Samuel Hannan, engenheiro especializado em economia e colaborador do Espaço Democrático
Edição Scriptum
Não é de hoje que o Brasil evoca a época das capitanias hereditárias, período em que os donatários e seus familiares possuíam todos os direitos e privilégios enquanto os demais – quase totalidade da população – viviam como vassalos condenados a uma existência de necessidades e modernamente hoje denominados de classe D e E. É triste, porém verdadeiro. Nossa nação parece sentenciada a assistir sempre à repetição que já nos tirou do mapa do desenvolvimento socioeconômico e humano e nos levou ao atraso de mais de 30 anos. Um ciclo nefasto que somente será rompido com uma ampla e inadiável reforma.
Isso nos remete à histórica frase de Karl Marx, segundo a qual “a história repete-se sempre, pelo menos duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa”. O Brasil de hoje vive uma situação lastreada em mentiras e atos corruptos dos donatários do século 21.
A se julgar pelo momento que vivemos e pelos sinais do governo que já completa o seu primeiro ano com indicadores das ações prometidas em campanha bem aquém do esperado. Nenhuma referência a metas de redução de desperdícios e das benesses ou ao combate efetivo da corrupção em todos os níveis, mas sim, no esforço predominante para obter de R$ 160 a R$ 180 bilhões para os gastos extras, ou seja, desconsidera-se que isso significa adquirir mais dívidas bancárias e pagar mais encargos financeiros anuais superiores a 10% a.a.
Além disso, não se firmou qualquer compromisso para a redução do déficit fiscal brasileiro no presente exercício. Observa-se uma descoordenação evidente entre o atual presidente e o Ministério da Fazenda, caracterizada pela ausência de consenso, divergência de linguagem e os pronunciamentos presidenciais são capazes de desvalorizar os esforços empreendidos pelo Ministro da Fazenda e pelo Congresso Nacional, na busca pela credibilidade do comprometimento coeso e unânime do governo com a disciplina orçamentária.
Pelo contrário. Para acomodar, aglutinar e, claro, recompensar os líderes políticos e partidários, será necessário onerar ainda mais o orçamento, elevando o já gigantesco custo da máquina pública por meio de brutal incremento do número de ministérios, que passaram de 23 para 37 e já em estudos para 38 (Segurança Pública). Não é demais lembrar, ainda, que o novo governo apoiou e negociou a alteração da Lei das Estatais para permitir que políticos, até então impedidos pela lei vigente, pudessem ser nomeados, e remunerados com os maiores vencimentos do serviço público.
O Brasil caminha por estradas tortuosas há décadas e não tem mais tempo a perder. Somente uma reforma política pode evitar a perpetuação do desastre. É premente rever o instituto da reeleição, proibindo a recondução no Executivo e garantindo um mandato maior do que o atual, de forma a possibilitar a conclusão dos programas de governo. Tornar imprescritíveis os crimes contra a administração pública.
Tal reforma, contudo, não será hábil se não for proibida a formação de chapas para o Senado, para os governos estaduais e para a presidência da República com familiares dos candidatos figurando como suplentes e vices. É preciso também aumentar o período de quarentena para membros do Judiciário e do Ministério Público que deixam o cargo para se candidatarem a cargos públicos.
Para coibir o “toma-lá-dá-cá” e a “farra dos suplentes”, a reforma poderia limitar (talvez a 10%) a nomeação de parlamentares para ministérios, secretarias de Estado ou secretários de municípios, ou exigir que parlamentares renunciem aos cargos se quiserem ocupar pastas no Executivo.
A ética e a moralidade recomendam, ainda, que os cargos de diretores e conselheiros de empresas estatais somente possam ser ocupados por ex-presidentes, ex-governadores e ex-prefeitos após o cumprimento de um afastamento de 10 anos, contados do fim do cargo eletivo. Além disso, os membros dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos municípios deveriam ser escolhidos exclusivamente por meio de concurso público.
Para aperfeiçoamento da democracia, a reforma deveria abranger a exigência de ficha limpa para os cidadãos que desejem se filiar a algum partido político, condição estendida a candidatos a cargos públicos eletivos do Executivo e do Legislativo.
Um país com falta de recursos para investimento em setores básicos precisa redimensionar os Fundos Partidário e Eleitoral, estabelecendo limites financeiros compatíveis com a realidade da Nação e definindo novos critérios de distribuição, tornando-os mais democráticos e transparentes, ao contrário de hoje, em que os dirigentes de partidos gozam de enorme poder graças à esfera discricionária de distribuição de recursos. O ideal, ainda, seria que coligações e federações partidárias somente fossem homologadas mediante a apresentação de programas de governo e/ou de metas, atualmente ignorados.
Em outra esfera, é necessário também estabelecer limites ao Poder Judiciário, sem tolher sua autonomia constitucional, mas vedando a manifestação fora dos autos e a concessão de entrevistas sobre temas ainda não transitados em julgado, bem como reduzir as decisões monocráticas. Pelo contrário. Ninguém se compromete em acabar com a reeleição nem em combater efetivamente a corrupção, mal antigo que onera e envergonha o País, arruinando o sonho das futuras gerações. A leniência com que a questão é tratada e os maus exemplos transmitem a imagem de que não vale a pena estudar e trabalhar porque o crime compensa.
Não haverá evolução, não existirá aprendizado se o País insistir nos mesmos erros em vez de corrigi-los, e se os brasileiros continuarem acreditando em discursos fáceis e sem profundidade, iludindo-se com a promessa vã de que as soluções para tudo serão trazidas por um ou outro político.
Convém meditarmos sobre o que ensinou o economista e filósofo político norte-americano Thomas Sowell: “Quando as pessoas querem o impossível somente os mentirosos podem satisfazê-las”.
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