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Sem rebobinar a fita

Rubens Figueiredo escreve sobre “Missão: alegria em tempos difíceis” , documentário que ele considera um olhar sensível e profundo sobre a amizade de dois líderes gigantescos: Desmond Tutu e Dalai Lama

ARTIGO

Rubens Figueiredo, cientista político e colaborador do Espaço Democrático

Edição Scriptum

Assistir filme ou série em casa. Eis algo que mudou muito ao longo do tempo. Na minha infância, a TV normal dava a seu jeito conta do recado. Mas a gente tinha dia e hora certa para ver aquilo que queríamos. Lembro que o magnífico Túnel do tempo, série na qual os cientistas americanos Doug Phillips e Tony Newman passeavam entre o passado e o futuro, era levado ao ar às terças-feiras, sempre às 15h. Para assistir ao próximo episódio era necessário conter a curiosidade e esperar sete dias.

As séries eram muitas, quase todas vindas dos EUA. Tinham A feiticeira, Jeannie é um gênio (com Barbara Eden e Larry Hagman), Família do-re-mi (David Cassidy e Susan Dey), Kung Fu, Bonanza, O homem de seis milhões de dólares (Lee Majors), o genial e engraçadíssimo Agente 86 (Don Adams e Barbara Feldon), Jornada nas estrelas, Perdidos no espaço (com o insuperável Dr. Smith: “Nada tema, com Smith não há problema”) e por aí vai. Mas tudo com dia e hora marcada. Filmes? A TV informava na semana anterior as atrações da seguinte.

A coisa melhorou um pouco com a chegada do videocassete. Passamos a ter a oportunidade de ir até a videolocadora e alugar os títulos de interesse. Hoje em dia, aquilo pareceria medieval. Normalmente, os interessados iam às lojas na sexta para alugar três filmes que seriam vistos no final de semana. Era mais barato. O difícil era que existiam poucas cópias dos filmes mais procurados – e era uma luta para conseguir o lançamento do mês (“lançamento” é modo de dizer, pois os grandes sucessos apareciam nas prateleiras semanas depois de explodirem nos cinemas…). As fitas deveriam ser rebobinadas e devolvidas para a mocinha do caixa.

A entrada da Blockbuster, que foi a maior rede de locadoras do mundo, revolucionou o mercado. Primeiro, pela quantidade de filmes de sucesso disponíveis nas lojas enormes e estrategicamente situadas. Depois, a inovação suprema, uma espécie de Uber da época: as pessoas não precisavam mais entrar na loja para devolver os filmes alugados. Havia uma caixa de devolução dos vídeos, chamada, salvo engano, de quickdrop. O futuro chegara. Aquilo que era vida.

Depois vieram os DVDs, que deram fim aos vídeos e às sessões de “rebobinações”. Mas o mecanismo de conseguir o DVD era idêntico: sair de casa, chovendo ou fazendo sol, ir à loja e depois devolvê-lo no mesmo local, ainda que no quickdrop. Outra saída era comprar DVDs para tê-los em casa. Algo caríssimo do ponto de vista custo-benefício, a menos que você fosse crítico de cinema e ganhasse dinheiro com isso. A TV a cabo melhorou muito a oferta de filmes, mas, se me lembro bem, no início as películas também tinham dia e hora marcados.

A entrada do streaming representou uma revolução. A oferta de bons filmes e séries do mundo inteiro é generosíssima. O preço, quase ridículo. É claro que tem muita porcaria, mas faz parte do jogo. De que outra maneira teríamos como ver, por exemplo, séries coreanas que prendem a atenção com qualidade, como Uma advogada extraordinária, Pousando no amor e Designaded Survivor: Coreia? Ou a série israelense Fauda, já na quarta temporada? Ou a dramática minissérie colombiana Gol contra, a saga da seleção nacional em 1994, que levou ao assassinato do jovem quarto zagueiro André Escobar? Tudo isso a hora que você quiser, sem sair de casa ou rebobinar…

Tudo isso para indicar um documentário: Missão: alegria em tempos difíceis (Netflix), um olhar sensível e profundo sobre a amizade de dois líderes gigantescos: Desmond Tutu e Dalai Lama. É uma – aliás, são duas – lições de vida. O sofrimento traz a dor, mas não necessariamente a tristeza. Tutu e o Dalai brincam e se provocam o tempo inteiro, ao mesmo tempo que emana de seus semblantes o profundo respeito que têm um pelo outro. No final, Tutu conta sua relação com o pai, num depoimento emocionante. Ver esse filme faz bem para a alma e, de alguma maneira, nos deixa mais humanos. Se estivesse na época da vídeolocadora, passaria meses indo à loja e rebobinando fita para ter oportunidade de vê-lo.

Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente a opinião do PSD e da Fundação Espaço Democrático. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

 


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