Pesquisar

tempo de leitura: 4 min salvar no browser

{ ARTIGO }

Como o ambiente mal cuidado afeta a sensação de segurança das pessoas

O problema da segurança não é falta de recursos, mas falta de conhecimento, ousadia e criatividade para novas abordagens, aponta o sociólogo Tulio Kahn

 

Tulio Kahn, sociólogo e colaborador do Espaço Democrático

Edição: Scriptum

 

A percepção de segurança das pessoas é afetada não apenas pelos níveis de criminalidade reais, mas por uma série de outros fatores, como gênero, idade, acesso aos meios de comunicação e qualidade do entorno físico e social, entre outros fatores.

Passar na frente de um lugar mal iluminado, com lixo, pichações, fétido, com grupos de jovens reunidos nas esquinas ou mendigos pedindo dinheiro no sinal ligam automaticamente nosso sistema de alerta. O local pode nem ser necessariamente perigoso, mas instintivamente associamos a desordem física e social com criminalidade. A “teoria das janelas quebradas” corrobora que locais degradados tendem a atrair contravenções e crimes, de modo que não se trata apenas de uma ilusão.

Neste contexto, as estratégias CPTED são um elemento importante para diminuir a sensação de insegurança. CPTED significa prevenção criminal através do desenho ambiental e a ideia subjacente é de que é possível minimizar tanto o crime quanto a sensação de insegurança manipulando elementos do ambiente físico e social do entorno. Cuidando da limpeza urbana, limpando pichações, iluminando o ambiente, retirando veículos abandonados das ruas, consertando buracos, cuidando da jardinagem e outras ações que demonstrem que aquele espaço tem dono e que a vizinhança e o poder público controlam o espaço.

Em setembro último participei de um projeto de segurança dos moradores de um bairro periférico de Vitória. Neste projeto fizemos uma pesquisa de opinião com cerca de 500 moradores analisando, entre outros temas, a interação entre entorno físico e percepção de segurança.

Fizemos o cruzamento entre avaliação da iluminação pública como aspecto negativo do entorno e percepção de segurança. Na média, 14,6% dos entrevistados disseram se sentir “muito seguros” andando pela rua depois que escurece. Mas esta porcentagem reduz-se para 5,3% entre aqueles que apontaram a iluminação pública como um aspecto negativo do entorno. Vendo pelo outro ângulo, a porcentagem de “nada seguros” sobe para 35,5% entre os que apontaram iluminação como aspecto negativo, em contraste com 27,9% da amostra. As diferenças entre os grupos são estatisticamente significativas.

Essa associação entre desordem física e social do espaço e percepção de segurança já foi estabelecida pela literatura criminológica. Isso sugere que estratégias CPTED como iluminação e conservação dos espaços podem contribuir tanto para a redução da criminalidade quanto para a redução da sensação de insegurança da população.

Lembro aqui destas teorias criminológicas e invoco estes dados para lembrar que em alguns meses teremos novamente eleições municipais e que segurança pública, mais uma vez, está entre as principais preocupações da população. Muitas destas estratégias preconizadas pelo CPTED são de alçada municipal, mas raramente vemos os municípios adotando este tipo de abordagem enquanto uma política pública para lidar com segurança e a criminalidade.

Isto implicaria em concentrar esforços de zeladoria urbana em hot spots criminais, onde existe a presença da desordem física e social. Implica em ações multisetoriais envolvendo outros órgãos municipais e estaduais. Em orientar a guarda para identificar estes problemas ambientais e produzir boletins de ocorrência de caráter administrativo e preventivo. Para isso é preciso treinar o olhar dos agentes para este tipo de problema e criar relatórios específicos sobre pontos viciados de lixo, veículos abandonados, terrenos baldios, luzes queimadas, calçadas danificadas, equipamentos públicos em mau estado.

Existem diversos modelos de “inventários” CPTED onde o agente encontra dezenas de problemas mais frequentes pré-codificados e pode apenas assinalar a modalidade de problemas e o local específico onde se encontra. Um aplicativo de celular pode ser facilmente construído para simplificar esta tarefa, digitalizando o inventário, geolocalizando o problema, permitindo inclusive o envio de imagens para a gestão.

Adotar uma estratégia CPTED também implica em pensar novos fluxos de informação – direcionando estes relatórios, por exemplo, para as subprefeituras ou para o setor privado, quando for o caso. Assim como se faz (ou se deveria fazer) com a gestão dos indicadores criminais, uma equipe deve monitorar a execução das melhorias urbanas propostas e verificar seu impacto sobre indicadores criminais.

Relacionada às estratégias CPTED está a regulação dos espaços semi-publicos, que são espaços privados por onde circulam milhares de pessoas e se tornam em “atrativos” para o crime. Tal regulamentação pode ser proposta pelo executivo ou pelo legislativo e tratam, por exemplo, da segurança nos estacionamentos dos shoppings ou nas lojas de conveniência abertas 24 horas. Da segurança nos postos bancários e caixas para a retirada de dinheiro. De como as guaritas e câmeras de segurança devem ser construídas, instaladas e operadas. De como shows e outros grandes eventos culturais e esportivos devem ser organizados para minimizar a ocorrência de crimes e contravenções. Não é algo muito diferente dos laudos e fiscalização feita pelos Bombeiros para garantir a segurança contra incêndios. A Lei Cidade Limpa é um bom exemplo de regulação dos espaços criados no âmbito da prefeitura de São Paulo.

CPTED e regulação dos espaços semi-publicos são apenas dois exemplos de políticas públicas de segurança inovadoras, pouco utilizadas pelos municípios, que insistem nas velhas fórmulas de contratar mais efetivos e adquirir mais viaturas e armas. O problema da segurança não é o da falta de recursos, mas da ausência de conhecimento, ousadia e criatividade para pensar em novas abordagens para o problema.

 

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


ˇ

Atenção!

Esta versão de navegador foi descontinuada e por isso não oferece suporte a todas as funcionalidades deste site.

Nós recomendamos a utilização dos navegadores Google Chrome, Mozilla Firefox ou Microsoft Edge.

Agradecemos a sua compreensão!