum Estado – independentemente da região do País em que se localiza – pode ter menos de oito ou mais de 70 deputados federais. O resultado prático destes limites constitucionais foi o favorecimento dos antigos territórios da região Norte promovidos a Estados (Rondônia, Acre, Roraima e Amapá), além da criação do Estado do Tocantins. Cada um deles elege oito deputados, apesar de suas populações serem proporcionalmente bem menores.

No outro extremo, a regra constitucional prejudica exclusivamente o Estado de São Paulo, a única unidade da federação submetida ao teto de 70 deputados. Caso este limite não existisse, devido à sua magnitude populacional, o Estado faria jus a algo como 110 cadeiras na Câmara.

Não se trata, portanto, de uma clivagem entre Sul e Sudeste e o resto do País. Basta conferirmos os números, já atualizados pelo Censo 2022.

Os quatro Estados do Sudeste, por exemplo, têm 41,8% da população brasileira, mas somente 34,9% da Câmara. Como vimos, tal sub-representação decorre, basicamente, do teto a que São Paulo está submetido.

Por sua vez, os sete Estados da região Norte, com somente 8,5% da população do País, elegem 12,7% dos deputados federais. Como também vimos, isso se deve ao piso constitucional que beneficiou a maioria daquelas unidades da federação.

Não há distorções tão graves nas bancadas legislativas das outras três macrorregiões brasileiras. É fato que há uma pequena sobre-representação do Nordeste, mas o mesmo fenômeno também se repete (em menor escala) para a região Sul. E no Centro-Oeste a proporcionalidade é quase perfeita.

A extinção ou a atenuação do piso e do teto constitucionais para os tamanhos das bancadas estaduais seriam as únicas soluções reais para tornar menos desproporcional a divisão de cadeiras na Câmara. Mas este parece ser um cenário não apenas politicamente improvável como também até indesejável do ponto de vista das relações federativas.

Outra possibilidade seria ajustar aos números do novo Censo os tamanhos das bancadas estaduais que não estivessem sujeitas aos limites constitucionais. Relatos da imprensa indicam que ao menos um projeto de lei com essa finalidade já começou a tramitar no Congresso. Nesse desenho alternativo, nada menos que 14 Estados seriam afetados pela revisão proposta.

Sete estados (Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul, Piauí, Paraíba, Pernambuco e Alagoas) perderiam cadeiras na Câmara, enquanto outros sete (Santa Catarina, Pará, Amazonas, Minas Gerais, Ceará, Goiás e Mato Grosso) ampliariam as suas bancadas. O problema desta suposta solução é que seriam redistribuídas somente 14 das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. E as distorções entre as regiões iriam até aumentar. A região Norte, por exemplo, que já é a maior beneficiada pelas distorções existentes, ganharia 6 cadeiras adicionais. Seria muito conflito federativo para quase nenhuma mudança.

Na prática, portanto, penso que o cenário mais provável no que diz respeito à representatividade dos Estados na Câmara dos Deputados – apesar das novas dinâmicas da demografia brasileira – continuará sendo a manutenção do status quo.

 

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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