Antonio Paim, filósofo e historiador (*)
A reforma eleitoral inglesa de 1832 consagrou as denominações de Partido Liberal e Partido Conservador. Utilizando-as retroativamente, no caso da própria Inglaterra, os agrupamentos até então denominados de whigs e tories parecem se adequar às novas denominações. Estiveram em jogo questões muito concretas, a exemplo da discriminação dos cidadãos ingleses que emigraram para os Estados Unidos, privando-os da prerrogativa de participar da fixação de novos tributos.
Edmund Burke nasceu em Dublin, capital da Irlanda, em 1729. E ali mesmo concluiu a sua formação acadêmica, estudando inclusive no famoso Trinity College. Revelou, desde logo, interesse por questões filosóficas, publicando em 1756, com 27 anos de idade, dois livros desse teor.
Um deles foi dedicado ao debate da tese de que a constituição da sociedade teria sido precedida pelo estado de natureza, no qual inexistiriam regras legais. Imaginou, entre as duas situações, o que chamou de “sociedade natural”. Essa tese não prosperou.
O segundo livro de Burke, chamado de “Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e da beleza”, alcançaria repercussão nos círculos especializados. Entretanto, Burke preferiu dedicar-se à atividade política.
Tendo sido eleito para integrar o Parlamento, teria oportunidade de participar de grandes acontecimentos. Assim, posicionou-se contra a ocupação da Índia pela Inglaterra e combateu a legislação que discriminava os católicos. Opôs-se tenazmente ao empenho do rei Jorge III, que reinou de 1760 a 1820, de mudar o status dos ingleses na colônia americana, cobrando-lhes impostos sem a sua audiência, levando à guerra iniciada em 1775, de que resulta a proclamação da independência no ano seguinte (1776).
O que lhe deu grande reputação seria o livro “Reflexões sobre a Revolução na França”, de 1790. Burke viria a falecer em 1797.
Enfatizando o essencial, escreve Ivone Moreira no seu monumental exame da obra em apreço: “As Reflexões constituem uma longa e bem construída diatribe contra os princípios da Revolução Francesa, princípios jacobinos que julgam possível arrasar todo o patrimônio cultural anterior e começar de novo a partir da suficiência arrogante da razão, não considerando que o patrimônio herdado reflete a riqueza cultural acumulada e corrigida de muitas gerações muito mais sábia e arguta que a melhor construção que resultasse das conjecturas de uma geração iluminada” (“A filosofia política de Edmund Burke”, São Paulo, É Realizações Editora, 2019).
No caso do posicionamento dos agrupamentos tradicionais em face da Revolução Francesa pode-se, entretanto, falar em predominância da avaliação negativa. O que estava em jogo era a defesa dos valores consagrados da tradição cultural. A Revolução Francesa equivalia a uma flagrante violação das regras consagradas da convivência sob o sistema democrático representativo, a começar do direito de propriedade.
Tomando por base a obra em apreço, Ubiratan Borges de Macedo elaboraria a cronologia da Revolução Francesa que se segue, precedida de breve comentário.
A situação revolucionária na França durou dez anos (maio de 1789 a novembro de 1799). Neste decênio não se formou uma liderança capaz de estruturar uma forma duradoura de governo constitucional, que era de fato do que se tratava. O conde de Mirabeau (Honoré Riqueti, 1749-1791) encontrou-lhe uma denominação, o que não ocorrera na própria pátria de sua origem, a Inglaterra, ao denominá-la monarquia constitucional.
Apesar das sucessivas revoltas, chegou-se a aprovar uma constituição que não chegaria a vingar. Venceu a corrente que desejava eliminar fisicamente a nobreza como primeiro passo para criar-se uma nova sociedade. Instaurou-se a República, que culminou com a execução do rei.
Seguiu-se um ano que passou à história com o nome de Terror. Derrubou-se esse grupo do poder, aprovou-se uma constituição republicana, mas o ambiente era de franca anarquia. Criaram-se as condições para a emergência de um governo forte (militar), capaz de restaurar a ordem.
Agrupando-se esquematicamente estes ciclos, teríamos a seguinte cronologia:
a) Maio de 1789 a setembro de 1791 – Convocadas pelo rei, as Cortes (também denominadas Estados Gerais) acabam se transformando em Assembleia Nacional Constituinte; revolução popular a 14 de julho (denominada Queda da Bastilha); em agosto, revolta no campo acabou com o regime feudal; a Assembleia aprovou várias reformas e concluiu a elaboração da Carta Constitucional em setembro de 1791; iniciou-se a monarquia constitucional.
b) Agosto de 1792 – queda da monarquia e proclamação da república.
c) Setembro de 1792 a junho de 1793 – chamado governo dos girondinos, sob o qual tem lugar a execução do rei.
d) Junho de 1793 a julho de 1794 – Período denominado como do Terror pelo fato de que a guilhotina foi acionada com intensidade crescente; nos dois últimos meses desse ciclo, apenas em Paris foram guilhotinadas 1.300 pessoas.
e) Agosto de 1795 – Aprovada uma constituição republicana.
f) Outubro de 1795 a novembro de 1799 – Período do Diretório, de enorme agitação política.
g) 9 de novembro de 1799 – golpe de Estado de Napoleão Bonaparte.
Com esse desfecho, a França se tornaria uma ameaça para os estados europeus em geral, ao indicar que anexaria estados vizinhos. A par da repressão dos principais estados europeus, graças a Napoleão ressuscitaria a ideia interna que lançaria os germes da instabilidade institucional.
(*) Este texto faz parte da série de 10 artigos escritos por Antônio Paim no início de 2021,
pouco antes de sua morte
Revisão final de Rogério Schmitt