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{ REVOLUÇÃO DE 1930 }

Góis Monteiro e a doutrina da ingerência militar na política

General defendeu doutrina que mantinha a ingerência militar na política, mas sem a partidarização da tropa

 

A doutrina de Góis Monteiro tinha a missão manter a ingerência militar na política e evitar a partidarização da tropa.

 

O general Góis Monteiro publicou, em 1934, o livro intitulado A Revolução de 30 e a finalidade política do Exército.

Embora, do ponto de vista da elaboração teórica, deixe a desejar, sem dúvida alguma reflete o novo ponto de vista relativo à ingerência militar na política. A doutrina precedente seria da lavra de Benjamin Constant e focalizava, preferentemente, a questão do progresso, como então se entendia o desenvolvimento econômico. Constant associava-o ao estado positivo idealizado por Comte. Naquela altura, não chega a adquirir conteúdo explícito. Ainda que seriam os positivistas a dar conta da tarefa, tal ocorreria muito mais tarde. Vargas explicitaria que se tratava de empreender a revolução industrial, com o que o Brasil preencheria um dos requisitos ao ingresso no Primeiro Mundo.

O outro lado dessa ingerência dizia respeito à forma de governo e que papel caberia, nesse sistema, às Forças Armadas. Constant não viveria o suficiente para expressar o seu ponto de vista a respeito. Levando em conta que empenhou seu prestígio, no governo, à convocação de eleições para a Constituinte, admite-se que não teria as prevenções de Comte contra o sistema democrático-representativo. O certo, entretanto, é que se afastou do governo, vindo a falecer em janeiro de 1891, pouco antes da promulgação da Carta. Na prática, naquela primeira década republicana, derrotados os partidários da perpetuação do Exército no poder, emerge e consolida-se o grupo empenhado na profissionalização. A passagem de outro chefe militar pelo poder (Hermes da Fonseca, presidência de 1910 a 1914) não alteraria esse quadro.

A liderança desse grupo começaria a ser contestada na década de 1920, pelo movimento tenentista. Caberia a Pedro Aurélio de Góis Monteiro esboçar uma doutrina que, mantendo a ingerência militar na política, evitaria a partidarização da tropa. Vejamos, por suas linhas gerais, em que consiste.

Numa certa medida, o papel que preconiza para as Forças Armadas está associado ao seu desapreço pelo governo representativo. Contudo, prolongando-se a prática que iniciou, ainda no Estado Novo, até o chamado “interregno democrático” (1945-1964), sobreviveu em regime constitucional.

Indique-se sucintamente como expressa a mencionada indisposição.

“A eleição direta no Brasil é uma burla e uma imoralidade”, escreve na obra mencionada. Ainda assim, a afirmativa não objetiva corrigir os seus defeitos, mas simplesmente descartá-laEntende tratar-se “de processo ilógico de escolha, senão quando se trata de interesses também diretos e celulares”.

Prossegue: “Fora daí, no que concerne aos interesses mais completos, só a eleição em graus sucessivos constituirá uma forma de democracia organizada”.

Outro grave defeito da República brasileira encontrar-se-ia na federação. Ao contrário dos Estados Unidos, aqui, esse sistema “sobrepôs os interesses regionais aos interesses nacionais”. Conclui: “foi a prática defeituosa de um regime inadequado que impediu a formação de uma ideologia nacional… e não permitiu a organização da opinião pública, correspondente ao todo, isto é, à União, mas sim às partes constitutivas. O Brasil tornou-se, como já se disse, um corpo sem alma e por isto caiu como cai um corpo morto”.

E a Revolução de 30? Afirma não ter produzido “a maioria dos efeitos esperados”. Deixou de concluir a obra de destruição “que seria mais fácil no período ditatorial”“Será muito mais aleatória no período constitucional, sobretudo com a democracia liberal e os excessos de individualismo”. Vê-se, pois, que não apostava grande coisa na fase que se avizinhava (não perder de vista que estávamos em 1934).

Parece-lhe mais grave que não tenha alcançado a organização do que chama de “forças nacionais” e, presumivelmente, identifica com o que entendia por opinião pública.  Tem presente que nos países de democracia consolidada essas forças se expressam através dos partidos políticos. Mas descarta desde logo essa alternativa, na convicção de que atendem a interesses “particulares”, certamente tidos à conta de subalternos.

Valoriza a tentativa de organização dos tenentistas em órgãos suprapartidários, mencionando o Clube 3 de Outubro. Mas tem dúvidas quanto ao seu destino, cessado o caráter revolucionário do regime. O principal mérito que atribui a esse tipo de organização reside em que evita a participação direta, em agremiações partidárias, de membros das Forças Armadas. Insiste em que a missão que lhes cumpre realizar é de todo incompatível com qualquer espécie de “partidarização”. Chega a associar esse desfecho ao que chama de “militarismo” e insiste em que seria contra as mais profundas características de nosso povo.

A conclusão é a seguinte: “Não havendo a opinião pública se organizado em forças nacionais, restam as forças particularistas que não podem mais dispor e concentrar em suas mãos os interesses da nacionalidade. Ficam o Exército e a Marinha como instituições nacionais e únicas forças com esse caráter e só à sombra delas é que, segundo a nossa capacidade de organização, poderão organizar-se as demais forças da nacionalidade”.

Afirma taxativamente que as Forças Armadas são a espinha dorsal do Estado. E, prossegue: “As forças militares nacionais têm que ser, naturalmente, forças construtoras, apoiando governos fortes, capazes de movimentar e dar nova estrutura à existência nacional, porque só com a força se pode construir, visto que com a fraqueza só se constroem lágrimas.”

Estava aí esboçada a doutrina segundo a qual incumbe às Forças Armadas tutelar o Estado. Guindado à condição de chefe do Exército, Góis Monteiro tratou de aprimorar essa prática que culminaria com a deposição de Getúlio Vargas, em fins de 1945.

A sofisticação que essa doutrina experimentaria, no pós-Estado Novo e até março de 1964, seria a associação dessa função tutelar à ideia do poder moderador. Deve-se creditar a Antônio Augusto Borges de Medeiros ter aventado a hipótese de que o regime republicano comportaria a existência desse quarto poder. Na verdade, esta seria uma concessão tardia do velho caudilho castilhista, depois de ter passado toda a República Velha a depreciar a experiência imperial.

O certo é que no pós-Estado Novo a elite política nacional aceitou tacitamente a tutela das Forças Armadas. Basta ver a insistência em promover candidaturas militares à presidência da República. A opção por denominá-la de função moderadora seria, na verdade, uma forma de dourar a pílula. Somente no ciclo histórico posterior aos governos militares é que essa doutrina viria a ser contestada.

Coube ao primeiro governo militar (1964-1967), exercido pelo general Humberto de Alencar Castelo Branco, a missão de inviabilizar, na prática, a ingerência militar na política, consagrada com a República. Trata-se da limitação da permanência no generalato a doze anos. A par disto, o afastamento das Forças Armadas para concorrer ou exercer cargos políticos, alheios à corporação, torna-se definitiva. No passado, tivemos oficiais generais que, depois de terem se consagrado na política, voltaram à tropa sem quaisquer percalços. O próprio Góis Monteiro é exemplo disto.

A par disto, no seio do oficialato parece aceita a tese do cientista político americano Samuel Huntington (1927-2008), segundo a qual a ingerência militar na política traduziria baixos níveis de profissionalização (The Soldier and The State, expressa claramente essa compreensão à obra do brigadeiro Murilo Santos, intitulada O caminho da profissionalização das Forças Armadas (Ed. do Instituto Histórico da Aeronáutica).


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